A busca pela imunização completa

Pesquisador da USP esclarece as principais dúvidas quanto à aplicação da dose de reforço contra a Covid-19

Wellington Carvalho e Suzanne Oliveira

18/11/2021 às 01h26 - quinta-feira | Atualizado em 18/11/2021 às 02h51

Com o avanço do número de casos da variante delta, o Ministério da Saúde iniciou o calendário de reforço da vacina contra a Covid-19. Desde setembro, tem sido aplicada essa terceira dose para a imunização da doença no país. Até o momento, devem tomá-la idosos com mais de 70 anos que completaram o esquema vacinal há mais de seis meses, bem como profissionais da área da saúde. Além desses, pessoas com baixa imunidade — os chamados imunossuprimidos, a exemplo de indivíduos com HIV, transplantados de órgãos, indivíduos com imunodeficiências primárias etc. — que tomaram a segunda dose há, pelo menos, 28 dias também estão incluídas nessa etapa de vacinação.

Arquivo Pessoal

Jefferson Russo Victor

A fim de esclarecer as principais dúvidas sobre a imunização completa contra o Sars-CoV-2, a equipe da revista BOA VONTADE conversou com o professor doutor em Biomedicina Jefferson Russo Victor, imunologista e pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e docente do curso de Medicina da Universidade Santo Amaro (Unisa). Na entrevista a seguir, o especialista explica que doses de reforço contra qualquer doença nunca são ruins e que a combinação de diferentes fabricantes, a exemplo de AstraZeneca e Pfizer, tem se mostrado uma opção segura à população.

BOA VONTADE — Por que a imunização completa é essencial para o enfrentamento da Covid-19?

Dr. Jefferson Russo — É muito importante nunca esquecermos que, quando uma vacina é produzida, ela passa por todas aquelas etapas [de aprovação]: as fases 1, 2 e 3 de pesquisa. Esses estágios avaliam a possibilidade de o imunizante ser administrado em uma ou duas doses. Então, quando se fala em imunização completa, temos que respeitar o processo científico que levou à produção daquela [respectiva] vacina. Se uma vacina foi padronizada e é fabricada para a aplicação em duas doses, somente após a administração delas, somado a um intervalo mínimo de aproximadamente 14 dias depois da segunda, a pessoa estará completamente imunizada. A partir desse momento, independentemente de qual vacina tenha tomado, terá um risco muito menor de desenvolver as formas moderadas ou graves [da Covid-19], bem como de infectar-se [pelo novo coronavírus] e, eventualmente, transmiti-lo para outras pessoas. Portanto, a imunização completa tem de ser o nosso objetivo geral do processo de vacinação, porque, quanto mais pessoas imunizadas [tivermos] de forma completa, menor será o número de casos moderados, graves ou leves na nossa população.

BV — O que os trabalhos científicos revelam a respeito da necessidade da dose de reforço contra o novo coronavírus e suas variantes?

Dr. Jefferson Russo — Quanto à aplicação de uma terceira dose, a Ciência tem demonstrado algo que já era relativamente previsto: no caso de idosos e pessoas com comorbidades, a indução da produção de anticorpos, que é o objetivo básico da vacina, é relativamente reduzida quando comparada à de adultos e jovens saudáveis. E temos percebido com alguns trabalhos científicos que a utilização de uma terceira dose da vacina pode reforçar essa produção de anticorpos, aumentando a duração do efeito do imunizante, especialmente nessas populações que não são de adultos e de jovens saudáveis. Isso não quer dizer que futuramente não se busque uma terceira dose ou uma revacinação para todos. Mas o fato é que precisamos de tempo para responder com precisão a essas perguntas. E, até agora, a indicação é da necessidade de uma eventual terceira dose em alguns grupos por essas razões que citei: idade [avançada] ou comorbidades.

BV — Todas as vacinas aplicadas no Brasil têm queda de proteção a partir de seis meses?

Dr. Jefferson Russo — O que se sabe na imunologia é que não só a proteção, mas a resposta induzida pela vacina, irá decair ao longo do tempo. Sempre. Não estou me referindo somente às vacinas no Brasil e contra a Covid-19. Qualquer vacina tem um período de indução, e, no período próximo à aplicação dela, a resposta imune é muito mais potente, decaindo com o tempo. O que precisamos medir é se serão seis meses ou mais. Isso vem sendo intensamente investigado, porque ainda estamos em pandemia. Todas as vacinas, não só contra o novo coronavírus, terão algum tipo de queda a partir de determinado período. Essa redução pode ser mais evidente em alguns grupos de pessoas, como idosos, mas tudo isso está sendo observado. Aliás, essa atenção já gerou algumas abordagens, como a própria vacinação com terceira dose e, até mesmo, o planejamento de futuras campanhas de revacinação. Mas, para constatarmos se essa queda exigirá uma terceira dose ou a revacinação, precisamos aguardar mais. Estamos próximos dessa resposta, mas é necessário respeitarmos alguns critérios.

Divulgação/Opas

BV — É seguro receber mais uma dose de vacina contra a Covid-19? Ela deve ser da mesma fabricante das duas anteriores?

Dr. Jefferson Russo — Receber doses adicionais de vacina contra qualquer doença nunca é ruim. Isso de modo algum representará prejuízo ao indivíduo vacinado. Só não temos a constante vacinação ou revacinação para outras doenças no nosso calendário nacional de imunização, que é bem complexo, porque não é necessário. No nosso dia a dia, [devemos ser revacinados] contra a gripe anualmente, inclusive porque a vacina contra ela é atualizada de um ano para o outro. Portanto, esse é um exemplo de aplicação de doses para reforçar ou revacinar as pessoas que nunca traz malefícios. O que estamos decidindo [quanto à Covid-19] é se isso será preciso ou não. Em relação aos esquemas vacinais, temos observado que isso já está mais claro, por exemplo, para a combinação da vacina AstraZeneca com a Pfizer — protocolo que algumas cidades já estão adotando. Temos observado que completar a vacinação com fabricantes diferentes é muito útil e seguro. Futuramente é bem provável que haja maior certeza de que é possível, sim, utilizar diferentes imunizantes, já que todos estão tentando induzir no indivíduo vacinado proteção contra o mesmo vírus. Por esse ponto em comum, não há problema em misturar vacinas. Tudo será confirmado pela Ciência gradualmente.

BV — O que podemos considerar sobre o atual momento da pandemia no Brasil?

Dr. Jefferson Russo — A imunologia e outras áreas da Ciência estão trabalhando intensamente para que tenhamos mais vacinas, para que esses imunizantes sejam cada vez mais eficientes, para descobrirmos a hora certa de ter dose de reforço ou revacinação e para estabelecer outros protocolos que se façam necessários à segurança das populações. Porém, ainda estamos na pandemia. E os resultados que temos observado no nosso país como um todo ainda dependem do avanço da campanha de vacinação e da manutenção de medidas básicas [de controle de infecção da doença], como o uso de máscaras. Outros países evidenciaram quanto é perigoso acelerar demais a liberação das medidas coletivas de proteção. Espero que o povo brasileiro esteja entendendo como são importantes a manutenção desses cuidados e a adesão à vacina. Torço para que cheguemos, em breve, na casa dos 90% da nossa população totalmente imunizada. E isso, com certeza, permitirá que finalizemos as restrições sanitárias e voltemos ao nosso normal de convivência, de trabalho, de modo que a pandemia seja somente uma lembrança de um recente passado.