Tempos difíceis para o planeta

Para Sergio Besserman, "a raça humana precisa achar o equilíbrio perdido, deixar de lado o individualismo, ser mais fraterna e abraçar causas em benefício da morada global."

Alan Paresqui

28/03/2022 às 09h17 - segunda-feira | Atualizado em 28/03/2022 às 11h35

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Um economista dedicado ao meio ambiente, que encontrou na relação entre este e a Economia muita coisa em comum e a razão do seu trabalho. Esse é o carioca Sergio Besserman Vianna, professor do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e presidente do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Para ele, a raça humana precisa achar o equilíbrio perdido, deixar de lado o individualismo, ser mais fraterna e abraçar causas em benefício da morada global.

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Sérgio Besserman

Em entrevista exclusiva à Super Rede Boa Vontade de Comunicação (rádio, TV, internet e publicações), Besserman, que estuda, desde 1992, os efeitos socioeconômicos do aquecimento global, deu informações  valiosas sobre esses fatos e afirmou: “O Banco Mundial estima que só as mudanças climáticas podem fazer com que todos os ganhos contra a pobreza dos últimos vinte anos sejam perdidos. Centenas de milhões de pessoas voltando ao patamar de pobreza! Não haverá crescimento econômico no mundo sem que a crise das mudanças climáticas, a da biodiversidade e outros aspectos da crise ecológica global sejam resolvidos”.

A seguir, os trechos mais relevantes dessa esclarecedora conversa.

BOA VONTADE — Como definir a economia sustentável?
Sergio Besserman — Mudando a forma como era pensada no século 20: meio ambiente de um lado,  rescimento econômico e combate à pobreza e à desigualdade do outro. A tarefa era harmonizar, encontrar um jeito de salvar o máximo da Natureza, sem atrapalhar o crescimento econômico. Isso não faz nenhum sentido. É uma ilusão humana compreensível, mas nós não somos deuses; não podemos fazer mal à Natureza do orbe. O nosso tempo é curto. Nós vivemos [em média] 80 anos; Jesus esteve aqui há dois mil anos; as primeiras civilizações têm 6 mil, 7 mil anos; a agricultura, 12 mil, 13 mil anos; e o primeiro bebê igualzinho a nós tem 200  mil anos. A vida está no planeta Terra há 3 bilhões e 600 milhões de anos! Só a vida pluricelular, essa  maravilhosa biodiversidade, possivelmente possui mais de 650 milhões de anos. Se a gente [tirar como base] só a vida pluricelular e colocar num relógio de 24 horas, nós, os humanos, chegamos aqui nos últimos segundos. O planeta já passou por problemas de causas naturais incomensuravelmente maiores do que qualquer coisa que o ser humano possa sonhar em fazer daqui a quinhentos, mil anos. Nós somos muito capazes — e estamos  fazendo isso — de destruir a Natureza do nosso tempo, essa que a gente ama e da qual depende. (...) Em cinco milhões de anos, estará tudo aí de novo! — sem nós, se destruirmos tudo. A Natureza não tem problema. Quem enfrentará dificuldades é a Natureza do nosso tempo e nós, porque dependemos completamente dela.

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BV — Quais seriam os principais prejuízos de não se cuidar adequadamente do meio ambiente?
Besserman — O Banco Mundial estima que só as mudanças climáticas podem fazer com que todos os ganhos contra a pobreza dos últimos vinte anos sejam perdidos. Centenas de milhões de pessoas voltando ao patamar de pobreza! Então, não é meio ambiente aqui e economia ali. A questão mesmo para a civilização é a de que o crescimento econômico é e será, até o fim deste século, inviabilizado. Não haverá crescimento econômico no mundo sem que a crise das mudanças climáticas, a da biodiversidade e outros aspectos da crise ecológica  global sejam resolvidos.

BV — Ainda repercute a crise econômica mundial de 2008?
Besserman — A crise de 2008 está aí. As outras duas grandes recessões da história do capitalismo duraram vinte anos. Não consigo imaginar nenhuma razão para que a atual demore menos que isso. Claro que podem ser dezesseis, vinte e dois anos. Muitos acreditaram ser ela um inibidor dos investimentos em sustentabilidade.
Eu penso o contrário. Qualquer presidente de grande companhia, empresário ou CEO sabe que, em algum momento, teremos de enfrentar as mudanças climáticas a sério. Isso impede que saiamos da crise de 2008. Como é que se empregam recursos de trinta, quarenta, cinquenta anos se não há a menor ideia de quais serão os preços no futuro? “Invisto ou não em um negócio que tem muito carbono?” Faz parte da solução da própria crise de 2008 o enfrentamento das mudanças climáticas precificando-se as emissões de carbono.

BV — Considerando-se esses fatores, qual o prognóstico para os próximos anos?
Besserman — É muito difícil. Há muitos problemas. Porém, um é mais grave que os outros: o [da crise] das mudanças climáticas. Isso porque é uma “bomba atômica”, que vai cair sobre a crise da biodiversidade. (...) As espécies já estão se extinguindo por causa do desmatamento, do uso do solo, e, aí, há o aumento do calor num tempo bastante rápido, não dando tempo para [elas] migrarem, se adaptarem etc. (...) Por conta das mudanças climáticas, as chuvas não caem no mesmo lugar onde precipitavam antes. Dessa forma, os rios e os canais não recolhem essa água para as represas ou para os lugares nos quais conseguimos pegá-la de maneira econômica. (...) O aquecimento global está na origem de quase todos os principais problemas que teremos nos próximos trinta, quarenta anos. Eu, particularmente, não sou otimista. A ONU [Organização das Nações Unidas] diz que não podemos passar de mais de 2 graus Celsius neste século, porque esse é o limite do perigo. Com sinceridade, não há mais nenhuma chance de ficarmos em 2 graus. Nós estamos atrasadíssimos! Trinta anos atrasados, pelo menos. Continuamos emitindo gases do efeito estufa. Estamos usando mais energias renováveis, mas, ao mesmo tempo, mais carvão e petróleo. Então, alcançaremos mais que 2 graus. Parece pouco, mas vamos dizer que atinjamos 3 graus, até o fim do século, de aquecimento médio do planeta. É 50% a mais!

BV — Será difícil a transição para uma sociedade sustentável?
Besserman — Há uma notícia boa: tem aumentado muito a consciência das pessoas, dos jovens e de todos sobre a importância de não destruir, [de não] degradar o meio ambiente e também de ter práticas sustentáveis, como não gastar luz e água à toa, reciclar lixo etc. Há uma compreensão crescente de que o futuro da Humanidade depende de nós, mas, [como se diz] em jargão de economista, “Não existe almoço grátis”. A Natureza não pode ser usada como se fosse infinita, e a Ciência, hoje, está avançada o suficiente para que isso não seja mais uma coisa complicada. Agora, tem o outro lado da moeda: são problemas mundiais. Tem que haver um enfrentamento global. (...) A minha geração e as anteriores deixaram para os jovens esse peso nos ombros, porque isso terá de ser resolvido. (...) As escolhas terão de ser feitas, quer queiramos lidar com o problema, quer não, e é agora. Os chineses dizem: “Que vocês vivam tempos interessantes!”

BV — Como será essa decisão?
Besserman — Nunca fomos poderosos o suficiente para que essa fosse uma pergunta para nós. Cuidávamos do nosso tempo, e, quando chegava a vez do outro, ele cuidava da vez dele. Agora, a pergunta é: “Amamos o próximo?”. O que vai nascer daqui a quarenta anos é meu próximo, ou eu não tenho nada a ver com ele? Os jovens responderão a essa pergunta nas próximas décadas. Eu acredito que o empoderamento das mulheres é parte importante dessa mudança política, porque elas, pela ligação com os filhos, com os netos, muito maior do que os homens (as estatísticas mostram isso), têm essa preocupação com o futuro. Então, quanto mais o sexo feminino tiver liberdade, acesso ao conhecimento, oportunidades, poder, [mais] possivelmente aumentarão as chances da Humanidade. 

BV — Quem sofrerá mais com os impactos do aquecimento global?
Besserman — Principalmente os mais pobres, contados às centenas de milhões. Os [que habitam] os lugares mais vulneráveis à enchente, à seca, além das encostas e [dos locais onde haverá] elevação do nível do mar. (...) Por exemplo, 30% da população de Bangladesh, que é um dos países mais pobres do mundo, terão de se mudar. Por quê? Por conta da elevação do mar. Vamos ter guerras, genocídios, conflitos... Alguns já estão ocorrendo (...), como no Sudão do Sul e no Sudão do Norte. Muitos outros exemplos poderíamos citar. Então, a consequência de não construirmos um movimento sustentável é basicamente sofrimento, principalmente para os mais carentes, e um mundo conturbado, além de uma coisa que me desagrada bastante, que é a ideia de que o meu neto, lá na frente, vai olhar para nós, para mim, para os meus pais, para os pais dos meus pais, e pensar: “Que gente era aquela? Eles já sabiam de tudo isso e não fizeram nada?”.

BV — É necessário existir um contraponto para a Humanidade, como o altruísmo, para essa mudança de rumo?
Besserman — Essa é uma ótima pergunta. A tecnologia, os meios, saber o que tem de ser feito para resolver os problemas, nós já sabemos. Agora, essas ferramentas serão usadas para construirmos um desenvolvimento sustentável, para nos preocuparmos com as gerações futuras? Aí, depende do altruísmo, da compaixão com aquele que ainda vai nascer ou com aquele que nasceu e é muito pequenino. (...) Os líderes mundiais não farão esse papel. Isso virá de um sentimento forte de pressão da sociedade civil, de pressão das pessoas, a partir do altruísmo, da compaixão, da caridade, da preocupação com o outro... O mundo mudou. Hoje, eu posso ajudar crianças na Somália que estão em situação de carência em dois minutos, pelo computador. Descubro qual é a Legião da Boa Vontade de lá ou a Cruz Vermelha, vejo se é séria e faço um donativo para aquelas crianças. Então, elas, que estão na África, [com] quem eu não tinha nada a ver, estarão tão perto de mim quanto as que eu encontrar na esquina da minha rua.

BV — É preciso consumir menos?
Besserman — Para mudar a realidade atual, devemos consumir conscientemente e ter precificação. “Quer ir para o centro da cidade de carro? Vá, mas pague pedágio.” Cobrando preço, funciona; do contrário, não. (...) Isso exige que todos os cidadãos façam política com “P” maiúsculo. [Esta] Não [é] apenas votar em fulano ou beltrano, mas exigir das autoridades econômicas e políticas que incorporem ao preço das coisas esses valores nos quais acreditamos. Temos que impor isso aos chefes de Estado.

BV — Qual o papel do indivíduo no dia a dia?
Besserman — É enorme e decisivo. O exemplo faz diferença. Não é apenas falar, mas realizar. Assim, provoca-se uma transformação muito maior. Quando cada um faz a sua parte, isso gera essa mudança. [Há] A ideia de que é sua obrigação limpar a via pública se o seu cachorro ali faz as necessidades. Ninguém fazia isso.
Hoje, se alguém está passeando com um animal de estimação e não mantém esse zelo, todos observam e cobram. As coisas vão mudando [e começam com] uma transição individual. Eu compartilho da ideia de que o que você faz ao outro volta para si. Se há compaixão, caridade, isso engrandece o seu Espírito, [que se torna]
maior, brilha mais, fica bonito.