
O poeta do samba
Monarco celebra oito décadas de vida com o lançamento de mais uma obra-prima da MPB
Hilton Abi-Rihan
10/03/2015 às 13h16 - terça-feira | Atualizado em 22/09/2016 às 16h04

O talento de Hildemar Diniz, ou Monarco, é facilmente reconhecido nas mais de 200 composições desse notável cantor e compositor carioca, que, em julho de 2014, lançou o álbum Passado de Glória — Monarco 80 anos. Apesar de ter sido apresentado ao público quando o sambista estava prestes a completar o 81º aniversário, em 17 de agosto, o trabalho festeja não só a vida, mas também a carreira de sucesso do artista, que, por meio de canções de inegável qualidade, se tornou símbolo vivo de um samba mais nobre e poético. Com 13 composições inéditas dele, feitas em várias épocas e com parceiros de diversas gerações, o disco é um tributo ao melhor samba de terreiro e conta com a participação de músicos renomados, entre os quais Beth Carvalho, Marisa Monte, Zeca Pagodinho e Diogo Nogueira, além de trazer parcerias de Monarco com seus filhos Marquinhos e Mauro Diniz e com os netos Juliana Diniz, Thereza Diniz e João Matheus Diniz.
O líder da Velha Guarda da Portela tirou de seu baú preciosidades, dentre as quais se destaca Poeta apaixonado, primeira faixa do álbum e fruto do que o próprio sambista chama de “parceria póstuma” com o escritor e poeta Mário Lago (1911-2002). “Eu sonhava em fazer um samba com o velho, com ele em vida. Sempre dizia pra ele: ‘Ô velho, vamos fazer um samba juntos’. Ele gostava muito de mim. (...) O tempo foi passando, o velho foi embora, e eu não consegui fazer. Mas, remexendo na minha cabeça, queimando as pestanas, eu suguei umas estrofes dele, montei e fiz o samba”, contou em bate-papo durante o programa Samba & História.
A vocação para a música manifestou-se ainda na infância. Foi nesse período que Monarco, com apenas 8 anos de idade, compôs a primeira canção, Crioulinho sabu. A decisão de incluí-la no repertório da produção musical que celebra suas oito décadas de vida deu-se graças ao incentivo de seu filho Mauro e à parceria com este. “Eu não queria gravar [esse samba], não, porque o achava uma coisa malfeita. E era, porque eu era garoto. Aos 8 anos, eu sentia que o dom me abraçava. Depois é que me aperfeiçoei em Oswaldo Cruz... Mas aí o meu filho — ele faz arranjo e tudo — me fez uma surpresa, que tive que ter coração para aguentar. Ele colocou um meio maxixado [na música], saiu do maxixe e entrou [com] o samba na minha ‘linhagem’; fez lá a criatividade dele. Ficou lindo! Emocionou-me muito, e a música está aí”, declarou. Levando adiante essa sua disposição natural, aos 11 anos, escrevia sambas para blocos de rua do subúrbio carioca e, aos 17, passou a fazer parte da seleta ala dos compositores da Portela, da qual é o atual presidente de honra.
Antes de se consolidar como grande músico e sambista, Monarco trabalhou como feirante, guardador de carros e office-boy na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), entre 1947 e 1950. Na Casa do Jornalista, foi apresentado a importantes nomes da cultura nacional. “Conheci Villa-Lobos ali. Eu não sabia quem ele era. Depois, mais tarde, é que fui saber. Ele chegava lá às 5 horas da tarde, apanhava o taco dele e ia jogar bilhar francês. E ali ficava uma galera sentada, todo mundo vendo. Ia o Barão de Itararé [Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly], autor de Entre sem bater; Abdias do Nascimento... Foi uma fase bonita”, recordou.
Com sete décadas de samba (começou a compor com 11 anos), Monarco serve hoje de inspiração para muitos jovens que desejam trilhar trajetória semelhante à sua. Em agradecimento, seus filhos fizeram questão de registrar em depoimento seu valor na vida deles.