No front contra a Covid-19

O renomado doutor Cláudio Domênico fala dos cuidados para evitar o contágio e dos avanços no enfrentamento da doença

Leila Marco

02/06/2020 às 09h18 - terça-feira | Atualizado em 02/06/2020 às 11h03

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Na linha de frente no combate à pandemia do novo coronavírus estão os profissionais de saúde. Entre eles, o professor Cláudio Domênico, doutor e mestre em Cardiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e chefe da unidade de cardio-oncologia do Hospital Pró-Cardíaco, na capital fluminense

Andreia Fontenele

Professor Cláudio Domênico é doutor e mestre em Cardiologia pela UFRJ e chefe da unidade de cardio-oncologia do Hospital Pró-Cardíaco.

Em entrevista ao programa Viver é Melhor, da Boa Vontade TV, em 28 de maio de 2020, quando o Brasil contabilizava mais de 400 mil casos confirmados de Covid-19, o dr. Domênico fez um sério alerta: “o país ainda não atingiu o pico de contaminação”. Por isso, o especialista destacou a necessidade de que a população esteja muito atenta aos cuidados para evitar a progressão da doença, pois essa é ainda a mais potente arma para salvar vidas e resguardar o emocional e o físico de quem trabalha em hospitais e centros de atendimentos ambulatoriais, que sofre um esgotamento jamais visto em nossa recente história, em decorrência das longas jornadas de trabalho e da grande quantidade de pacientes em tratamento nesses locais.

O renomado cardiologista respondeu também a várias perguntas do público, esclarecendo dúvidas e ajudando as pessoas no enfrentamento desse mal. Ele recebeu a homenagem da LBV e de seu diretor-presidente, José de Paiva Netto, por intermédio da jornalista Angélica Beck, que conduziu o bate-papo e saudou o especialista e a todos os trabalhadores da área de saúde pela resiliência e empatia nos cuidados dos enfermos. A seguir, os principais trechos da entrevista, que pode ser vista na íntegra no canal da Boa Vontade TV no YouTube: (https://www.youtube.com/watch?v=Z1L6aFBaaMo).

BOA VONTADE — No Brasil, temos hoje mais de 400 mil casos confirmados. No mundo, esse número ultrapassa a marca de 5 milhões. Qual o panorama da doença?
Dr. Domênico — Primeiramente, é uma honra e um prazer estar aqui com vocês. O Brasil é um país continental, com vários Brasis dentro dele e apresenta um comportamento diferente da doença. Até mesmo essa pandemia, ela é dinâmica, depende do que a sociedade faz. Por que a Argentina, que é nossa vizinha, proporcionalmente tem muito menos casos do que o nosso país? O Estado de Minas Gerais, se comparado, por exemplo, com o Estado do Rio de Janeiro, tem muito menos casos. Provavelmente, eles fizeram medidas de isolamento, fizeram o dever de casa um pouco mais sério. A preocupação é grande porque nós não atingimos o pico, esse número ainda vai crescer bastante.

“Os avanços são enormes, os tratamentos, a busca pelas vacinas... Há mais de 100 vacinas sendo testadas no mundo todo. Alguns ousam dizer que teremos vacinas prontas ainda no segundo semestre de 2020, talvez em setembro. A grande maioria acredita que ela chegará para o início de 2021, no primeiro semestre.”

BV — Tendo em vista que o Brasil ainda não atingiu o pico de contaminação, a população não pode baixar a guarda, precisa continuar se protegendo...
Dr. Domênico — Em alguns Estados, pode estar começando a diminuir [o número de casos], mas em outras cidades, como Goiânia, no Estado de Goiás, está crescendo. (...) A doença está saindo dos grandes centros [e indo] para o interior. Isso preocupa. O principal motivo do distanciamento social é que, se você estiver com um quadro grave de Covid-19 e várias pessoas estiverem doentes [ao mesmo tempo], não há estrutura hospitalar para atender todo mundo. A transmissividade desse vírus é alta, e há a necessidade de achatar essas curvas por causa da superlotação das emergências, dos hospitais; isso é muito importante para que não cause o caos total. Não tem um tratamento estabelecido contra ela e nenhuma vacina pronta; talvez em breve, mas, enquanto isso, a melhor coisa é ficar isolado, ficar distanciado socialmente, esperar essa curva achatar. O melhor é seguir a recomendação da Organização Mundial da Saúde. Nós temos que acreditar e confiar nos cientistas.

BV — Pesquisas mostram que é possível que o contato com o novo coronavírus torne a pessoa imune a ele. Há a possibilidade de um indivíduo se reinfectar com a doença futuramente?
Dr. Domênico — Às vezes, a gente trata casais em que o marido teve a Covid-19 grave, ficou internado, e a esposa não [contraiu a doença]. São vários os motivos para isso ocorrer, um deles é a imunidade cruzada, ou seja, eu posso ter tido uma infecção por outro coronavírus — são vários os coronavírus —, com um quadro de gripe, e ter desenvolvido uma imunidade cruzada contra o Sars-Cov-2, que é o vírus que causa a Covid-19. Outra coisa é que a gente não tem a resposta definitiva — os virologistas dividem-se quanto a isso — se eu teria uma segunda chance de me infectar com o novo coronavírus. A gente não toma a vacina da gripe todo ano porque o vírus sofre mutação? Então, mesmo quem já teve o novo coronavírus e está bem, mantenha a higiene das mãos e o uso de máscara e evite muitos abraços e contato físico. Isso é importante, porque nós estamos lidando com um inimigo que conhecemos ainda muito pouco, é o vírus da incerteza no momento.

BV — Sobre o conhecimento desse novo vírus, o que o senhor tem para nos contar?
Dr. Domênico — O que aconteceu nestes 60 dias? De forma bem transparente, de coração aberto, todos nós [médicos] no início, quando começamos a lidar com a Covid-19, ficávamos com medo, temerosos. Hoje, sabemos identificar alguns fatores de risco, alguns pacientes que vão reagir mal à droga que vão usar e em que momento usarão. Os avanços são enormes, os tratamentos, a busca pelas vacinas... Há mais de 100 vacinas sendo testadas no mundo todo. Alguns ousam dizer que teremos vacinas prontas ainda no segundo semestre de 2020, talvez em setembro. A grande maioria acredita que ela chegará para o início de 2021, no primeiro semestre. Agora, tem o Remdesivir, que é um antirretroviral que parece encurtar o tempo de tratamento, de internação; há alguns trabalhos que mostram que o tempo de tratamento de 12 dias cai para 8. Quem sabe, no futuro, seja possível associar dois ou três retrovirais e, com isso, ter um tratamento igual ao que existe para Hepatite C e outras doenças virais. Enquanto isso não acontece, resta-nos, além do distanciamento social, identificar o mais precocemente a doença e tentar descobrir os casos mais leves, os moderados e os casos graves (...) e direcioná-lo para internação, para a vigilância em uma unidade semi-intensiva ou para um acompanhamento ambulatorial, sempre monitorando os sintomas desse paciente.

BV — Quais os principais sintomas da Covid-19 que podemos observar?
Dr. Domênico — A doença pode se apresentar de diversas formas. Há paciente que chega tossindo, com febre, dor no corpo, dor de cabeça, dor de garganta, alteração no olfato e no paladar. Esse doente já está com diagnóstico, mas existem os com poucos sintomas, são os chamados oligossintomáticos ou assintomáticos. Esses são perigosos, por isso a vantagem da testagem em massa. O que fazer no caso daqueles que têm quadros leves e moderados, com dor no corpo, alteração no paladar e no olfato, um pouquinho de dor de cabeça? Nesses casos mais leves, [é importante] manter as pessoas em casa. Se a pessoa apresenta o quadro de febre persistente, falta de ar, desconforto respiratório, uma certa ofegância, a febre não baixa, o coração acelerado e confusão mental, ou seja, sinais de que tem uma infecção mais grave, esse doente não deve ficar em casa. Existe um aparelhinho chamado oxímetro de pulso, ele tem sido muito falado, a gente coloca no dedo, e ele dá a saturação de oxigênio. As pessoas que podem adquirir esse aparelho, que custa em torno de R$ 150, se sentirem falta de ar, coloquem o dedo e vejam a saturação de oxigênio. O paciente diz: “Doutor, o meu pulso está com 80 batimentos por minuto (bpm), e a minha saturação está 97%”. Ele está com febre? Não. “Fica tranquilo, não venha para o hospital.” Mas, se estiver saturando abaixo de 93, 90, 91% e [o indivíduo] estiver cansado, a gente diz: “Venha para o hospital”.