Discriminação e falta de informação elevam casos de HIV/Aids no Brasil

Karine Salles

29/11/2014 às 02h51 - sábado | Atualizado em 22/09/2016 às 16h04

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Neste 1º de dezembro é lembrado o Dia Mundial de Luta contra a Aids. A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), a fim de criar um dia para lembrar a batalha constante contra a doença, visando mobilizar a opinião pública sobre a gravidade e de amenizar o preconceito sofrido pelos portadores do HIV, o vírus causador da doença.

Com um objetivo um tanto quanto audacioso, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) quer acabar, de uma vez por todas, com a epidemia dessa enfermidade. A empenhada ação evitará cerca de 28 milhões de novas infecções e 21 milhões de mortes relacionadas com o HIV pelos próximos 16 anos.

Arquivo Pessoal

Dra. Georgiana Braga-Orillard

"É uma meta muito ambiciosa", reconhece a representante do Unaids no Brasil, dra. Georgiana Braga-Orillard. Mas ela também garante a possibilidade de ser alcançada, pois, segundo ela, os esforços serão empregados em ações de prevenção ao diagnóstico precoce. "Vimos que conseguimos, de 2001 a 2011, reduzir em 30% o número de novas infecções em nível global. É difícil, mas a gente tem que tentar, porque, se não tentarmos, não chegaremos lá", disse em entrevista ao Portal Boa VontadeAinda de acordo com a dra. Georgiana, o Brasil "é um dos países que ajudaram a propor essa meta", pois atualmente "mais de 150 mil pessoas vivem com o HIV e não sabem".

O novo conjunto de metas que precisam ser alcançadas até 2020 faz parte da estratégia 90-90-90. A dra. Georgiana explicou que o objetivo é que, "de todas as pessoas que estejam vivendo como HIV, 90% conheçam seu estado sorológico; 90% estejam em tratamento e 90% estejam com a carga viral indetectável, o que significa que o vírus não esteja detectável no seu corpo, o que faz com que a pessoa esteja bem e não transmita o vírus".

Também em entrevista ao Portal Boa Vontade, a infectologista dra. Brenda Hoagland, pesquisadora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, da Fiocruzconcorda que esse objetivo é ousado, pois requer a ampliação dos testes rápidos que identificam os casos. Para ela, "o diagnóstico ainda é um desafio, porque a testagem, apesar de gratuita, não atinge toda a população que realmente está exposta".

Atualmente, o Ministério da Saúde disponibiliza testes rápidos, como, por exemplo, o de fluido oral, que fica pronto em aproximadamente 20 minutos. Assim como o tratamento, esses testes estão disponíveis, gratuitamente, no Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, atingir o objetivo relatado pela dra. Georgiana aumentaria de duas a três vezes a proporção de pessoas vivendo com carga viral do HIV indetectável. Vários países já estão no caminho de alcançar a meta 90-90-90, demonstrando a viabilidade de conquistar esses resultados.

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BRASIL NA CONTRAMÃO — TEMPO DE MUDAR

Em 2013, cerca de 35 milhões de pessoas viviam com HIV no mundo; outros 2,1 milhões foram infectados pelo vírus, embora 54% tenham o vírus sem saber. Neste mesmo período, 1,5 milhão de pessoas morreram por causa da doença. O relatório do Unaids mostra que o Brasil e outros países lusófonos como Angola e Moçambique estão entre as 30 nações que somam 89% das infecções em todo o mundo. Estados Unidos e Rússia também fazem parte do grupo.

Dados alarmantes indicam que, aqui no Brasil, apesar de todas as campanhas existentes, as novas infecções aumentaram 11%. Além disso, o que também chama atenção é o aumento de casos entre jovens de 15 a 24 anos: dentre três novos diagnósticos da doença no País, um é dessa faixa etária.

Entre as causas do aumento, a dra. Georgiana salienta que estão a desinformação do jovem e a discriminação. "Ele é mais vulnerável, precisa de mais informações e conhecimento sobre a epidemia. Precisamos, ainda, trabalhar bastante a discriminação, pois ela faz com que as pessoas ainda não se previnam, não se testem e não se tratem". Contudo, ela lembra que "qualquer pessoa que se expõe tem um comportamento de risco".

A infectologista Brenda salienta que "o ideal é trabalhar na prevenção, em decorrência dos riscos. Hoje, a gente fala da prevenção combinada. É a população ter noção de quais são as práticas de maior risco".

"AIDS — O VÍRUS DO PRECONCEITO AGRIDE MAIS QUE A DOENÇA"

Apesar de o Brasil ter um dos melhores tratamentos contra HIV/Aids em todo o mundo — reconhecido e recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) —, a exclusão social sofrida pelos portadores do vírus ainda é um grande obstáculo.

O surgimento da doença despertou medo e intensificou dúvidas, o que fez muita gente ocultar a doença por medo de discriminação por parte da família e das pessoas próximas. O jornalista, radialista e escritor Paiva Netto, diretor-presidente da Legião da Boa Vontade, escreveu em seu ensaio literário Evangelho do Sexo: "Meu esforço, em primeiro lugar, está em aprendermos, de uma vez por todas, que a discriminação, o preconceito e os clichês são grandes vilões, situados na raiz de muitos dos problemas que cercam o Sexo e tantas outras manifestações na existência das sociedades, como é execrável racismo. A Criatura Humana é sagrada e, portanto, acima de tudo, digna de respeito, seja qual for a sua orientação no campo da Religião, da Política, da Ciência, da Filosofia, da Arte e da Sexualidade".

Em seu artigo Aids e Direitos HumanosPaiva Netto afirma: "Se a pessoa se sentir humanamente amparada, criará uma espécie de resistência interior muito forte, que a auxiliará na recuperação ou na paciência diante da dor. Costumo afirmar que o vírus do preconceito agride mais que a doença". Vale ressaltar que quem vive com o vírus pode trabalhar, estudar, namorar, constituir família, fazer exercícios físicos, assim como todo mundo. Só não pode conviver com o preconceito, que muitas vezes faz a pessoa abandonar o tratamento médico.

APOIO DA LBV

Arquivo BV

Em 1º de dezembro de 1996, no Dia Internacional da Luta contra a aids, personalidades se uniram à multidão que superlotou a Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, RJ, para a mobilização da LBV em defesa da Vida.

Muitas conquistas têm sido alcançadas em parte por iniciativa da sociedade civil organizada. Em 1º de dezembro de 1996, por exemplo, no Dia Internacional da Luta contra a Aids, a Legião da Boa Vontade, em sua permanente campanha a favor da Vida e contra o preconceito, reuniu mais de 200 mil pessoas na orla marítima, na Praia de Copacabana, Rio de Janeiro, RJ. A iniciativa teve o apoio de dezenas de personalidades que, com a multidão, bradaram esta máxima de Paiva Netto: "Aids – o vírus do preconceito agride mais que a doença".