
Durma-se com um barulho desses
Estresse, sobrepeso, excesso de atividades... O que faz 40% da população mundial, segundo a OMS, não ter qualidade no sono?
Mariane de Oliveira
14/03/2014 às 16h02 - sexta-feira | Atualizado em 22/09/2016 às 16h00

Nada melhor do que acordar pela manhã com a sensação de ter descansado bem, física e mentalmente, não é mesmo? Além de indispensável para o bem-estar de corpo e mente, ter um bom descanso é essencial para a saúde no longo prazo. Nesse período de repouso, o organismo recupera energias dispensadas durante o tempo em que a pessoa esteve acordada. Outras funções são atribuídas ao sono reparador, tais como consolidação da memória, regulação da temperatura corporal e manutenção do equilíbrio geral do corpo e das substâncias químicas no cérebro que controlam o ciclo vigília-sono.
Entretanto, a vida agitada nos dias de hoje é fator que tem prejudicado a qualidade do sono, especialmente de quem vive em grandes centros urbanos. A carga de atividades diárias também compromete a quantidade de horas necessárias para garantir o descanso saudável. Por isso, homens e mulheres têm dormido menos. De acordo com a médica Luciana Palombini, do Instituto do Sono, em São Paulo/SP, temos diminuído, em média, uma hora de sono nos últimos 20 anos.
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Dra. Luciana Palombini
Em entrevista à BOA VONTADE, a especialista explica os motivos para esse déficit de sono. Segundo ela, dormir menos é uma tendência verificada mundialmente. “Isso se deve ao aumento da competitividade e à crescente opção de atividades, estímulos, durante as 24 horas do dia. Você tem que se preparar, tem que fazer cursos para competir bem, (...) academia, a pressão é grande para se fazer mais; aí, chega em casa, tem mais trabalho, e no dia seguinte precisa acordar cedo...”
Além da sobrecarga de afazeres, que faz a pessoa acumular horas sem dormir, muitos outros fatores podem dificultar uma boa noite de sono. O estresse, por exemplo, está entre os principais causadores de distúrbios. “O estresse tem contribuído, sim, para piorar a qualidade do sono e aumentar as queixas de insônia. Agora, distúrbios relacionados à parte respiratória, como o ronco e a apneia, são outros fatores”, afirmou a dra. Luciana Palombini. Outro problema citado pela médica é o aumento de peso da população. “Hoje as pessoas estão mais gordas. Somente em São Paulo, mais de 50% têm sobrepeso. E isso contribui com o problema respiratório.”
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que cerca de 40% da população global apresenta algum tipo de distúrbio ou síndrome do sono. Pesquisa da Sociedade Brasileira do Sono mostrou que 43% dos brasileiros não têm um sono restaurador e apresentam sinais de cansaço ao longo do dia.
Dormir menos que o necessário traz significativos prejuízos à saúde a médio e longo prazo. Cansaço e sonolência durante o dia, irritabilidade, alterações repentinas de humor, perda de memória de fatos recentes, lentidão de raciocínio e dificuldade de concentração são sintomas comuns de quem dorme pouco. A longo prazo, eles podem agravar-se, resultando na falta de vigor físico, em envelhecimento precoce, na diminuição do tônus muscular, em prejuízo ao sistema imunológico e no aparecimento de doenças cardiovasculares e gastrointestinais, obesidade e diabetes.
Vilão da produtividade?
Se de um lado há gente em busca de tempo para ter um sono restaurador, de outro, há pessoas que experimentam uma estratégia de descanso alternativa: o sono polifásico. Nele, as horas de repouso são fracionadas e distribuídas no decorrer do dia. Os adeptos dessa prática desejam aumentar o número de horas úteis, passando assim menos tempo dormindo e mais horas acordados. Com isso, acreditam que podem ser mais produtivos.
Esse padrão de sono, contudo, é analisado com cautela por médicos e pesquisadores da área. Eles recomendam o sono monofásico, no qual a pessoa dorme de seis a oito horas diárias. “O sono que respeita a fisiologia normal do ser humano e a faz funcionar melhor é aquele em que a gente precisa ter um maior período de sono à noite e, durante o dia, só um cochilinho depois do almoço, de no máximo 20, 30 minutos. (...) É o que respeita a nossa natureza e o que descansa mais”, disse a dra. Luciana.
Pesquisas recentes mostram que quem dorme pouco produz menos, em comparação com a pessoa que dorme a quantidade de horas adequada ao organismo. O sono insuficiente leva ao cansaço físico e mental, gerando dificuldades de concentração e memorização.
Para que de fato seja restaurador, o sono depende não somente da quantidade de horas de descanso, mas também da qualidade do repouso. “Uma pessoa pode dormir nove horas de um sono de péssima qualidade. Quer dizer, pode ficar nove horas na cama, num estágio superficial, e nunca chegar ao estágio profundo.”
De nada vale repousar muitas horas se o indivíduo não atingir o sono REM (sigla em inglês de rapid eye movement, que significa “movimento rápido dos olhos”). Nesse estágio ocorre a maior parte dos sonhos e aumenta a atividade de redes importantes para codificar informações úteis, por exemplo, o que foi aprendido ao longo do dia, e manter a memória ativa.

Apoio médico e mudança de hábitos
Pouco mais de cinco anos atrás, Joaquim Valentino Marcelino, 53 anos, morador da cidade de São Paulo, mal conseguia dormir. Nesse período, a falta de sono lhe trazia sofrimento, pois seu repouso resumia-se a, no máximo, duas horas diárias. “Era um campo de batalha à noite. Tinha insônia constante, apneia do sono, o que agravava meu caso... A pressão arterial também estava alterada, assim como os triglicerídeos, o colesterol e outras coisas mais.”
Os efeitos do pouco tempo de sono passaram então a prejudicar a convivência em família e até a vida profissional. “Eu trabalhava, mas não conseguia produzir. O sono vinha na hora errada. Tinha muita sonolência durante o dia. Eu era angustiado, nervoso... tinha cansaço, falta de memória, e vivia num estado depressivo.”
A indicação de uma amiga de Joaquim o convenceu a procurar acompanhamento no Instituto do Sono, em 2008. Com o tratamento, veio também a exigência de adotar hábitos mais saudáveis e uma rotina favorável ao sono. “Deixei de consumir produtos com cafeína para manter a higiene do sono... Tomo medicamento recomendado pelo próprio instituto e uso um aparelhinho chamado CPAP*. Além disso, estava sedentário; aí eu procurei fazer exercício físico, estudar... Sinto-me um homem feliz. Hoje eu tenho vontade de viver, graças a Deus!”, afirmou.
As medidas para melhorar a qualidade do sono deram resultado. Hoje, Joaquim dorme, em média, seis horas por dia, o suficiente, segundo ele. “Eu creio que vou chegar a 100% logo.” Ao refletir sobre a importância do sono, observou: “É uma dádiva que a Humanidade tem e precisamos zelar por ele. O sono reparador é maravilhoso, e a medicina é um presente de Deus”.
Luz de tablets, computadores e celulares atrapalha o sono
Ler antes de dormir faz o sono chegar mais rápido. No entanto, a leitura por meio de aparelhos eletrônicos, como tablets, computadores e celulares, pode atrapalhar o sono, segundo estudo recente do Centro de Pesquisa da Luz do Instituto Politécnico Rensselaer, nos Estados Unidos. Isso porque a melatonina, hormônio que influencia a regulação do sono, só é liberada no organismo humano quando o ambiente escurece. Se a pessoa fica exposta à luz desses aparelhos, o corpo deixa de produzir melatonina durante a noite, dificultando desse modo o repouso. O estudo mostrou que, depois de duas horas de interação com um tablet, o hormônio que favorece o sono se reduz em 22%. Por isso, atenção: leia muito e sempre, mas, na hora de dormir, o tradicional livro de papel é ainda a melhor opção.
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* O sistema CPAP — Sigla em inglês de Continuous Positive Airway Pressure (pressão positiva contínua nas vias aéreas). Representa forma eficaz de tratamento da síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS). Portátil e silencioso, o aparelho consiste de um gerador de fluxo que, por meio de uma máscara nasal, fornece uma pressão de ar suplementar que mantém a via aérea desobstruída.