O LHC e o Átomo de Pascal

Esta é a primeira parte da série “A Matéria Espiritual”, originalmente publicado na revista BOA VONTADE, nº 227, de 2010, sob o título “LHC, ‘a partícula de Deus’ e o destino da Ciência”, revisado e ampliado pelo autor.

Juliano Carvalho Bento

03/09/2018 às 14h32 - segunda-feira | Atualizado em 25/04/2022 às 14h36

Vivian R. Ferreira

Juliano Carvalho Bento, físico e responsável pelo Instituto de Estudo e Pesquisa da Ciência da Alma dentro da Academia Jesus, o Cristo Ecumênico, o Divino Estadista.

No meio científico, muito se especulou sobre as descobertas que o acelerador de partículas LHC (Grande Colisor de Hádrons, na sigla inglesa) poderiam evidenciar ao mundo. Depois de imprevistos, suspeitas e temores de que tal supermáquina pudesse criar buracos negros, o primeiro teste veio a ocorrer em 2008. Na ocasião, cientistas colocaram nesse potente acelerador do CERN1 — Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire (Conselho Europeu para Pesquisa Nuclear) — um feixe de prótons que percorreu, numa velocidade próxima à da luz, toda a extensão do grande anel de colisão, com 27 quilômetros de circunferência, construído na fronteira franco-suíça. Mesmo assim os resultados não vieram de imediato. Após várias pausas para manutenção e ajustes, finalmente as pesquisas e estudos de fato tiveram início e, desde então, obtivemos gratas surpresas.

Diante dessa nova fase da Ciência, frente toda a sua história, nos indagamos: Quais foram as suas contribuições e qual a próxima etapa a ser alcançada por esse empreendimento?

O CERN e o Grande Colisor de Hádrons

Primeiramente é oportuno rememorar o quanto o CERN já impactou nosso cotidiano diante de tecnologias originadas de suas pesquisas. A mais famosa, foi a criação da World Wide Web (daí o “www” que acompanha os endereços na rede mundial de computadores) por Sir Timothy John Berners-Lee, originando o sistema de internet tal como conhecemos hoje. Contudo, a real motivação para o desenvolvimento de tal tecnologia veio da necessidade de existir uma maneira de comunicação rápida o suficiente, para expandir dados experimentais às comunidades científicas espalhadas pelo planeta. Em 7 de agosto de 1991 o primeiro website criado por Timothy foi colocado on-line dando início a essa grande revolução.

Ou seja, não é difícil mensurar o impacto que as pesquisas desenvolvidas por tal estrutura científica ocasionaram na sociedade. Mas, enfim, efetivamente o que é qual a importância de um acelerador de partículas?

O Átomo de Pascal

Há mais de três séculos, o matemático, físico e filósofo francês Blaise Pascal (1623-1662) afirmou que “(...) Por mais que ampliemos as nossas concepções e as projetemos além dos espaços imagináveis, concebemos tão somente átomos em comparação com a realidade das coisas2. Embora o pensador francês estivesse afirmando que compreender a realidade da dupla infinitude (do macrocosmos e do microcosmos) com base na nossa interpretação finita3 seria inútil, visto que em nada acrescentaria para melhor compreender a realidade, podemos utilizar essa frase, de forma quase literal, quando pensamos na busca pela concepção do átomo, no sentido da menor porção da matéria. Ou seja, o “átomo de Pascal” nunca seria compreendido em sua totalidade, pois qualquer tentativa seria frustrada frente nossa interpretação da realidade.

De certa forma, foi exatamente isso que Max Planck, e os primeiros desenvolvedores da Teoria Quântica, precisaram enfrentar ao perceberem que era necessário modificar diversas leis físicas, fundamentadas numa realidade do macroscópico finito, a muito estabelecida, para comportar novos resultados. O átomo, enfim, era uma realidade, embora não obedecesse a física clássica.

Com a descoberta dos elétrons por J. J. Thomson (1856 — 1940), os prótons por Ernest Rutherford (1871-1937) e Elgen Goldstein (1850-1930) e os nêutrons por James Chadwick (1891 — 1974), finalmente o átomo se tornou divisível e a busca por mais e mais partículas fundamentais se iniciou.

Contudo, a tecnologia de meados do século 20 já não era mais suficiente para investigar o que havia na cerne da matéria. O processo de enxergar algo diminuto, por meio de lentes de poderoso poder de ampliação, já era, a muito, uma tecnologia ultrapassada. Como, então, verificar esse novo mundo de subpartículas elementares?

Enxergar sem Luz

Ver, do ponto de vista físico, é um processo simples descrito pela Óptica Geométrica. Nada mais é do que raios de luz (proveniente de alguma fonte luminosa) refletindo em certo material e se encaminhando para nossos olhos. Após passar pela nossa córnea, esse chega na retina, onde receptores celulares captam essa luz e a transforma em imagens (tal como um filme fotográfico ou uma placa fotossensível das câmeras digitais).

Tal procedimento permite que tenhamos nosso sentido de visão e a realidade ao nosso redor se descortine. Porém, existe um limite dimensional que nos permite visualizar algo por esse procedimento. Para entender isso, primeiramente devemos compreender o que é luz.

A luz, de forma simples, é composta por duas “substâncias” básicas: Onda e matéria. Já os corpúsculos que a constitui são os fótons, subpartículas desprovidas de massa, originalmente teorizadas por Albert Einstein e nomeadas por Gilbert N. Lewis.

Conforme relatamos, em objetos macroscópicos a luz visível pouco in- terfere com a matéria4 tornando-se simples decodificar o espaço a nossa volta com relativa tranquilidade. Contudo, em objetos de dimensão próxima a dos fótons, essa interferência pode destruir o objeto original, e a realidade não será exatamente aquela que observamos. Isso ocorre pelo fato que, quando o fóton entra em contato com outras partículas próximas de sua ordem de magnitude — como os prótons e nêutrons, considerados hádrons (daí o nome do colisor) — ocorre uma interferência no processo de observação. Por isso, um microscópio já não teria mais poder de alcance5 para conseguirmos compreender a realidade do “nanocosmos” pois, existe uma alteração na informação daquilo que desejamos estudar.

Nesse interim, surgem os aceleradores de partículas. Grosseiramente, esses possuem a função de um imenso “microscópio” de estruturas extremamente exíguas. Contudo, a funcionalidade é totalmente diversa, pois essa verificação ocorre via colisão de corpúsculos mínimos (como elétrons ou prótons), de onde surgem partículas elementares ainda mais internas na estrutura da matéria. A lógica seria a seguinte: Imagine que exista uma esfera feita de misterioso material. O objeto é tão maciço que é praticamente impossível saber o que existe dentre da mesma. No entanto, se a destruirmos, chocando-a com outra idêntica, poderíamos saber mais sobre sua constituição e garantiríamos que todo o material envolvido no impacto seria das esferas. No caso de partículas subatômica, essa colisão pode liberar novas partículas, antes não verificadas na natureza, por estarem muito atreladas ao interior do objeto a qual faz parte.

Com isso, pode-se validar teorias que busquem recriar, por exemplo, condições semelhantes às que existiram frações de segundo depois do big bang6, além de expor novas sutilezas da matéria.

Todavia, quando chegamos a medidas tão pequenas, menores que um átomo (que possui um diâmetro da ordem de grandeza de 10-10 metros, ou seja, um angstrom), o mundo tal como conhecemos começa a se portar diferente do que o bom senso poderia supor. Daí a origem de toda a Mecânica Quântica, a física que descreve dimensões "intra-atômicas".

E por que é tão noticiado e se comemora tanto na comunidade científica quando um acelerador é ligado? Isso se deve ao fato que a demanda de energia e os gastos envolvidos na construção são imensos (o Tevatron nos EUA teve verba negada pelo governo por conta do alto orçamento para seu funcionamento, por exemplo). Embora existam outros aceleradores pelo mundo (inclusive o LNLS no Brasil), somente o LHC é hoje capaz de fornecer a quantidade de energia necessária para que as colisões e as velocidades sejam exatas afim de descobrir novas partículas antes somente teorizadas.

Graças ao CERN, conhecemos muito mais partículas subatômicas em toda a história humana. Porém, uma dessas partículas além de ser um dos sustentáculos do Modelo Padrão da Física de Partículas (ou, simplesmente “Modelo Padrão” – conjunto de teorias e comprovações que descrevem toda a mecânica e existência das partículas elementares), foi uma das principais razões para o desenvolvimento do LHC: O Bóson de Higgs.


Ler também: 

+ A Matéria Espiritual - A partícula de Deus e os Novos Paradigmas da Matéria (Parte 2)

+ A Matéria Espiritual - Os Fantasmas do LHC e a Unificação da Matéria-Espírito (Parte Final)

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1 Conforme encontramos em seu site oficial, “no CERN (...) físicos e engenheiros investigam a estrutura fundamental do universo. Eles utilizam os maiores e mais complexos instrumentos científicos do mundo para estudar os constituintes básicos da matéria - as partículas elementares. As partículas são feitas para colidir junto à velocidade da luz. O processo dá aos físicos pistas sobre como as partículas interagem e fornece insights sobre as leis fundamentais da natureza”. Para outras informações, acesse: home.cern/about.

2 Fragmento B.72; L.199 livro Pensées.

3 Dentro da filosofia de Pascal, a incapacidade do homem de imaginar infinitos o coloca numa condição de infelicidade perene frente a vida. Mas, existe uma alternativa, segundo o pensador: “Admitamos que Deus existe. Que coisa nos arriscaremos a perder se vivermos como se Deus existisse? Os prazeres e os bens do mundo, isto é, bens finitos. Que coisa ganharemos? Um bem infinito”. Dentro de sua filosofia, essa argumentação chamada de “A Aposta de Pascal” e é muito mais rica e profunda do que aqui exposto.

4 Quando dizemos que a luz interfere com a matéria, é no sentido stricto sensu, visto que dessa interação surgem as cores do material, além de gerar calor, por exemplo.

5 Microscópios tradicionais e técnicas de microscopia (como a de Força Eletrostática), só conse- guem verificar objetos até dimensões de 10-6, 10-7 metros, ordem de grandeza muito elevada frente aos do fóton e partículas do átomo.

6 Teoria proposta pelo padre católico Georges-Henri Édouard Lemaître (1894-1966), na qual afirmava que o Universo teve início com uma grande explosão.