Saiba o papel das florestas na regulação do clima

Pesquisador do Inpe, Jean Ometto fala da necessidade de se evitar o colapso da Amazônia

Leila Marco e Alan Lincoln

15/06/2022 às 08h23 - quarta-feira | Atualizado em 15/06/2022 às 09h49

Unsplash/Matthew Smith

Outro estudioso ouvido pela reportagem da revista BOA VONTADE e que faz alertas diretos, envolvendo em seus comentários não apenas aspectos climáticos e econômicos, é o professor Jean Ometto, pesquisador do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), que participa também do grupo de trabalho II para o Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. No bate-papo, ele falou da qualidade do material produzido pelo IPCC, da importância de trazer essas informações ao público em geral e de preservar a rica, extensa e frágil Floresta Amazônica, grande responsável pela regulação do clima no hemisfério sul do planeta.

BV — Por que esses relatórios do IPCC são tão relevantes?

Pprofessor Jean Ometto,

Jean Ometto — Primeiro, agradeço o convite, é muito valioso esse espaço para dialogarmos sobre temáticas tão importantes como essa. O IPCC é um esforço da comunidade científica global, uma instituição que está sob o guarda-chuva Organização das Nações Unidas; então, os países signatários da ONU são apoiadores dessa ação. Para que os tomadores de decisão, em diversos níveis, possam planejar, organizar-se, construir uma governança sobre o uso de recursos naturais e o dia a dia da sociedade, as informações científicas são absolutamente relevantes, de maneira que essas decisões sejam tomadas em bases muito sólidas. No contexto das Nações Unidas, propôs-se a Rio-92, a convenção do clima e, dentro da convenção, esse painel científico. São cientistas nomeados pelos países do mundo todo, como no meu caso em particular e de outros colegas que trabalharam no relatório; fomos indicados pelo governo brasileiro e avaliados por uma comissão. As mudanças climáticas já estão comprovadas e vêm acontecendo, e é um processo que já vem ocorrendo nos últimos 100 anos com mais rapidez, pois está relacionado às atividades humanas. A Ciência identificou que uma série de processos, de eventos que são atribuídos às mudanças climáticas, entrou no contexto de emergência, de urgência, e, por isso, essa questão tem sido debatida de forma mais intensa e ampla.

BV — As pessoas têm demonstrado uma consciência, uma interação maior com o meio ambiente, e é fundamental a população fazer parte desse processo de mudança de comportamento.

Jean Ometto — Esse é o ponto central. Precisamos lembrar que, dentro disso, há indivíduos, e são eles que tomam as decisões, que influenciam o que a gente chama de população, seja em um país, uma cidade do globo terrestre. As atitudes individuais são absolutamente centrais. O aumento da percepção é esse resgate da conexão nossa com o planeta, estamos interligados, fazemos parte de um contexto de processos físicos, biológicos. Para nos alimentarmos, é necessária uma produção que depende de chuva, de nutrientes no solo, da abelha para polinizar, de uma microfauna no solo para poder ter nutrientes para a raiz, ou seja, de todo um contexto que está associado à Natureza. E essa mudança de postura vai desde essa relação mais próxima, como citei no exemplo da agricultura, até em relação aos centros urbanos, porque, hoje, 80% da população vive em cidades.

BV — O relatório do IPCC pondera ainda sobre a questão das desigualdades sociais, que os mais vulneráveis sofrerão com maior força os impactos das mudanças climáticas. O que é essencial considerar nesse aspecto?

Jean Ometto — O relatório fez um levantamento e identificou que entre 3,3 e 3,6 bilhões de pessoas, quer dizer, quase a metade da população global é vulnerável às mudanças do clima. Não é só uma situação regional, do nosso país ou de países próximos, mas global. E o que leva a essa maior vulnerabilidade? São as condições de vida, de acesso a recursos, de nutrição, de qualidade de alimento, de habitação. Todo esse contexto caracteriza uma população mais vulnerável. E essa desigualdade acontece em todo lugar do planeta, de uma maneira mais ou menos intensa. (...) Se você tem um evento extremo de deslizamento de encosta, normalmente as pessoas afetadas são as que têm uma condição de habitação menos favorável, porque o planejamento da expansão urbana não foi adequado, a população que ocupou aquele espaço sofre as consequências. E isso em vários aspectos. Ondas de calor, picos de temperatura muito baixa, que também estão associados a essa dinâmica climática, habitações que, às vezes, estão muito próximas ao mar e podem vivenciar o problema de maremoto. Em geral, as comunidades mais vulneráveis são as mais afetadas. Parte da resolução dessa questão vem do planejamento da sociedade, de como a gente a conduz com relação às mudanças climáticas, da redução de desigualdade.

BV — Por que a preservação da Floresta Amazônica é indispensável para o equilíbrio do nosso meio ambiente, da temperatura? O regime de chuvas tem sido alterado, a exemplo das fortes precipitações que temos presenciado desde o fim de 2021 em diversas partes do nosso país?

Jean Ometto — Análises científicas bastante profundas que vêm sendo realizadas há décadas — são mais de 50 anos que se levantam informações sobre a Floresta Amazônica — mostram de que forma ela interfere na alimentação da circulação regional atmosférica, na transferência da água do solo para a atmosfera, de uma maneira supereficiente. E por que a planta faz isso? Parte do alimento que ela produz vem da atmosfera, essencialmente de um processo que lembra a fotossíntese, quando a planta absorve o gás carbônico da atmosfera e libera água. E essa troca gasosa é superimportante para a manutenção do clima local, do clima regional, porque estamos falando de uma larga escala. A Amazônia se estende até os Andes, ela compõe toda a parte norte da América do Sul, incluindo Colômbia, Equador, Peru e Bolívia. E o Brasil tem mais de 60% da Amazônia, uma parte importante do território nacional. Então, a gente tem uma cobertura vegetal que tem grande influência no clima pela dimensão continental, pela funcionalidade que a floresta tem de troca de água, de troca de gases, esses elementos todos são absolutamente centrais ao clima regional. Se tirarmos a floresta de lá, teremos impactos no clima seriíssimos por conta das transferências de massa de ar, de água e tudo mais. O valor da floresta como reguladora do clima é uma questão científica. [Vale dizer] que nós incorporamos no relatório informações que vêm de comunidades tradicionais, da gestão daquele ambiente. Existem estudos que mostram a ocupação da Amazônia de mais de 1.500, 2.000, até 5.000 anos, há muito tempo tem gente lá, e a floresta estava preservada. Claro, a quantidade de pessoas é diferente, hoje nós temos mais de 20 milhões de cidadãos na Amazônia, mas, para seguir a vida no dia a dia, é necessário preservar a floresta. Esse é um debate central, que replica para a Mata Atlântica, para o Cerrado, para a Caatinga — o relatório do IPCC também olhou para isso —, para o Pantanal, que são expressões da Natureza, são ecossistemas que fazem parte desses biomas de grande valor para o debate de clima, da sustentabilidade, da produção sustentável de alimento e por aí vai. Agradeço muito a audiência [da Boa Vontade] pelo espaço.