
Sempre pela Vida
É urgente combater o suicídio, causa de um milhão de óbitos por ano no mundo
Leila Marco
12/01/2016 às 15h37 - terça-feira | Atualizado em 22/09/2016 às 16h00
A radionovela Memórias de um Suicida, adaptação do livro homônimo psicografado pela médium Yvonne do Amaral Pereira, retrata de forma aberta e franca as graves consequências do suicídio. Nas narrativas que compõem a radionovela, a abrangente perspectiva espiritual contrasta com o enfoque materialista da história de muitos personagens, inicialmente convencidos da noção enganosa de que a morte seria o fim de tudo.
Iniciativa do jornalista, radialista e escritor José de Paiva Netto, presidente das Instituições da Boa Vontade*, o projeto (que conta com a participação de atrizes e atores consagrados) privilegia ampla abordagem, considerando as dimensões humana e espiritual do problema. Sobre o assunto, esclarece ele: “A morte não é o término da existência humana. Você não acredita? Tem todo o direito. Mas se for verídico?! Premie-se, minha amiga, meu amigo, com o direito à dúvida, base do discurso científico, que, na perquirição incessante, continua rasgando estradas novas para a Humanidade”, citando ainda célebre pensamento do radialista e poeta Alziro Zarur (1914-1979), saudoso fundador da Legião da Boa Vontade: “O suicídio não resolve as angústias de ninguém”.
Partindo dessa premissa, a revista BOA VONTADE buscou a opinião de médicos e outros estudiosos para analisar as causas do comportamento potencialmente suicida e propor meios de prevenção. A ideia é contribuir para a conscientização e melhor compreensão do problema e suas consequências. Nessa caminhada, valores como fraternidade e a disposição para ajudar, muitas vezes, são decisivos no auxílio a quem se sente fragilizado a ponto de desejar tirar a própria vida.
Questão de saúde pública
O número estimado de um milhão de suicídios por ano preocupa muito, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Para demonstrar a gravidade do problema no mundo, em comparação com dados locais, o psiquiatra José Manoel Bertolote, professor doutor do Departamento de Neurologia, Psicologia e Psiquiatria da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e consultor da OMS para o tema, apresentou recentemente, no interior paulista, alguns dados ilustrativos. “Botucatu tem hoje 130 mil habitantes. No mundo, morrem aproximadamente sete cidades como Botucatu todos os anos de suicídio”, comparou. Vale observar que não foram considerados nesse levantamento dados referentes às tentativas de tirar a própria vida, cujas taxas chegam a ser nos Estados Unidos, por exemplo, 40 vezes maiores que as dos suicídios consumados.
Com base também em estudos da OMS, o especialista aponta uma constatação preocupante: a de que os jovens estão cada vez mais propensos a adotar comportamentos suicidas. Já seria hoje a terceira causa de morte entre os indivíduos economicamente ativos na faixa dos 15 aos 44 anos de idade, bem como a segunda principal responsável por óbitos de jovens de 15 a 19 anos. Outro segmento que inspira cuidado é o dos idosos, cujo crescimento dos índices de suicídio se relaciona ao abandono e à solidão em que vivem muitas dessas pessoas, por vezes fragilizadas por doenças crônicas ou degenerativas.
No Brasil, o psiquiatra analisa a preocupante evolução dessas taxas na população masculina. “A partir de 2000, para homens, houve um disparo das taxas de suicídio. Em 1980, tínhamos uma taxa de 4,5% para homens, e ela passa para 7,5%; portanto, quase que dobrou de 1980 para 2008.” Em sua opinião, qualquer doença que duplicasse em 20 ou 30 anos exigiria das autoridades medidas drásticas. “E isso não aconteceu no Brasil. Alguns estudos mostram que, se pegarmos os jovens de 15 a 25 anos, [notaremos que] o aumento do suicídio nos últimos 20 anos é ainda maior. É um aumento brutal de suicídios entre jovens do sexo masculino”, comentou.
Autor do recém-lançado O suicídio e sua prevenção, livro que traz informações e estratégias para prevenir o problema, o dr. Bertolote cita estudos em diversas nações que têm apontado os fatores de risco mais comuns. Assim, além do alcoolismo e das drogas, “por trás de 90% dos suicídios no mundo ocidental está uma doença mental (principalmente a depressão e a esquizofrenia)”.
Diante de fatores que indiquem risco, é preciso estar atento para prestar apoio solidário. “É isso que temos de fazer, nos aproximar de quem está dando sinais de que não está bem. Pode ser incômodo, a gente pergunta: ‘Oh, como vai?’ e ninguém quer saber realmente, pois é só uma forma de polidez. Às vezes, a pessoa diz: ‘Ah, estou ótima’, mas está podre por dentro... Agora, se você chega e fala: ‘Olha, vejo quevocê não está bem. Posso fazer alguma coisa? Posso ajudar?’. Então, talvez você tenha que sair de sua atividade, acompanhar essa pessoa a algum lugar, maspoderá salvar uma vida.”
Sofrimento
A informação é fundamental na tarefa de prevenir casos de suicídio, na opinião da doutora em Psicologia Blanca Susana Guevara Werlang, professora titular da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e coordenadora do Grupo de Prevenção e Intervenção em Comportamento Violento da PUC. “As pessoas não têm informação sobre o suicídio, existem muitos tabus em torno do assunto. Por exemplo, se o profissional na escola tivesse mais conhecimento sobre os fatores de risco, quais são os fatores protetores, quais comportamentos podem denunciar isso, também poderia ajudar, falar com a família, fazer o encaminhamento a um psicólogo, um psiquiatra, ou a outro setor específico da saúde pública”, afirmou.
A dra. Blanca Werlang ressalta que estudar o comportamento suicida é também discutir a questão do sofrimento. “Esses indivíduos sofrem muito. Às vezes, até pode ser que a ideia não seja morrer, mas, sim, terminar com essa dor insuportável.” Segundo a especialista, no desenvolvimento psíquico pessoal vão ocorrendo falhas: “A pessoa começa a acumular tensão psíquica, sofrimentos psíquicos. Se ela se comunica pouco com os outros, se tem problemas familiares, se não está vinculada a um referencial espiritual — seja ele qual for —, se tem poucos amigos, acaba sofrendo muito”.
Considerado um transtorno psicossocial de causas múltiplas, o suicídio é um evento complexo. “Não é porque a pessoa tem um transtorno depressivo que ela vai cometer suicídio. Há fatores sociais, econômicos, familiares, espirituais. A combinação de todos os elementos é que a leva, efetivamente, a se desorganizar psiquicamente e a instalar um sofrimento intolerável.”
A psicóloga demonstra igualmente preocupação com os altos índices desse tipo de ocorrência na população mais jovem. Nisso, a dra. Blanca entende como importante fator a falta de referências. “A sensação que passa é a de que a família transfere a responsabilidade para a escola, a escola para a família, a sociedade também não assume; as figuras de representatividade estão muito atrapalhadas. (...) Hoje, os valores de fraternidade, os valores espirituais, a questão de não machucar o outro, emprestar e dividir as coisas com o próximo, estão esquecidos. A religiosidade é um fator protetivo, assim como ter boas relações familiares”, explicou.
Impacto na família e amigos
A morte de alguém que decidiu abandonar a vida costuma ser de difícil superação para a família e os amigos. A jornalista Paula Fontenelle conviveu de perto com essa realidade: o suicídio do pai, em 2005. Em busca de respostas, dedicou três anos a pesquisar o tema, estudando vários casos e entrevistando psicólogos e outros especialistas. O resultado desse trabalho é o livro Suicídio, o futuro interrompido — Guia para sobreviventes.
Na obra, a escritora comprova a importância de dar atenção às pessoas mais próximas de quem cometeu o ato de desespero, assim como a necessidade de romper com o silêncio que as envolve. “Na literatura desse campo de estudo, chamam de sobrevivente quem perde alguém para o suicídio, porque é um indivíduo que vai ter de conviver com aquilo pelo resto da vida e sobreviver à dor dessa perda, que é uma dor diferente... porque, quando você perde uma pessoa devido a um acidente, uma doença, por causas naturais, você fala para todo mundo, e todos perguntam como foi. Isso faz parte do luto,você falar sobre aquilo. Mas quando é suicídio ninguém pergunta, ninguém quer ouvir. (...) Eu lembro que a nossa família passou por isso.”
A jornalista acredita também que, de certa forma, a agressão do ato reverbera nos que estão mais próximos. “Quando morre a pessoa, é normal que se assuste, você não acredita que ela fez isso; depois, começa a se sentir culpado: ‘Como é que eu não percebi?’. O sentimento de culpa é normal e o de raiva também...‘Como é que ele fez isso comigo? Ele foi irresponsável. Como pôde fazer isso com o próprio filho?’.”
Ao fazer um alerta, o livro indica os principais sinais do comportamento suicida, a fim de ajudar a combatê-lo. “A fé é muito importante, é um dos fatores cruciais que mantêm algumas pessoas. A fé em Deus, em um Ente Superior, independentemente da religião que você siga, é um apoio muito parecido com o de uma pessoa que lhe estende a mão. A fé é crer no futuro, acreditar sempre que aquilo ali [dor, sofrimento...] vai passar.”
Para o caso de uma pessoa querida que esteja manifestando tais sinais, ela recomenda primeiro abrir um canal de comunicação, dando-lhe atenção; depois, procurar entender, facilitar o desabafo. “Outra coisa muito importante que os médicos dizem também é tentar fazer uma espécie de pacto com a pessoa: ‘Olha, me dê um mês para a gente ver se você ficará melhor ou não. É só isso que peço’. Eu fiz isso com uma amiga minha... a levei a uma psiquiatra, e ela está viva até hoje.”
“O ser humano foi criado para a Vida”
O sentimento de religiosidade tem sido para os que padecem um valioso aliado na retomada da autoestima e do desejo de viver. Além do exercício da prece e da meditação, comprovadamente capazes de ajudar o equilíbrio de corpo e alma, o fato de a pessoa pertencer a uma comunidade religiosa representa por si só um apoio social bastante favorável nos momentos de intenso sofrimento.
Bom exemplo desse trabalho de recuperação do ser humano está na ação da Religião de Deus, do Cristo e do Espírito Santo. Sua destacada pregação tem levado palavras de esperança e conforto espiritual a milhares de pessoas diariamente, ajudando-as assim a vencer os obstáculos da jornada. No artigo “O ser humano foi criado para a Vida”, publicado no jornal Correio Braziliense, de Brasília/DF, na década de 1980, o presidente-pregador da Religião Divina, José de Paiva Netto, fala sobre a extraordinária oportunidade de evolução que a existência na matéria oferece a todos. Eis um trecho:
“O ser humano deve orgulhar-se de existir e lutar infatigavelmente pela Vida. Vencer a si próprio de modo a conquistar, para todo o sempre, a sua dignidade espiritual, ‘o tesouro que o ladrão não rouba, a traça não rói nem a ferrugem consome’ (Evangelho de Jesus segundo Mateus, 6:19). Como revela a Sabedoria, vencedor é aquele que vence a si mesmo. Deus, que é Vida, para a Vida o criou. Dizia Napoleão Bonaparte (1769-1821) que ‘a melhor figura de retórica é a repetição’. É bom reiterar, pois, esta advertência de Jesus: ‘Deus não é Deus de mortos, mas de vivos. Por não o crerdes, errais muito’ (Evangelho segundo Marcos, 12:27). Daí porque, quando o alcança a morte, dela não herda o esquecimento ou o ócio perenes, porém mais e mais Vida... A morte não existe, é um boato. Deus não nos criou para nos matar”.

“A morte não é o fim”
E o autor prossegue: “Sucumbem em erro os que buscam o suicídio, pois a parca lhes ofuscará os olhos, que procuraram a escuridão, com mais luz, isto é, mais Vida, a lhes cobrar severas contas de antigos compromissos assumidos. Antes e depois da Vida, há Vida e as incorruptíveis Leis que universalmente a regem”.
Por isso, em outro texto de sua autoria — “A morte não é o fim” —, Paiva Netto recomenda a todo sofredor que não se desespere, por mais que as coisas estejam difíceis e a solução dos problemas pareça impossível. E completa: “Meu Irmão, minha Irmã, a Vida continua sempre, e lutar por ela vale a pena. Por pior que seja a escuridão da noite, o Sol irá nascer, trazendo claridade aos corações. Ainda mais, se passarmos os olhos pelo redor do nosso dia a dia, veremos que existem aqueles, seres humanos e até mesmo animais, em situação mais dolorosa, precisando que lhes seja estendida mão amiga. Não devemos perder a oportunidade de ajudar. Àquele que auxilia não faltará nunca o amparo bendito que lhe possa curar as feridas. Viver é melhor”.
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* Instituições da Boa Vontade — Formadas pela Legião da Boa Vontade (LBV); Religião de Deus, do Cristo e do Espírito Santo; Fundação José de Paiva Netto; Fundação Boa Vontade; e Associação Boa Vontade.