Teresa Cristina, herdeira do samba e do gingado carioca

No Dia Nacional do Samba, acompanhe uma entrevista com uma das novas estrelas nascidas nos Arcos da Lapa

02/12/2013 às 12h09 - segunda-feira | Atualizado em 27/05/2014 às 11h57

Divulgação

O berço do samba carioca tem um nome: Lapa. A fama do bairro acompanha o fascínio que a própria cidade do Rio de Janeiro desperta no mundo inteiro. A internacionalização desse antigo reduto da boemia, hoje fonte de inspiração para visitantes e músicos, deve-se também ao talento e à projeção de artistas como a cantora e compositora Teresa Cristina. Nesse lugar ela se lançou profissionalmente, por onde passaram muitos ícones da música brasileira, a exemplo de Wilson Batista (1913-1968), Noel Rosa (1910-1937) e Mário Lago (1911-2002).

Antes de subir aos palcos e encantar plateias com sua voz, Teresa teve várias profissões. "Fui manicure dos 13 aos 25 anos; a partir de 18 anos, secretária, auxiliar de escritório, e aí passei a fazer a unha das clientes nos fins de semana." Na faculdade, a sambista teve uma participação tímida nos meios de comunicação. "Entrei no projeto de uma rádio comunitária... esse projeto foi encampado pela reitoria, mas não deu certo. E eu acabei sendo bolsista da UERJ para trabalhar no Detran."

HERANÇA CULTURAL

A vida da cantora nunca foi muito fácil, relembra. "Venho de uma família grande, tenho cinco irmãos e meu pai era feirante. A gente não passou fome nem frio. Tivemos boa educação, alimentação, roupa, porém, mais do que isso o meu pai já não pôde dar, porque era muita gente para sustentar."

Do berço familiar, recebeu um importante legado: o amor à música brasileira, ao samba de raiz. Enquanto ajudava a ensacar limões para venda na feira, Teresa escutava as canções que o pai, Luiz Alberto Gomes da Conceição, gostava. "Ele ouvia o disco Índia, da Gal Costa, o disco do Roberto Ribeiro e o do Candeia, chamado Samba de Roda. Achava engraçado, porque era uma cultura com que não tinha contato, mas era o que ele ouvia, e eu ficava rindo dos temas." Por ironia ou não do destino, aos 25 anos de idade a cantora teve uma agradável surpresa durante a visita de um amigo. "Ele chegou lá em casa e disse: ‘Olha, eu achei este CD ali na cidade... esse cara canta bem, repara’. Aí quando eu ouvi: ‘Vamos brindar o cansaço’ [trecho da composição Brinde ao Cansaço, de Candeia], falei: ‘Meu Deus, é o disco do meu pai!’. Era um CD que não ouvia há mais de 15 anos. E fiquei muito emocionada com aquilo, porque sabia cantar todas as músicas."

INGRESSO PARA A FAMA

O primeiro passo de Teresa Cristina no caminho para os palcos foi em 1998, graças à amizade dela com o músico Guaracy 7 Cordas, da Velha Guarda da Portela. "Quem foi convidado para cantar na Lapa foi o Guaracy. O convite era para cantar em um bar, só que nessa época ele se apresentava em outra casa, em São Cristóvão, então não quis sair de lá."

Priscilla Antunes
Teresa Cristina é entrevistada pelo jornalista Hilton Abi-Rihan, durante o programa Samba & História.

A jovem cantora havia acabado de conhecer a Velha Guarda da Portela e realizava uma pesquisa sobre o mestre portelense Candeia. "Aí ele [Guaracy] falou: ‘Olha, eu não vou poder fazer, mas tem uma menina nova aí que está cantando músicas do Candeia, que é amiga da Velha Guarda, e eu vou indicar’. E ele realmente me indicou." Dali, a artista passou a se apresentar também em outras casas noturnas. Cinco anos depois, veio o primeiro CD, A música de Paulinho da Viola, uma homenagem aos 60 anos do célebre sambista. A obra recebeu elogios da crítica e rendeu a Teresa o prêmio Rival BR e o Prêmio Tim de música, como cantora revelação, além da indicação ao Grammy Latino de melhor disco de samba de 2003. Foi o início de uma trajetória musical sólida, que continua empolgando o público do Brasil e de outros países. Em 2007 lançou Delicada, o primeiro CD com composições próprias, nas quais teve a parceria de Zé Renato. O trabalho teve muito boa aceitação no México, onde alcançou o 14o lugar na parada World Music e Crossover.

Seu mais recente trabalho, Melhor assim (2010), o segundo DVD ao vivo da cantora, traz sucessos de Paulinho da Viola, Caetano Veloso e Chico Buarque e composições de Teresa. O DVD conta, ainda, com a participação de grandes nomes da música brasileira: Caetano Veloso, Lenine, Seu Jorge, Arlindo Cruz, Marisa Monte e Pedro Baby.

Atualmente, Teresa Cristina abre seus shows com uma canção que sempre apreciou: "Eu canto A Voz de uma Pessoa Vitoriosa, que foi lindamente gravada pela Maria Bethânia. A gravação dela que tenho é do álbum Álibi, e eu fiquei com essa música na cabeça, sem ter a ideia de que um dia me tornaria cantora".

Dos tempos de manicure, ela se recorda bem. De antigas conhecidas, ouviu só elogios. "Houve um tempo em que reencontrei muitas senhoras de quem eu fazia a unha. E é bem gostoso, porque elas ficaram orgulhosas de saber que havia me tornado cantora. E se eu precisasse, faria unha hoje com o maior orgulho." Para ela, fundamental é a pessoa fazer o que gosta, porque assim haverá sempre serviço: "Trabalhei desde os 13 anos e, mesmo trocando de profissão, até me tornar cantora, nunca fiquei desempregada, em momento algum". E assim segue Teresa Cristina, cantora que se lançou na Lapa e despontou para o mundo: com a característica humildade, mesmo depois da conquista de cada novo espaço, com muito trabalho — a agenda repleta de compromissos no país e no exterior — e iluminada pelos deuses do samba.