Especialistas discutem por que é tão difícil parar de beber e fumar

Este assunto foi o tema da última edição do Encontro "O Globo Saúde e Bem-Estar", ocorrido na última semana.

Simone Barreto

04/12/2017 às 16h37 - segunda-feira | Atualizado em 15/12/2017 às 18h09

Tratar a dependência do álcool e do cigarro é um desafio. Essas substâncias são vistas, por muitas pessoas, como elementos de socialização e trazem uma série de consequências físicas e psicológicas, afetando, ainda que indiretamente, familiares, amigos e a todos que o cercam o indivíduo que as usa. Por isso, é importante combater tais vícios, discutindo seriamente o problema. Este foi o intuito da última edição do Encontro O Globo Saúde e Bem-Estar, ocorrido na última quarta-feira, 29, na Casa do Saber, zona sul do Rio de Janeiro. O evento foi coordenado pelo renomado dr. Cláudio Domênico, doutor e mestre em cardiologia pela UFRJ e coordenador da unidade de cardio-oncologia do Hospital Procardíaco.

Bruna de Jesus
Analice Gigliotti, Cynthia Saad, Josy Fischberg e dr. Claudio Domênico debatem sobre a dificuldade de abandonar o cigarro e o álcool. 

Para o debate, dr. Domênico convidou a dra. Analice Gigliotti, psiquiatra e chefe do Setor de Dependências Químicas da Santa Casa de Misericórdia, e a pneumologista dra. Cynthia Saad. A mediação foi feita pela jornalista Josy Fischberg, de O Globo.

"O alcoolismo e o tabagismo são casos de saúde pública, doenças responsáveis por milhares de mortes evitáveis. O tabagismo, principal causa de câncer, é relacionado à morte cardiovascular, entupimento das artérias e enfisema pulmonar. A mesma coisa com o alcoolismo, chamado por muitos de doença da negação. O álcool está sendo cultuado como o cigarro era no passado, associado ao sucesso. A indústria do álcool tenta vendê-lo como uma coisa protetora", disse dr. Domênico à Boa Vontade TV. Acompanhe, a seguir, trecho da palestra do doutor.

Em outubro, o renomado cardiologista também promoveu um encontro com profissionais da área da saúde para debater por que as pessoas não conseguem emagrecer. O evento teve cobertura da Super Rede Boa Vontade de Comunicação (TV, Rádio e Internet), recebendo destaque na capa da edição 244 da revista BOA VONTADEvocê pode baixar gratuitamente o aplicativo com o conteúdo, clicando aqui

Custo social gerado pelo alcoolismo e tabagismo

Em sua palestra, ele destacou por que é difícil parar de beber e fumar. Ele explica que “essas substâncias atuam em parte do nosso cérebro, liberando substâncias que dão prazer." Por isso, causam dependência. "A pessoa perde seu livre-arbítrio. Isso, em mortes evitáveis, é um custo enorme para a sociedade, que envolve adultos, adolescentes e idosos."

"O Brasil criou a lei antifumo, considerada muito avançada, proibindo a veiculação de publicidade de cigarro em TV, e mesmo assim a pessoa continua a comprar. Na minha opinião, são doenças como outras, ligadas à compulsão”, atesta.

Influência negativa do marketing 

Dr. Cláudio Domênico ainda ressalta como campanhas de marketing e publicidade colaboram para o consumo de tais produtos, principalmente o de bebidas alcoólicas. "Elas são usadas como [fator de] socialização. Você está triste, bebe para afogar suas mágoas. Está alegre, bebe para comemorar."

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Vista parcial do público que prestigiou o evento. 

"A história vai se perpetuando, de que vinho faz bem para o coração, a longevidade está ligada a essa bebida. O problema é que uma pessoa abre uma garrafa e não toma uma taça. Cada garrafa tem 850 ml, cada taça são 150 ml de vinho", completa.

Para diminuir o consumo, acredita o cardiologista, é preciso criar regulamentações mais rígidas. "Para coibir o excesso em muitas coisas, tem que haver uma taxação. Os países nórdicos taxam suas bebidas baseadas no teor alcóolico. Ou seja, um produto que tem acima de 40% de álcool paga um imposto maior do que uma que tenha 5%, isso já ajuda. O cigarro, por exemplo, proibiu a publicidade e depois o uso em locais públicos, clínicas, hospitais, restaurantes, em repartições públicas." 

Aspectos que causam a dependência do álcool

A dra. Analice Gigliotti ressaltou, em sua palestra, como o uso do álcool altera o comportamento dos usuários. “Numa pesquisa com 100 pessoas, 10% afirmam que é difícil [parar]. Um último estudo feito em 2012 pela Unifesp sobre álcool e drogas mostrou que 17% da população brasileira faz uso problemático de álcool, 10% é dependente e 7% tem abuso [da substância]", afirmou.

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Analice Gigliotti, psiquiatra e chefe do Setor de Dependências Químicas da Santa Casa de Misericórdia. 

"Essas pessoas desenvolveram uma doença que altera o cérebro. A vida fica resumida ao álcool e os outros estímulos motivacionais perdem o sentido, a graça. (...) A terapia cognitivo-comportamental é como se fosse a fisioterapia para o cérebro.(...) Existe sim, uma pré-disposição ao alcoolismo, existem famílias alcóolatras. Os filhos de alcóolatras precisam despertar para isso”, concluiu a especialista.

Depressão e alcoolismo

A doutora ainda analisou a relação do alcoolismo com outras graves doenças, como a depressão. “Entre as pessoas que usam álcool, 40% se sentem deprimidas. O álcool é um depressor do sistema nervoso central. Se você bebe todo dia, a chance de se sentir deprimido é maior", comenta.

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As doutoras Analice Gigliotti, psiquiatra e chefe do Setor de Dependências Químicas da Santa Casa de Misericórdia, e a pneumologista Cynthia Saad debateram o tema proposto.

"Um paciente que chega ao meu consultório, tem problema com álcool e está se sentindo deprimido", conta a psiquiatra, "eu digo: pare de beber." Analice contou que avalia se o caso é de depressão ou não após o paciente deixar de beber por um tempo.  

E finalizou: "Pacientes deprimidos tendem a usar mais álcool como uma forma de anestesiar os sentimentos de depressão”.

Caminhos para o abandono dos vícios

A pneumologista dra. Cynthia Saad, por sua vez, considera que não há uma fórmula universal para o abandono de vícios. “ É difícil parar de fumar e beber porque estamos lidando com uma doença. A nicotina é extremamente viciante, tanto quanto cocaína e álcool. No momento em que abordamos um fumante de longa data, lidamos com a doença. A nicotina altera a função cerebral, o centro do prazer, ou seja, quanto mais nicotina ele tem circulante, mais prazer tem. A ausência da substância traz ansiedade e irritação, assim como o álcool.

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Dificuldade para parar de fumar foi a palestra da pneumologista Cynthia Saad. 

"É difícil o paciente segurar esses sintomas de abstinência sem auxílio de medicação, psicoterapia ou as duas coisas. Esses pacientes recaem com facilidade.”

Reforços positivos

Para vencer o vício, a pneumologista afirma que reforços positivos pontuais aumentam a chance de sucesso. "Quando o paciente vem às consultas, a gente diz: 'poxa, que bom você reduziu a carga tabágica, está há três semanas sem fumar, isso é muito bom. Já está se sentindo melhor para subir uma escada, para correr atrás do seu neto ou do seu filho, levar seu filho no colo.' Pequenas coisas, esse acolhimento faz muita diferença." 

"O ser humano não gosta de falhar, principalmente pessoas do sexo masculino, eles têm uma reação muito negativa quando há essa falha, sentem-se seres humanos piores. E isso, não deve ocorrer dessa maneira e a gente tem que dar esse suporte, esse acolhimento ao paciente”, concluiu a dra. Cynthia.