Tempo é saúde

O renomado doutor Cláudio Domênico lança best-seller com abordagem ampla para qualidade de vida no pós-pandemia

Rodrigo de Oliveira

06/07/2021 às 17h00 - terça-feira | Atualizado em 12/07/2021 às 08h43

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O conteúdo a seguir foi originalmente publicado na edição n° 261 da revista BOA VONTADE. Recomendamos a leitura da publicação, disponível gratuitamente em www.revistaboavontade.com.br.

Em 11 de junho, a equipe de redação da revista BOA VONTADE teve o prazer de conversar, por videochamada, com o professor Cláudio Domênico, doutor e mestre em Cardiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e chefe da unidade de cardio-oncologia do Hospital Pró-Cardíaco, na capital fluminense. O assunto do relevante bate-papo: a importância de se priorizar um estilo de vida saudável para manter a saúde do corpo e do Espírito.

Divulgação/Leo Aversa

O professor Cláudio Domênico é doutor e mestre em Cardiologia pela UFRJ e chefe da unidade de cardio-oncologia do Hospital Pró- -Cardíaco, na capital fluminense.

Depois do sucesso do livro Te cuida: guia prático para uma vida saudável (Editora Elevação), o autor apresentou, na ocasião, a obra Em suas mãos: escolhas e renúncias para viver melhor e com mais saúde (Intrínseca), título lançado na semana anterior, 1º do referido mês, e que se tornou, em pouco tempo, best-seller na área, ocupando as prateleiras de destaque nas principais livrarias do Brasil.

De acordo com o especialista, precisamos ter uma visão mais abrangente quanto ao autocuidado, de modo que consigamos, pelo próprio comportamento, não só prevenir as enfermidades mais comuns, como também nutrir a própria felicidade.

BOA VONTADE — O senhor destaca no livro: “O grande desafio dos médicos é evitar que as pessoas adoeçam, por mais que sejamos preparados para tratar os doentes”. Qual deve ser a nossa parte, dos pacientes, para evitar as enfermidades?
Dr. Domênico
— O maior desafio que vejo quando falo nos vilões [da saúde], como pressão alta e diabetes, doenças que não dão indícios muitas vezes, (...) é motivar as pessoas, apesar de não sentirem sintomas, a ter o autocuidado. (...) Sempre gosto de deixar para os meus pacientes [a seguinte orientação]: no mês do seu aniversário, lembre-se de ir ao dentista; se for mulher, vá ao ginecologista; se for homem, vá ao urologista; vá se consultar com o seu clínico e fazer a revisão geral [do seu organismo]. (...) O grande desafio para nós, da área da saúde, ao praticar uma medicina de estilo de vida saudável e focada na prevenção [de doenças], é não fazer com que ela seja cara, elitista, contemplando somente as classes mais favorecidas. Uma caminhada só demanda um sapato confortável, não é? Então, a medicina do estilo de vida não deve ser elitista. Se conseguir caminhar, fazer uma atividade física prazerosa, controlar o seu peso, não fumar, controlar as taxas de pressão arterial, a chance de você ter uma vida saudável é grande, e não estamos fazendo nada de mais. Cheque sua pressão uma vez por ano. Verifique sua taxa de glicose anualmente. Seja no transporte de metrô ou de ônibus, desça um ponto antes daquele que é mais próximo do trabalho.

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BV — No consultório, muitos pacientes dão a justificativa de não terem tempo para praticar hábitos saudáveis. Como lidar com essa questão?
Dr. Domênico
— A falta de tempo implica, muitas vezes, em renúncia. (...) Em meu novo livro, coloco o tempo em duas categorias: o de prioridade e o de preferência. Quando é prioridade está ligado àquilo que eu tenho [obrigatoriamente] de fazer, como o meu imposto de renda, porque [o prazo] vence. O tempo de preferência mexe com o seu coração, e não com a razão. Costumo dizer que [ele se destina] para fazer o que você quer. (...) É um ativo bastante precioso. Ele e a saúde são dois ativos que não têm volta. Qualquer um de nós tem 24 horas [disponíveis por dia], e temos que tomar muito cuidado para não perder esse tempo. Às vezes, as coisas podem ser delegadas [a outras pessoas].

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BV — No quarto capítulo de seu livro, o senhor destaca o impacto das emoções na saúde. Pode nos falar um pouco sobre esse tema?
Dr. Domênico
— Da mesma forma que as emoções positivas nos protegem, as negativas nos fazem mal. Existe uma doença chamada Síndrome do Coração Partido, cujo nome original é Takotsubo e foi descrita pelos japoneses: a pessoa pode ter infarto, oclusão, obstrução da artéria coronária, e, chegando ao hospital, ao fazer um eletrocardiograma, um ecocardiograma ou um exame de imagem, [constata-se que] a artéria está desobstruída. O que aconteceu com esse paciente? Ele fez um vaso espasmo: um fechamento da artéria por causa de estresse, daquela emoção decorrente de um aborrecimento, geralmente ligado a alguma notícia ruim. (...) Quem tem psoríase, herpes, vitiligo, assim como aqueles que sofrem com queda de cabelo ou com gastrite, sabe que as emoções negativas nos prejudicam. Mas a gente sabe também dos benefícios das emoções positivas, [liberadas] quando se faz um trabalho voluntário, por exemplo, quando se é altruísta. O Bem que eu faço ao outro — e vocês, da LBV, sabem disso melhor do que ninguém, porque fazem o Bem constantemente — faz mais bem para mim do que para o outro que o está recebendo. Eu consigo quantificar o seu colesterol, a pressão, a glicose, saber se você fuma, mas não consigo saber de uma forma tão precisa quanto possa estar estressado, ansioso, deprimido. Tem uma frase do [psiquiatra e psicoterapeuta] Carl Jung [1875-1961] que sempre gosto de citar: “Domine todas as técnicas, todas as teorias, mas, ao tocar uma Alma humana, seja apenas uma outra Alma humana”. E, para tocar essa outra Alma humana, precisamos ganhar a confiança do nosso paciente. Como é que a gente vai ganhá-la? Tendo uma escuta empática, com compaixão, dando tempo para as pessoas contarem seus problemas. E a gente tem que entender o sofrimento [das pessoas] e procurar ajudar. (...) Você não consegue estabelecer uma relação médico-paciente boa se não tiver a calma de escutar. Cada um tem o seu tempo para falar, sua dinâmica. Cada paciente é único.

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BV — Como a Religião pode contribuir com a Medicina? Elas podem se complementar harmoniosamente?
Dr. Domênico —
(...) Às vezes, o paciente professa uma Religião, tem alguma Religiosidade, Espiritualidade, e nós, médicos, não demandamos isso. A saúde é um bem-estar físico, mental, biopsicossocial, espiritual. Eu tenho que saber se esse doente gostaria de ter algum suporte [espiritual]. A palavra Fé, costumo dizer, é a menor do dicionário; são apenas duas letrinhas [que a compõe], talvez, a palavra mais forte do nosso dicionário. (...) Acho que o melhor exemplo que a gente pode dar sobre Espiritualidade, sobre Religiosidade, seja a dos Alcoólicos Anônimos (A.A.), que formam uma comunidade fundada em 1935. Eles têm os doze passos [na luta contra o alcoolismo] e sem uma metodologia científica. Mas os próprios psiquiatras falam que o A.A. funciona bem. Por quê? Porque envolve trabalho voluntário, toque, Amor, carinho, uma pessoa que já passou por aquele problema e está ajudando outra [na mesma situação]. É muito importante que a gente pergunte aos nossos pacientes se eles gostariam de algum suporte que atenda às suas necessidades espirituais e religiosas. (...) Há vários trabalhos mostrando que as pessoas que têm uma Religiosidade — e toda Religião é boa, porque a base de todas elas é o Amor — beneficiam a própria saúde. Até os que não professam uma religião, mas, sendo ecumênicos, têm o lado espiritual muito forte, de autoconhecimento[, sentem esses benefícios].

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BV — Como as doenças do mundo digital podem comprometer a qualidade de vida?
Dr. Domênico
— Essa pandemia acelerou bastante a transição do mundo real para o virtual. (...) O digital tem coisas maravilhosas, mas também um lado ruim, como propiciar algumas doenças [específicas], a exemplo da nomofobia: a fobia de estar sem o telefone. “Ih! São três horas da manhã, e estou sem rede. A minha internet está 3G, ao invés de 4G.” Mas você deveria estar dormindo e não navegando na internet de madrugada, não é? (...) Temos aquela dependência muito grande do celular, que se chama de crackberry, além da FoMO [em inglês, “Fear of Missing Out”]: medo de estar perdendo algo. (...) A solução para isso é realmente o uso equilibrado da internet, das mídias sociais, do mundo digital. (...) Ninguém é contra o mundo digital, mas está ocorrendo o uso exagerado dele, favorecendo uma série de problemas de saúde e até acidentes. São pessoas que estão caminhando na rua e falando ao celular ao mesmo tempo e aí, diante de um buraco, caem e fraturam algum osso.

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BV — Outra dimensão da saúde, trabalhada na obra, são doenças invisíveis, aquelas causadas pela poluição. Qual deve ser nossa atenção quanto a esse tema?
Dr. Domênico
— Em 2019, eu estava em um congresso europeu de Cardiologia, em Paris, na França, assistindo a uma palestra sobre poluição. Fiquei chocado quando a Sociedade Europeia de Cardiologia mostrou que, pela primeira vez [na história], naquele ano, houve mais mortes por poluição do que por tabagismo. As mudanças climáticas, a poluição, junto com a obesidade e o tabagismo, são grandes desafios epidemiológicos que custam muito caro para o mundo. A poluição mata 800 mil pessoas por ano. E a gente não ouve falar disso. (...) O professor Paulo Saldiva, que é um grande pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), um dos maiores estudiosos no Brasil sobre o assunto, publicou um trabalho em 2019 mostrando que, ao se estar dentro de um carro na capital paulista, durante uma hora, com o ar-condicionado ligado e os vidros fechados, o ser humano expõe-se a uma situação que equivale a fumar cinco cigarros. E aí você não entende quando surge um câncer de pulmão, um Acidente Vascular Cerebral (AVC), um infarto. “Como isso? Eu nunca fumei.” Portanto, a poluição é uma questão de ordem mundial para a qual todas as autoridades, todos os cidadãos, devem estar atentos. (...) Sem falar na poluição sonora, na visual, no excesso de informações que recebemos pelo celular — inclusive fake news. A poluição tem vários aspectos, não apenas o ambiental; outras formas dela também devem ser motivo de alerta para a gente.

José Gonçalo

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BV — No seu best-seller, o senhor cita uma pesquisa da professora Sonja Lyubomirsky. De acordo com ela, a estrutura da felicidade consolida-se da seguinte forma: 10% por ações circunstanciais (atitudes que são tomadas); mais 40% por atividades intencionais, como expressar gratidão e perdoar; e mais 50% por fatores genéticos. Pode nos falar mais sobre esse parâmetro?
Dr. Domênico
— Todo mundo quer ser feliz, mas essa felicidade não é comprada; é conquistada, construída. (...) Ela só será alcançada, no meu modo de ver, quando estiver aliada a um sentido de vida. (...) E como não conseguimos estar bem se o nosso entorno também não está, a felicidade só é real quando compartilhada. Uma das coisas que fala a Sonja Lyubomirsky, grande estudiosa do tema, é quanto é importante expressarmos gratidão. (...) Muitas vezes, na hora de criticar, somos bastante extensos; mas, para agradecer, somos muito econômicos, restritos. (...) Evitar comparação também é fundamental para você ser feliz. É importante que a gente se volte para dentro. Daí o valor da meditação mindfulness, das próprias orações, de momentos em que a gente se volte para nós mesmos, buscando a nossa felicidade interior, não a colocando na mão de alguma coisa, de algum objeto ou de alguém. Sucesso é ser uma pessoa que tem essência. (...) Se tiver de escolher entre ter razão e ter paz, eu prefiro a paz. Isso é bem importante hoje em dia, porque a gente queima muita energia em discussões, brigas, querendo [provar estar certo(a)]... Não, não, eu quero é ser feliz.

Arquivo BV

Confira a íntegra da entrevista com o dr. Cláudio Domênico, concedida a Rodrigo de Oliveira, da LBV, no link: https://www.youtube.com/watch?v=CpzWiuXzSKs&t=197s.

BV — Chama atenção essa fala do senhor de que “a felicidade só é real quando compartilhada”. Nós, da Legião da Boa Vontade, cremos muito nisso. Nosso agradecimento pelo bate-papo, doutor.
Dr. Domênico
—  As pessoas que têm mais alto prazer e mais alto propósito são aquelas que fazem trabalho voluntário. (...) A coisa mais importante é ter vida com sentido. (...) O ser humano é gregário, precisa estar junto de outros. Claro que uma boa genética ajuda [a ter saúde de qualidade], assim como bons hábitos ao longo da vida, fazer atividade física, não fumar... Tudo isso é importante. Mas eu diria que ter boas relações sociais, bons amigos, é fator que protege, dá imunidade. (...) Muito obrigado pela oportunidade de dividir esse espaço aqui com vocês. Um grande abraço ao nosso presidente Paiva Netto e a todos da LBV.