Covid-19 aumenta transtornos psiquiátricos

Pesquisa da USP mostrou altas taxas de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático em pacientes que apresentaram quadros moderados e graves da doença

Wellington Carvalho de Souza

07/03/2022 às 18h19 - segunda-feira | Atualizado em 07/03/2022 às 19h27

 

Estudiosos da área da Saúde têm constatado cada vez mais tipos de prejuízo que a Covid-19 pode ocasionar no organismo. Dentre as principais queixas da chamada “Síndrome pós-Covid-19”, constam fadiga, falta de ar, perda do olfato e paladar, dor de cabeça e insônia. Contudo, novas descobertas trazem outros alertas. A pesquisa “Morbidade psiquiátrica e cognitiva pós-Covid-19: achados preliminares de um estudo de coorte brasileiro”, publicada em fevereiro deste ano na revista General Hospital Psychiatry, revela a alta prevalência de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático em indivíduos que se recuperaram das formas moderada e grave da doença.

Para o estudo, realizado por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), 425 pacientes foram submetidos a entrevistas psiquiátricas estruturadas, testes psicométricos e baterias cognitivas entre seis e nove meses após a alta hospitalar. Todos ficaram internados no Hospital das Clínicas da USP por, pelo menos, 24 horas, entre março e setembro de 2020. Desse modo, houve a avaliação de habilidades como memória, atenção, fluência verbal e orientação espaço-temporal. Um grande conjunto de dados clínicos multidisciplinares, com variáveis ​​psicossociais relevantes — como a perda de um ente querido ou problemas financeiros decorrentes da pandemia —, foi usado ​​para prever os resultados.

Mais da metade (51,1%) dos participantes relatou ter percebido declínio da memória após a infecção e outros 13,6% desenvolveram transtorno de estresse pós-traumático. O Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) foi diagnosticado em 15,5% dos voluntários, e em 8,14% deles o problema surgiu após a doença. Já o diagnóstico de depressão foi estabelecido para 8% dos pacientes — número superior ao estimado para a população geral do país, que fica entre 4% e 5%.

De acordo com os pesquisadores, o agravamento de sintomas psiquiátricos é esperado após infecções agudas. Mas com nenhuma outra enfermidade viral se percebeu tanta diferença e perdas cognitivas tão significativas como a Covid-19. Detalhe importante é o fato de que as alterações cognitivas e psiquiátricas observadas no grupo não se correlaciona com a gravidade do quadro, com o tratamento adotado no período de hospitalização ou com as variáveis psicossociais relevantes.

Danos ao sistema nervoso central

O doutor Rodolfo Damiano, médico preceptor do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e um dos autores da pesquisa, explica que “esses pacientes tinham alterações na função executiva [do cérebro], pois verificamos em testes cognitivos a lentificação na realização de tarefas simples. Nós correlacionamos os achados com perdas familiares, situações psicossociais, perdas financeiras durante a pandemia, drogas utilizadas durante o tratamento, mas não encontramos nenhuma relação entre essas informações”.

“Isso traz pra gente duas impressões”, prosseguiu o especialista ao conversar com a equipe da revista BOA VONTADE. “A primeira é que talvez esses achados sejam pelo fato de os indivíduos estarem doentes, com alterações clínicas globais em si; mas há ainda outra hipótese: a de que o SARS-CoV-2 tenha impactado o sistema nervoso central desses pacientes.” Alterações tardias relacionadas à infecção pelo coronavírus, como processos inflamatórios associados a alterações imunológicas, danos vasculares associados a coagulopatias ou a própria presença dele no cérebro, teriam papel na origem dos transtornos. “Indo por essa segunda linha de raciocínio, podemos pensar que as pessoas que tiveram casos leves também tenham desenvolvido sintomas cognitivos e psiquiátricos”, considerou.

Se o(a) caro(a) leitor(a) quer evitar esses problemas, a recomendação de Damiano é clara: “Em prevenção do dano ao aparelho psíquico, eu indico a precaução contra o contágio do SARS-CoV-2; ou seja, garantir a vacinação e todos os outros cuidados, como uso de máscaras e de álcool 70%, assim como evitar aglomerações, tudo o que todo mundo já sabe”.