Vice-diretora da ONU Mulheres destaca avanços e desafios para alcançar a igualdade de gênero

10/03/2014 às 16h39 - segunda-feira | Atualizado em 06/06/2015 às 16h00

Lakshmi Puri

vice-diretora da ONU Mulheres, sra. Lakshmi Puri, acredita em uma conscientização cada vez maior acerca da situação da mulher no mundo e, sobretudo, dos desafios que precisam ser superados.

Evan Schneider
Acompanhada do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, a diretora-executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, por ocasião da posse dela no cargo, em agosto de 2013.

Depois de quase três décadas de importantes serviços prestados à diplomacia indiana, ela passou a integrar a Organização das Nações Unidas em 2002. Juntou-se à equipe da ONU Mulheres em março de 2011, logo após a criação dessa que é a principal instituição global dedicada a fomentar a igualdade de gênero e o empoderamento feminino, tendo, inclusive, desempenhado papel relevante no desenvolvimento institucional e na consolidação da entidade. O trabalho lhe propiciou viajar por várias partes do planeta e, assim, conhecer de perto a difícil realidade de milhões de mulheres.

Às vésperas da realização da 58a sessão da Comissão das Nações Unidas sobre a Situação da Mulher (CSW), de 10 a 21 de março, em Nova York, Estados Unidos, a BOA VONTADE Mulher conversou com a sra. Lakshmi Puri a respeito do encontro e das perspectivas sobre o novo conjunto de metas globais pós-2015: os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

BOA VONTADE Mulher — “Desafios e conquistas na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio para mulheres e meninas” é o tema da sessão deste ano da CSW. Que balanço a senhora faz desse momento?

Lakshmi Puri — Está havendo um rápido balanço sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e no que eles deixaram a desejar no que diz respeito a mulheres e meninas. Quais são os desafios, lacunas e oportunidades que surgem dessa experiência e desse registro? Ao mesmo tempo, há uma oportunidade única de associar essa análise a dois outros processos históricos em andamento. Um deles é a estrutura de desenvolvimento pós-2015, na qual metas de desenvolvimento sustentável foram concebidas e, de certa forma, lançadas na conferência Rio+20, ocorrida em 2012 no Rio de Janeiro, e que serão negociadas pelos governos. Essa estrutura já está sendo tratada no grupo de trabalho aberto. Teremos vinte anos de debates sobre as plataformas de ações em favor das mulheres. Também sabemos que a 4a Conferência Mundial sobre as Mulheres, realizada em Pequim (China), em 1995, completa seu 20o aniversário no ano que vem. Essa comemoração e uma análise [do fato] constituem outro processo histórico. Portanto, está ocorrendo uma conjunção, uma confluência de três processos históricos.

Yrene Santana

NOVA YORK, EUA — A sra. Lakshmi Puri (E), vice-diretora-executiva da ONU Mulheres e responsável pela gestão do Gabinete de Suporte Intergovernamental e Parcerias Estratégicas das Nações Unidas, recebeu com muita simpatia a revista BOA VONTADE Mulher e agradeceu a oportunidade de apresentar a visão da Entidade das Nações Unidas a todos os conferencistas por meio da publicação da LBV. Nela, a sra. Puri destaca em entrevista exclusiva os desafios que são enfrentados atualmente pela ONU na elaboração da nova agenda de desenvolvimento pós-2015, contemplando as metas para alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento feminino.

 

BV — As mulheres ainda representam a maioria das pessoas pobres no mundo?

Lakshmi Puri — Nos países em desenvolvimento, 70% dos pobres são mulheres, particularmente entre os extremamente pobres. Houve diminuição da situação de pobreza, mas a feminização da pobreza permanece e se acentua. A matrícula no ensino primário nas regiões em desenvolvimento atingiu 90% em 2011, e a prioridade de gênero nessa fase do ensino em âmbito mundial foi quase alcançada. Contudo, somente dois de 130 países atingiram esse objetivo em todos os níveis do ensino, e as meninas ainda são mais propensas a estar fora da escola do que os meninos. Além disso, elas predominam em trabalhos informais e temporários, e persiste a disparidade entre os gêneros no emprego, com uma diferença de 24,8 pontos percentuais entre homens e mulheres na relação entre emprego e população. Há também a taxa de mortalidade materna, que se refere ao ODM 5. Ela diminuiu 47% nas duas últimas décadas, mas todos os dias quase 800 mulheres morrem durante a gravidez ou no parto, apesar de existirem os meios para salvá-las. Quanto à política, é mediana a participação das mulheres nos parlamentos, aspecto abordado no ODM 3, objetivo especificamente relacionado à promoção da igualdade de gênero e da autonomia feminina. Pelo ritmo observado nos últimos quinze anos, por exemplo, levará 40 anos para que seja atingida a paridade de gênero entre os parlamentares.

BV — Em que medida as questões de igualdade de gênero, empoderamento e direitos das mulheres devem influenciar os ODS?

Lakshmi Puri — No processo daqui em diante e na definição de uma nova estrutura de desenvolvimento de 2015 a 2030, precisamos assegurar avanços em um objetivo específico de igualdade de gênero e empoderamento feminino. Nós, da ONU Mulheres, estamos propondo esse objetivo para os Estados membros. Estamos buscando a liderança do Brasil em assegurar esse objetivo específico de transformação, com três metas amplas. A primeira delas abrange a segurança, a integridade física e pessoal e a dignidade das mulheres, meta esta sintetizada no fim da violência de gênero. A segunda contempla a autonomia econômica e social, em termos de acesso a recursos produtivos, emprego, capacitação e desenvolvimento de habilidades, gestão de recursos naturais e serviços essenciais. (...) A terceira meta está relacionada à participação e liderança no lar, no setor privado e em instituições públicas, não só no âmbito do parlamento.

UN
A sra. Lakshmi Puri (E), ao lado da atriz e embaixadora da boa vontade da ONU Nicole Kidman.
BV — Como a senhora vê a atuação de organizações da sociedade civil na ONU, a exemplo da LBV, que utiliza a educação como estratégia para prevenção e combate a toda forma de desigualdade e de violência de gênero?

Lakshmi Puri — Nós valorizamos muito a parceria com a sociedade civil. Pode-se dizer que não existiríamos se a força vibrante das organizações femininas e da sociedade civil não estivesse por trás de nossa criação. E uma organização da sociedade civil como a Legião da Boa Vontade — que dedica grande parte de suas ações sociais e educacionais a ajudar mulheres e crianças e tem a educação como estratégia principal para prevenir e combater toda forma de desigualdade ou violência de gênero — é algo que realmente ressoa em nós e na nossa missão. Vocês fazem avançar uma parte importante da nossa missão onde quer que atuem. Acabar com a violência contra as mulheres é uma área realmente prioritária para a ONU Mulheres. (...) Reconhecemos que a ênfase da LBV na educação é uma estratégia-chave de prevenção, fundamental para gerar mudança de mentalidade, para transformar a cultura do machismo, da desigualdade. Por isso, nós aplaudimos vocês por escolherem esse tema como estratégia.

BV — Essa é também uma preocupação na agenda da ONU Mulheres?

Lakshmi Puri — A nossa nova diretora-executiva tem ressaltado o papel transformador da educação em todas as áreas prioritárias, inclusive no fim da violência contra as mulheres. Para a autonomia econômica, é necessária a educação; para participação e liderança política, novamente está a educação; para capacitar as mulheres para atuar em situações de conflito e pós-conflito, é fundamental a educação. Além disso, a educação tem um papel de destaque no contexto do planejamento e do orçamento suscetíveis ao gênero feminino. Trabalhar com a sociedade civil é uma estratégia essencial para a ONU Mulheres. É grande nossa expectativa em trabalhar com vocês no âmbito da campanha Pequim+20, que terá entre seus pontos principais, certamente, a educação e o tema do empoderamento da mulher e da Humanidade.