Por que devemos confiar nas vacinas

Em entrevista exclusiva, especialista esclarece as principais dúvidas sobre a imunização contra a Covid-19

Da redação

02/03/2021 às 15h27 - terça-feira | Atualizado em 22/04/2021 às 14h56

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A pandemia do novo coronavírus ainda está longe de acabar. Infelizmente, o Brasil permanece no ranking mundial como a 3ª nação com mais casos de Covid-19, atrás apenas da Índia e dos Estados Unidos. Em nosso país, até o momento, mais de 250 mil mortes já ocorreram em decorrência do contágio, conforme atestam os dados da Universidade Johns Hopkins. Por aqui, a vacinação começou no dia 17 de janeiro, quando a enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos, profissional da linha de frente contra a doença em São Paulo/SP, foi a primeira a receber a aplicação da CoronaVac. A partir daí, a imunização tem se apresentado para muitos como uma luz no fim do túnel. Mas ainda há quem não se sinta seguro em meio a tantas especulações sobre as vacinas disponíveis.

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Para tirar as principais dúvidas quanto ao assunto, a revista BOA VONTADE conversou com o bioquímico Luiz Fernando Lima Reis, diretor de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, localizado na capital paulista, médico que ficou ainda mais conhecido após publicar vídeo nas redes sociais com explicações didáticas sobre o tema, com desenhos alusivos à disseminação do novo coronavírus. Em seus esclarecimentos, o especialista considerou cinco imunizantes: CoronaVac, Oxford-AstraZeneca, Janssen, Moderna e Pfizer. De acordo com ele, não há razão para preferir algumas em detrimento de outras e a imunização de todos deve ocorrer o quanto antes, mantendo o distanciamento social até que isso aconteça. No bate-papo a seguir, o(a) prezado(a) leitor(a) poderá entender por que o entrevistado enfatiza tanto o senso de coletividade para os dias que estamos vivendo.

Divulgação

Bioquímico formado pela Universidade Federal de Juiz de Fora/MG, Luiz Fernando Lima Reis é doutor em Microbiologia e Imunologia pela New York University School of Medicine. Atua como diretor de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês.

BOA VONTADE — O tempo recorde de produção das vacinas contra a Covid-19 é motivo para nos preocuparmos com a qualidade delas?
Dr. Luiz Reis — As vacinas, de um modo geral, são responsáveis por salvar cerca de dois milhões e meio de vidas por ano. (...) É muito importante entender que os imunizantes que estão chegando não foram desenvolvidos em um ano. São fruto de décadas de conhecimento, de pesquisa. (...) O que teve de extraordinário em 2020 foi o fato — provavelmente nunca visto antes na história da Ciência e do desenvolvimento tecnológico — de que o mundo inteiro se dedicou ao estudo da Covid-19. (...) Felizmente, temos pelo menos cinco vacinas aprovadas pelas agências regulatórias e há outras que estão em processo de desenvolvimento. (...) Elas percorreram todos os passos necessários para a validação de uma vacina.

 

BV — Quais são esses processos para serem aprovadas?
Dr. Luiz Reis — As vacinas passaram por testes pré-clínicos em animais para a prova do conceito, depois pelos estudos da fase 1, na qual poucas dezenas de pacientes, ou até uma centena, são vacinados, e a única coisa que se quer entender é se elas são seguras. Na fase 2, alguns milhares de pacientes são vacinados, e o que se quer descobrir é se as vacinas fazem o que esperamos: que o organismo responda produzindo anticorpos e células capazes de ajudá-los na resposta imune. Por fim, entraram na fase 3, em que se verifica se os imunizantes fazem o que, de fato, precisam: evitar a doença.

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BV — Qual o exato objetivo dessas vacinas?
Dr. Luiz Reis — O papel das vacinas é [fazer com que], se for infectado, você tenha um mecanismo de defesa prévio que evite a doença grave. Se não a desenvolver, melhor ainda. (...) Em nenhuma delas os pacientes tiveram quadros graves ou foram a óbito. O principal papel das vacinas na pandemia é diminuir o número de mortes, é reduzir esse sofrimento, a pressão nos sistemas de saúde e os casos graves. E nisso todas elas atingiram 100% [de eficácia].

Diego Ciusz

 

BV — Por que, mesmo vacinados, precisaremos usar máscara e álcool 70% e manter o distanciamento social?
Dr. Luiz Reis — Nenhuma vacina é esterilizante. Ela não elimina a doença pelo simples fato de o indivíduo estar vacinado. Ele desenvolve uma resposta imune contra o agente infeccioso; no caso, o novo coronavírus. O sistema de defesa do vacinado, quando entrar em contato com o vírus que está circulando, atuará de forma que não se desenvolva uma enfermidade grave. Esse vírus vai infectar o indivíduo, se multiplicar nele, mas a resposta [decorrente da vacina] fará com que a infecção seja resolvida antes do estabelecimento de uma doença. (...) Ser vacinado não significa que não seremos infectados. E é por isso que toda vez que a gente fala na importância da campanha de vacinação, junto com ela, precisamos manter as regras do distanciamento social e o uso de máscara, para que consigamos diminuir a curva de disseminação do vírus.

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BV — Alguma vacina é melhor do que as demais?
Dr. Luiz Reis — Não existe [uma] vacina melhor que a outra. Todas elas cumprem o principal desafio da vacinação, que é evitar doença grave, internação e óbito. Todas elas conseguiram fazer com que essa doença deixe de ser muito grave e letal. O que é bastante importante entender é que a vacinação não é um ato individual. (...) Ela só faz sentido em um contexto coletivo no controle da pandemia. Não adianta EU procurar uma vacina para resolver o MEU problema. Não adianta apenas EU me vacinar. O que muda [a situação] é NÓS nos vacinarmos, e para isso vamos precisar de todas as vacinas. Todas as que passaram pelo crivo regulatório, como o da Anvisa, e que foram validadas cientificamente por métodos robustos possuem o mesmo efeito coletivo de reduzir o sofrimento e de permitir que a gente volte a ter uma vida próxima do que chamávamos de normal.

BV — Por que algumas pessoas mesmo curadas da Covid-19 estão se infectando com o vírus novamente?
Dr. Luiz Reis
— Ainda não sabemos como que o organismo responde a esse vírus e qual a robustez da resposta produzida pelo sistema imune contra ele. É possível que, ao terem uma forma de doença mais branda na primeira infecção, o estímulo do sistema imune de alguns indivíduos tenha sido tal que não consegue impedir uma segunda ocorrência. Existe outro problema que surgiu mais recentemente: as variantes, que se tratam de replicações do vírus com falha no seu material genético, o RNA (ácido ribonucleico). (...) Esse erro pode levar a uma vantagem seletiva para o vírus, de modo que seja mais hábil na infecção. E, aparentemente, as cepas que foram isoladas na Inglaterra, na África do Sul e em Manaus/AM têm essa capacidade de infectar numa velocidade maior. (...) Não existe, até hoje, nenhuma evidência de que alguma dessas três variantes cause doença mais grave dos que as cepas anteriores. Entretanto, essa maior capacidade de infecção reforça a necessidade de nos vacinarmos mais rapidamente e mantermos o distanciamento social.

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BV — As vacinas que temos hoje garantem o cuidado contra as novas variantes?
Dr. Luiz Reis — A eficácia dessas vacinas caiu um pouco em relação às variantes. Então, duas coisas precisam ocorrer: vacinarmos mais gente e continuarmos com o distanciamento social, porque a única arma para evitar novas variantes é diminuir a curva de disseminação do vírus. A propósito, teremos algumas adaptações dessas vacinas, o que não é uma novidade. (...) Todo ano, a gente se protege contra a gripe com um novo imunizante. E essa nova vacina adaptada anualmente é necessária, porque o vírus da gripe (influenza) tem uma capacidade de mutação maior que a do coronavírus. É possível, no caso do Sars-Cov-2, que tenhamos que nos vacinar todo ano contra uma nova versão de outra variante. As variantes estão aí, elas eram esperadas, e a gente sabe o que fazer. As vacinas continuam tendo eficácia contra elas. Só precisamos ajudar com o distanciamento, com o uso de máscara, para essa curva cair. Os imunizantes serão adaptados, e, eventualmente, vamos controlar o contágio dessa maneira.

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BV — Quanto tempo depois da inocula­ção a pessoa vacinada realmente estará imune?
Dr. Luiz Reis — O que estamos aprendendo é que isso varia de vacina para vacina. Aparentemente, elas têm um tipo de resposta ótima diferente. A regra é que, em média, 15 dias depois de receber o estímulo, o sistema imune produza anticorpos e células efetoras*.

 

BV — As vacinas podem causar reações alérgicas?
Dr. Luiz Reis
— Em todas elas, em maior ou menor grau, o que se observou de evento adverso ou efeito colateral é alguma dor no local da inoculação, no braço, às vezes um pouco de vermelhidão e, em alguns pacientes, febre. Esses são os efeitos mais esperados. Houve casos de sintomas mais graves, como náuseas e dor de cabeça, mas isso, aparentemente, é bem raro de ocorrer.

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BV — As gestantes devem se vacinar?
Dr. Luiz Reis
— A população de gestantes requer uma observação mais cuidadosa. (...) Não existem evidências de que as atuais vacinas tenham alguma contraindicação generalizada a grávidas. Alguns testes estão sendo feitos agora especificamente para essa população, assim como em crianças. As gestantes devem procurar o seu médico, discutir com ele os riscos e os benefícios da vacina, e, de repente, se ela está exposta a um grupo de risco, talvez o clínico dela diga que é melhor se vacinar. Agora, se ela é uma pessoa que está mantendo algum grau de isolamento no final da gravidez, talvez ele diga que não deve se vacinar. Cada caso é um caso. Mas não existe nenhuma razão para acreditarmos, a priori, que alguma dessas vacinas represente riscos, nem para a população de grávidas nem para crianças.

 

BV — Qual mensagem gostaria de deixar para os nossos leitores?
Dr. Luiz Reis
— É sempre importante olharmos para a frente aprendendo com o que vivemos no passado. Em fevereiro de 2020, entrávamos numa pandemia não conhecendo nada sobre o vírus. Seguramente, já passamos pelo mais difícil, que era a falta de conhecimento. O único jeito de sairmos dela é pelo conhecimento desses últimos 12, 14 meses. E a saída dessa pandemia passa necessariamente por duas ações: vacinação e distanciamento social com o uso de máscara. (...) Ainda temos um período desafiador pela frente. Mas já sabemos o caminho que devemos trilhar. (...) Vem crescendo o número de pessoas vacinadas, e vemos o efeito nos locais onde a vacinação já ocorre. Os imunizantes vão chegar a todo o Brasil, e temos que praticar o distanciamento, porque essas duas ações coletivas são atos de cidadania. Não é ME proteger, não é ME vacinar. É NOS protegermos ao NOS vacinarmos.        


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* Uma célula efetora é qualquer um dos vários tipos de células que respondem ativamente a um estímulo e afetam algumas mudanças. As células efetoras existem em alta frequência apenas transitoriamente durante uma resposta imunológica.