O que esperar de um mundo com “novos normais”

Da redação

12/04/2022 às 10h01 - terça-feira | Atualizado em 12/04/2022 às 11h21

Quais atividades já estão sendo afetadas pelas mudanças climáticas? Como o cidadão comum está lidando com os efeitos dessas transformações? Em busca de respostas, a revista BOA VONTADE conversou com dois especialistas a respeito de alguns “novos normais” que a população já enfrenta e como mitigar suas consequências.

Chester Ho/Unsplash

Escassez de água e falta de alimentos

Daniel Balaban, representante do Programa Mundial de Alimentos (PMA) no Brasil e diretor do Centro de Excelência contra a Fome

O representante do Programa Mundial de Alimentos (PMA) no Brasil e diretor do Centro de Excelência contra a Fome, Daniel Balaban, fala do impacto da atual crise hídrica por que passa o nosso país e de que forma ela se mostra presente na mesa e no bolso dos brasileiros.

Eu moro em Brasília, e este ano, de novo, tivemos o dia mais frio e o dia mais quente desde que começaram a acompanhar a série histórica, e isso está acontecendo em todo o planeta. Logicamente que há um reflexo muito forte na produção dos alimentos em função disso. Se há uma quebra de safra, pagamos mais por determinados gêneros alimentícios, e as pessoas hoje não têm capacidade financeira para arcar com essa despesa. Então, começam a se alimentar mal, a comprar produtos menos nutritivos, que são mais baratos, e passam a ter problemas de saúde relacionados com a má alimentação. (...) Hoje, mais de 20 milhões de pessoas no Brasil, ou seja, 10% da população, estão em insegurança alimentar e nutricional grave, não têm dinheiro para comprar comida, e quase metade da população brasileira tem algum tipo de insegurança alimentar e nutricional. Esse é um dos maiores problemas que o país precisa enfrentar, deve debater e achar uma solução. 

“Eu trabalho nas Nações Unidas, e lá se discute o tempo inteiro medidas emergenciais que devem ser tomadas, porque nós já atingimos o limite ambiental do planeta. As pessoas terão muito mais problemas se não fizermos nada. Já estamos tendo que pagar mais caro pela conta de luz, pelos alimentos... Tudo isso é uma bola de neve, e, por isso, devemos debater esses assuntos e fazer com que aqueles que detenham o poder de decisão também comecem a discutir o que fazer para resolver a questão climática mundial.

 “As pessoas têm uma mania de achar que as soluções devem vir de cima para baixo, mas, na verdade, elas são criadas por nós mesmos. O mundo desperdiça mais de um bilhão de toneladas de alimentos por ano. Só no Brasil são mais de 20 milhões. Essa quantidade de comida que jogamos no lixo consome água para ser produzida, energia, trabalho... Então, temos de mudar os nossos hábitos, não somente exigir dos outros essa mudança. No dia em que todo mundo se sentir responsável, isso muda. Enquanto alguns acharem que não são responsáveis por nada, que não é com eles, vamos continuar nessa situação”, concluiu.

Elevação dos oceanos e planejamento urbano

O professor Paulo Rosman, especialista em Engenharia Costeira da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), trouxe considerações relevantes sobre a elevação do nível dos oceanos e a questão do planejamento urbano nas regiões costeiras do país.

Paulo Rosman

Paulo Rosman, professor especialista em Engenharia Costeira da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

As vulnerabilidades nas zonas costeiras ocorrem, principalmente, por três causas. Primeiro, é um motivo lento e gradual: a elevação do nível do mar é da ordem de 1,5 a 2 milímetros por ano, em média. O que preocupa especialmente em cidades costeiras, que ocupam áreas de baixada, é que esses solos, que são geologicamente jovens, com o passar do tempo vão se compactando e descendo. Então, é pior ainda com essa variação média do mar, e será, cada vez mais, um desafio grande para essas cidades, porque aumenta o risco de inundação nas regiões de baixada e dificulta o processo de drenagem das chuvas. Porque, quando se diminui a declividade, a água escoa mais devagar e as inundações persistem por um período maior. Outra condição na zona costeira que afeta de maneira mais súbita é o aumento dos extremos climáticos, da frequência de tempestades intensas, da ocorrência de secas prolongadas. Nas épocas de secas, os rios diminuem a sua vazão, e os trechos costeiros são os estuários dos rios, onde a água doce do continente se encontra com a água salgada do mar. À medida que o rio se enfraquece por conta da longa estiagem, a água do mar entra mais fácil e aumenta-se a intrusão salina em estuários, o que fará com que as pessoas tenham captação de água salobra, prejudicando plantações etc. Além da questão de marés meteorológicas e ressacas mais intensas associadas a tempestades no mar.

“As mudanças climáticas geram alterações no padrão dos ventos, e são eles que, soprando na água do mar, produzem as ondas. Dependendo da direção em que ele sopra, haverá ondulações chegando ao litoral com certa direção. Se não há nenhum impedimento estrutural feito pela urbanização que dificulte a adaptação da praia, ela se adapta, e isso é normal. Mas, à medida que se constrói cidades, avenidas, restringindo o arco praial, sem respeitar a faixa dinâmica do litoral, como é feito de maneira imprudente em várias cidades do Brasil, a dinâmica da praia é bloqueada, impedindo-a de se adequar a uma modificação na direção das ondas. Então, essa praia vai rodar, e, se houver uma cidade atrás, isso será uma situação realmente preocupante”,  finalizou.