O que sabemos sobre as variantes da Covid-19?

Com pós-doutorado em Bioquímica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a dra. Mellanie Fontes-Dutra explica o impacto da mutação do vírus e o que precisamos fazer para evitar a piora da pandemia

Da redação

07/06/2021 às 12h35 - segunda-feira | Atualizado em 08/06/2021 às 09h39

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Este conteúdo foi originalmente publicado na edição nº 260 da revista BOA VONTADE. Para conhecer a publicação, acesse: www.revistaboavontade.com.br

O novo coronavírus já circula pelo mundo há mais de um ano. Ao longo desse tempo, outras cepas têm sido identificadas em diferentes países, a exemplo da África do Sul, do Reino Unido, dos Estados Unidos e do Brasil. Nas últimas semanas, a da Índia (chamada Kappa) ganhou destaque por causa da explosão dos casos no país asiático, o que acendeu o sinal de alerta mundial pela alta transmissão. Em nosso território também há a preocupação, visto que oito casos foram confirmados em três Estados brasileiros: Maranhão, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Tal realidade deixa todos atentos, principalmente a comunidade científica engajada em descobrir os potenciais malefícios desses agentes infecciosos e as possíveis brechas que permitam um tratamento mais eficaz.

Arquivo pessoal

A biomédica e neurocientista Mellanie Fontes-Dutra é mestre e doutora em Ciências Biológicas. Possui pós-doutorado em Bioquímica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Para esclarecer algumas dúvidas acerca da prevenção às mutações dos genes que provocam a Covid-19, a equipe da BOA VONTADE conversou com a biomédica e neurocientista Mellanie Fontes-Dutra, mestre e doutora em Ciências Biológicas, com pós-doutorado em Bioquímica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

A especialista integra grupos nacionais de pesquisadores voluntários no enfrentamento da doença e compõe a lista brasileira dos dez cientistas mais influentes nas redes sociais no combate à desinformação sobre a enfermidade — ranking da organização SciencePulse em parceria com o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD). De acordo com ela, os recursos de que dispomos contra o Sars-Cov-2 ainda são suficientes perante suas modificações.

BOA VONTADE — Como surgem as variantes do novo coronavírus? Elas estão aparecendo mais rápido do que o esperado?
Dra. Mellanie Fontes-Dutra
— Faz parte da evolução natural de um vírus o surgimento de novas variantes dele. O que nos surpreende é isso estar acontecendo numa velocidade muito alta, em virtude da transmissão. Toda vez que o vírus infecta um hospedeiro, a partir dessa nova infecção, dentro da célula, ocorre o processo de replicação, que é quando o vírus faz cópias dele mesmo. E nesse processo de replicação, copia o próprio material genético. Alguns erros nessa cópia podem acontecer, o que chamamos de mutações, as quais podem gerar novas variantes. Essas alterações são aleatórias. (...) Dentro do contexto em que mais variantes estão surgindo, aumenta-se também o risco de serem preocupantes. [As que nos deixam em alerta] são aquelas em que o vírus reúne algumas mutações que podem gerar adaptações importantes, como o aumento da transmissão e do escape da resposta imunológica, por exemplo.

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BV — E essas variantes são mais perigosas?
Dra. Mellanie Fontes-Dutra
— Quando há aumento da transmissão, há o risco de variantes assim acontecerem. Identificamos recentemente a que muitos se referem como “variante sueca”. Essa, até o momento, não tem mutações que nos preocupem. Existem outras surgindo por aí que talvez a gente nem rastreie, porque realmente não carregam mutações que, de fato, vão conferir alguma adaptação ao vírus. Estamos interessados, dentro da vigilância genômica, em rastrear as que têm mutações de interesse científico e epidemiológico ou que causam alerta. Temos a Gama aqui no Brasil, que gera bastante preocupação; a Beta, emergente da África do Sul, que até o momento é a que parece impactar mais no escape da resposta imunológica; e a Alfa, emergente do Reino Unido, que apresenta aumento importante na transmissibilidade. A gente tem variantes nos Estados Unidos, como a CAL.20C, que são conjuntos de variantes (dos tipos Epsilon) que emergiram na Califórnia, bem como a Iota, emergente em Nova York, as quais podem propiciar um aumento da transmissão, assim como um escape imunológico maior também. Então, temos algumas variantes preocupantes que estamos rastreando e observando a prevalência delas na população.

Diego Ciusz

BV — Como é identificada uma nova cepa do vírus?
Dra. Mellanie Fontes-Dutra — A partir da testagem com amostra de uma pessoa que está positiva para a Covid-19, fazemos um sequenciamento [genético]. Assim, vemos o que constitui o genoma do vírus que está infectando aquela pessoa. E, a partir disso, comparamos a sequência genética dele com bancos de dados já disponíveis para ver com qual outra ele se parece mais. Se ele se parece mais com a Alfa, com a Gama, com a Beta... Assim, vamos começando a caracterizar qual variante está infectando aquela pessoa e, no processo, podemos identificar novas variantes ainda não descritas.

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Diego Ciusz

BV — As máscaras que usamos são eficazes contra as novas variantes?
Dra. Mellanie Fontes-Dutra
— Como algumas variantes aumentam a infecção, é importante usar máscaras muito bem ajustadas no rosto e, de preferência, do modelo PFF2/N95, que têm camadas de filtro importantes. Às vezes, a que é feita em casa, com tecido [comum], não tem essas camadas de filtro. O que a pessoa pode fazer nesse caso é colocar uma máscara cirúrgica por baixo e a máscara caseira por cima. Mas é importante ela estar bem selada no rosto.

BV — As atuais vacinas protegem a população dessas novas cepas?
Dra. Mellanie Fontes-Dutra
— Não temos nenhum indicativo, até o momento, de que essas variantes escapam totalmente da resposta imunológica. É possível que algumas impactem mais, como é o caso da Gama e da Beta, mas os parâmetros que vimos foi só uma faceta da resposta imunológica, que é a ação dos anticorpos neutralizantes e suas quantidades. A resposta imunológica é muito diversa. Temos, por exemplo, as respostas das células junto a outras moléculas. Então, mesmo havendo impacto expressivo [em determinada] faceta, isso não significa que a pessoa não tem nenhuma proteção. Essa resposta celular é menos driblável às variantes, e ela contribui muito em evitar agravamentos. Mesmo que a pessoa se infecte, por ela ter essa resposta celular ainda reconhecendo bem células infectadas pelo vírus, conseguirá evitar o agravamento [dos sintomas da Covid-19].

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Ainda estamos estudando qual é esse impacto [das novas variantes sobre a eficácia dos imunizantes]. Estudos de efetividade vêm bem nessa hora e são relevantes para observar a performance dessas vacinas num contexto não controlado, de "vida real". (...) Esses estudos estão acontecendo, e tudo indica que existe uma proteção [para quem está se vacinando]. Nós precisamos caracterizar melhor [essa imunidade], mas existem farmacêuticas já elaborando vacinas atualizadas, principalmente para as variantes de maior escape, como a Beta. Repito: até o momento não temos indicativo de que as vacinas disponíveis não protegem. Então, mais do que nunca, precisamos nos vacinar e seguir com todas as medidas de enfrentamento enquanto imunizamos toda a população indicada.

BV — Sobre o intervalo estabelecido entre a primeira e a segunda dose da vacinação, o atraso pode comprometer a proteção completa?
Dra. Mellanie Fontes-Dutra
— Não temos estudos acima do intervalo para algumas vacinas, como a CoronaVac, que tem intervalo de 14 a 28 dias, sendo o de 21 a 28 o mais recomendado, e as da AstraZeneca, de até três meses, por exemplo. O que indicamos é: se passou do intervalo entre as doses, vacine-se tão logo seja possível para ter a proteção completa. Essa é a principal mensagem: vacinar-se tão logo seja possível, e vacinar-se com a mesma vacina da primeira dose, porque também não temos muitos dados ou uma recomendação por parte da agência reguladora quanto à combinação de diferentes imunizantes e que tipo de resposta ou segurança isso teria. Vacine-se com [o imunizante da] mesma fabricante, respeitando ao máximo o intervalo estabelecido.

BV — Diante de tudo o que expôs, o que podemos recomendar à população?
Dra. Mellanie Fontes-Dutra
— É muito importante que todos se vacinem, pois o efeito protetor da vacina é potencializado quando uma população inteira está imunizada. A vacinação [em massa] é uma chave relevante para a solução dessa situação. Mas, até que muita gente esteja imunizada, a ponto de impactar significativamente na transmissão — que é o que chamamos de cobertura vacinal —, precisamos ir adotando medidas de enfrentamento para controlar a transmissão nesse percurso, até para evitar o surgimento de uma variante ainda mais resistente aos anticorpos ou que escape mais à resposta imune nesse processo. E, assim, não corrermos o risco de as atuais vacinas ficarem desatualizadas, por exemplo.

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Precisamos fazer o uso adequado de máscaras sempre que formos sair a locais públicos. Sempre que estiver com pessoas que não sejam do seu convívio diário, use máscaras boas e bem ajustadas ao rosto. Existem sites, como www.pffparatodos.com, que trazem opções de máscara PFF2/N95 mais baratas para as pessoas poderem se proteger. Busquem informações para se protegerem mais.

O distanciamento físico também é muito importante, especialmente combinado com o uso de máscara. Evitar aglomerações nem se fala! Onde tem aglomera­ção tem vírus; e onde tem vírus tem variante. Estamos em uma situação muito crítica. Muitos Estados estão enfrentando uma estabilidade alta [dos casos de contágio]. Então, se tivermos o aumento significativo de novos casos, lembrem-se de que ele vai partir desse ponto muito alto, e o cenário pode ser pior do que vimos há um tempo. Cuidem-se. Tomem a vacina tão logo seja possível, com retorno para a segunda dose para garantir a proteção completa.

Capa da edição nº 260 da revista BOA VONTADE.