Professor Dr. Cláudio Domênico alerta sobre os impactos do isolamento físico na saúde

O profissional alertou para o aumento da incidência na população de doenças crônicas, também conhecidas como “assassinas silenciosas”.

Da redação

28/12/2020 às 12h22 - segunda-feira | Atualizado em 22/04/2021 às 15h22

Desde o início de 2020, a humanidade tem direcionado esforços para a devida proteção contra a Covid-19, que ainda segue um ritmo avançado de contágio. Até o dia 21 de dezembro de 2020, segundo a Universidade Johns Hopkins (Baltimore, EUA), 76.836.147 pessoas foram infectadas, e 1.693.447 morreram em função da doença.

No entanto, o impacto do novo coronavírus pode deixar um rastro ainda maior para as populações. Especialistas alertam para o risco de aumento de doenças crônicas, que possuem longa duração e que, geralmente, são causadas por uma combinação de fatores genéticos, fisiológicos, ambientais e comportamentais, a exemplo da hipertensão e da obesidade. Isso porque o cuidado para com elas deixou de ser prioridade, mesmo sendo comorbidades que agravam os quadros da Covid-19.

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A propósito, a edição 2019 do “Global Burden of Disease Study” (“Estudo de Carga Global de Doen­ças”, em tradução livre), publicada em outubro de 2020 na respeitada revista médica The Lancet, revela que, com maior exposição aos principais fatores de risco tratáveis e evitáveis (incluindo hipertensão, hiperglicemia e colesterol alto) combinado com a elevação das mortes por doenças cardiovasculares em alguns países, como Estados Unidos e a região do Caribe, “o mundo pode estar se aproximando de um ponto crítico no aumento da expectativa de vida”. Esse trabalho científico envolveu especialistas de mais de 1.100 universidades, centros de investigação e agências governamentais de 152 países.

Andreia Fontenele

Professor Cláudio Domênico, doutor e mestre em Cardiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e chefe da unidade de cardio-oncologia do Hospital Pró-Cardíaco, da capital fluminense. 
 

Para falar sobre o assunto, a equipe da revista BOA VONTADE conversou com o renomado professor Cláudio Domênico, doutor e mestre em Cardiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e chefe da unidade de cardio-oncologia do Hospital Pró-Cardíaco, da capital fluminense. No bate-papo, o especialista ressaltou a importância de se priorizar um estilo de vida saudável em vez de combater doenças com métodos imediatistas.

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De acordo com ele, precisamos ter uma visão mais abrangente quanto ao autocuidado, de modo que consigamos, pelo próprio comportamento, prevenir as enfermidades mais comuns, a exemplo do Acidente Vascular Cerebral (AVC). Para o médico, o sedentarismo, mesmo durante a atual crise sanitária, é algo que não devemos adotar.

BV — Como a pandemia do novo coronavírus tem colaborado na incidência e no agravo de doenças crônicas?

Dr. Cláudio Domênico — Em relação, por exemplo, à obesidade, a população está aumentando de peso. Quase todo mundo engordou três, quatro quilos. As pessoas ficaram mais restritas em casa, não podiam ir para a academia, circular. Os hábitos foram mudando. Muitos estão em trabalho home office. Se eu pego Covid-19 estando acima do peso, com diabetes e pressão [arterial] mal controlados, corro mais riscos [de ter um diagnóstico grave]. Para uma enfermidade que ainda não tem tratamento específico, a melhor coisa é não adoecer. O grande desafio nessas doenças crônicas, como hipertensão, diabetes, colesterol e gordura no fígado (esteatose hepática), é que, muitas vezes, elas não apresentam sintomas, por isso são chamadas de “assassinas silenciosas”. Posso estar com alguma delas e não sentir nada. E a gente tende a se consultar somente quando está com algum incômodo. Além disso, a pandemia trouxe incertezas. Conhecemos pouco sobre o vírus e temos uma série de dúvidas: “Será que a cloroquina é boa? Vou pegar o vírus? Se eu pegar, será grave? Quando vem a vacina? Qual a melhor?” Há quase um ano estamos vivendo a era da incerteza, que gera muito medo e insegurança. Houve aumento nos casos de ansiedade e de depressão. Os diagnósticos de várias doenças ficaram prejudicados também, como o de câncer de mama. De janeiro a julho de 2019, foram realizadas cerca de um milhão e cem mil mamografias no Brasil. De janeiro a julho de 2020, houve uma queda de quase 50% desses exames. Muitos diagnósticos de câncer ficaram atrasados. Estão chegando casos mais avançados da doença.

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BV — Quais lições podemos tirar nesse cenário?

Dr. Cláudio Domênico A pandemia está nos levando a uma ressignificação de valores. Veja o problema da desigualdade, presente na busca por diagnóstico e tratamento das pessoas menos favorecidas. Elas levam horas em filas para serem atendidas, não conseguem internação adequada. A pandemia evidenciou esse problema, que nos incomoda e aflige. Nosso sistema de saúde não estava preparado [para enfrentar a atual crise sanitária], que já levou praticamente 200 mil vidas no Brasil. Nos Estados Unidos, estão morrendo três mil pessoas por dia. Isso é praticamente a queda de 10 aviões. A gente ainda não está tão “assustado” como deveria. Há liberação de festas, aglomerações, sendo que a pandemia vai demorar para acabar.

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BV — Qual principal recomendação o senhor dá neste momento?

Dr. Cláudio Domênico O autocuidado é fundamental. Se você não estiver bem, não poderá se dedicar à família, ao trabalho, aos amigos, a nada. E, às vezes, nos esquecemos de nós mesmos. (...) Existem aplicativos gratuitos que colaboram na prática da meditação, de exercícios físicos... Se não dá para ir à academia, você pode pular corda, andar dentro de casa, pegar dois, três quilos de peso e desenvolver um pouquinho de fortalecimento muscular. Dá para fazer alguma coisa. A gente pode se alimentar melhor, preparar algo mais saudável — a comida boa é aquela que estraga [frutas, verduras, legumes etc.]. Podemos ler mais, que é um hábito bom, praticar hobbies, como cozinhar com a família, e, assim, até melhorar o convívio.

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BV — É muito comum a gente ouvir pessoas dizendo que não possuem tempo para esse cuidado. O que diz a elas?

Dr. Cláudio Domênico — Todos nós temos 24 horas [disponíveis diariamente]. O tempo é igual para mim e para o outro. É fundamental que se estabeleça prioridades. Alguns falam: “Não me peça para fazer ginástica nem aprender inglês. Não consigo, não tenho tempo”. A gente tem que tirar o “não” das nossas vidas e parar de se autossabotar. Não podemos delegar aos outros aquilo que nós mesmos temos de fazer. Mas, quando for estabelecer metas, defina as que seja capaz de realizar. Não ponha muitos objetivos audaciosos, porque você pode ficar frustrado [se não os cumprir], e sua autoestima diminuirá. Em vez de falar que fará uma maratona, repense: “Quatro, cinco vezes por semana vou caminhar por 30 minutos. Uma vez por semana farei trabalho voluntário. Lerei um livro por mês. Aprenderei uma nova língua”.

BV — Essas dicas que o senhor apontou revelam uma visão mais abrangente sobre saúde.

Dr. Cláudio Domênico — Sim. A pandemia mostrou que somos muito frágeis como seres humanos. Um vírus minúsculo acaba com a gente, mas não só ele; amanhã pode ser o aquecimento global, a poluição... Então, devemos olhar mais para o planeta, para a nossa saúde, lembrando tanto do aspecto físico quanto do mental, espiritual e psíquico. A saúde é uma condição global. Devemos buscar esse equilíbrio, que é a palavra mais adequada para a nossa felicidade, longevidade e bem-estar. Alguns hábitos estão relacionados ao nosso bem-estar, como fazer refeições saudáveis com moderação, movimentar-se, tentar dormir bem, relaxar e ter uma vida com sentido. Esteja com seus amigos [respeitando as recomendações contra o novo coronavírus], cultive boas relações interpessoais, pois o afeto é muito importante também. É o cuidado global que a gente precisa ter.

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BV — Existe algum caminho mais fácil para alcançar qualidade de vida com disciplina no dia a dia?

Dr. Cláudio Domênico — O ser humano, muitas vezes, é imediatista. (...) As pessoas querem resultados imediatos. Querem se empanturrar de vitaminas, de fórmulas milagrosas, mas o binômio nutrição saudável e atividade física regular é imbatível. Se você engordou 10 quilos em um mês, não tente perder isso muito rápido, porque não vai dar certo. É a regularidade [que dá resultado]. Perder um quilo por mês parece pouco, mas, em 12 meses, serão 12 quilos. É importante mudar a forma como se vive. A medicina do estilo de vida é exatamente isto: prevenir doenças crônicas, atenuar os seus efeitos. E a boa notícia nisso tudo é que nunca é tarde para começar; tenha você 60, 70, 80 anos, sempre haverá algum benefício. (...) “Ah, eu fumo, bebo, estou gordo, sou sedentário. Não ligo em ter um infarto e morrer”. Mas somente 10% dos óbitos ocorrem de maneira abrupta. A maioria, tendo câncer, Acidente Vascular Cerebral (AVC), Alzheimer, morre lentamente. E aí se perde a qualidade de vida, a autonomia. É triste ver uma pessoa totalmente dependente em idade avançada.

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BV — Como a medicina preventiva pode ser aliada nesse caminho?

Dr. Cláudio Domênico — A obesidade está relacionada a mais de 10 tipos de câncer. O sedentarismo responde por cerca de 1/3 dos casos de AVC. Então, eu posso evitá-lo ao combater o sedentarismo. Mas isso depende de toda a sociedade. (...) Precisamos estimular as pessoas. Ao preparar o prato de uma criança, por exemplo, você pode arrumar a salada mais à frente dela. Isso começa na escola, na família. Temos que pensar cada vez mais na medicina preventiva, na medicina do estilo de vida saudável, para combatermos as doenças crônicas, de preferência estabilizando-as ou até mesmo revertendo-as, já que são, em maior parte, preveníveis. Cuidem-se, por favor. Bom 2021 para todos!