Financiamento e Sustentabilidade Econômica das Organizações Sociais

Tema entra na agenda da Secretaria-Geral da Presidência da República

22/05/2013 às 11h47 - quarta-feira | Atualizado em 27/05/2014 às 11h59

                                                                                       Airton Grazzioli e Paula Fabiani

 

Vivian R. Ferreira
Dr. Airton Grazzioli

No final do mês de março deste ano, a Secretaria-Geral da Presidência da República promoveu um encontro com representantes da sociedade civil e do Governo Federal para discutir mecanismos de financiamento e sustentabilidade econômica das organizações do Terceiro Setor. O encontro teve como objetivo ouvir a sociedade civil na busca de propostas concretas, e faz parte da agenda de trabalho do Governo para a promoção de melhorias no marco regulatório do setor. Os temas debatidos em grupos de trabalho nos dois dias de evento foram: Cultura de Doação, Simplificação e Desburocratização, Incentivos Fiscais, Fundos Públicos, Cooperação Internacional e Empreendedorismo Social.

Na abertura, o Ministro Gilberto Carvalho renovou o compromisso do governo com o Setor e apresentou alguns dos esforços para a promoção de mudanças positivas no marco legal vigente para o setor sem fins lucrativos. O Ministro reconheceu que as políticas públicas têm estado aquém do esperado nesta temática, mas ressaltou que existe no Governo uma grande vontade de acertar e promover um ambiente mais propício para o desenvolvimento do Terceiro Setor.

Uma das propostas de maior destaque durante o Evento foi a ampliação do incentivo de até 6% do imposto devido para as pessoas físicas para quaisquer doações e não apenas para projetos do Fundo da Criança e do Adolescente (FUNCAD). A relação entre o volume de doações e incentivos fiscais foi ressaltada como ponto relevante em qualquer política de fomento à cultura de doação. A importância de criar mecanismos que facilitem a doação também fez parte das discussões. Uma recomendação apresentada por mais de um grupo de trabalho foi a unificação das informações sobre as organizações sem fins lucrativos em um único banco de dados, ação de baixo custo e que pode auxiliar os doadores e o próprio governo no mapeamento do Setor.

O crescimento da riqueza e da renda no Brasil nos últimos anos foi significativo, porém o volume de doação no país não acompanhou esta evolução. Segundo o World Wealth Report, (publicado pela Capgemini e RBC Wealth Management), o Brasil é o 11o país com mais milionários, mas ocupamos a posição 83º entre os 146 países pesquisados no World Giving Index (pesquisa realizada pela CAF - Charities Aid Foundation). Um dos entraves às doações é a legislação brasileira: o dinheiro doado para uma organização sem fins lucrativos é taxado da mesma forma que uma herança para uma pessoa, o que não ocorre em outros países. Outro problema é a falta de incentivo fiscal para recursos que têm como foco o longo prazo, ou seja, recursos que migram para atividades sem fins de lucro de forma permanente. Diferentemente de outros países, o Brasil não possui legislação que permita a criação de endowments (fundos patrimoniais) ou trusts (fundo com um propósito específico, que pode ser sem fins de lucro ou não).

A instituição de mecanismos que facilitem a criação de fundos patrimoniais é de grande importância para o desenvolvimento de um Terceiro Setor sustentável. Já existe um projeto de lei em tramitação sobre o assunto e o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) e a Endowments do Brasil estão liderando um grupo de estudos que propõe melhorias para o projeto, o qual é limitado na sua abrangência.

Paula Fabiani

Outra questão de destaque no Evento foi a falta de mecanismos para financiar a capacidade institucional das organizações sem fins lucrativos. As leis de incentivo são voltadas ao financiamento de projetos e existem poucas alternativas de financiamento para a administração, investimento em tecnologia da informação, profissionalização da captação de recursos, comunicação e outras atividades inerentes à vida de uma organização do Terceiro Setor. Uma das propostas em discussão no governo é a criação de um Fundo Público para apoiar o desenvolvimento da capacidade institucional de organizações da sociedade civil. O baixo volume de doações das fundações e institutos empresariais para organizações sem fins lucrativos também foi alvo de crítica. Estas organizações recebem recursos incentivados, mas acabam direcionando a maior parte destes para desenvolver projetos próprios, ao invés de doar recursos para organizações existentes na sua área de atuação.

Por fim, outros pontos interessantes debatidos no Evento incluíram a criação de regime tributário diferenciado para organizações pequenas (o “Simples Social”), uma nova legislação com o objetivo de ampliar a cooperação com outros países a partir da sociedade civil, a valorização do trabalho voluntário e a possibilidade de informá-lo na declaração de imposto de renda, e o desenvolvimento de mecanismos de apoio para o fomento e proteção dos negócios sociais.

O Evento revestiu-se de importância, não só pela qualidade das pessoas envolvidas, mas especialmente pelos profícuos debates. Há de se reconhecer, no entanto, que os esforços do Grupo de Trabalho anteriormente constituído pela Secretaria-Geral da Presidência da República, com participação de vários Ministérios e representantes da sociedade, para elaboração de um novo Marco Regulatório, ainda não alcançaram resultados concretos. Até o momento a iniciativa concentrou esforços apenas na melhoria da relação das organizações sem fins de lucro com o Estado. Imperioso acreditar, entretanto, na disposição renovada do Governo em aprofundar o desenvolvimento das propostas, pois um Terceiro Setor estruturado e sustentável é fundamental para a construção de “Um País para todos”.

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Airton Grazzioli é Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da USP. Especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Promotor de Justiça Curador de Fundações de São Paulo. Vice-Presidente da Associação Nacional dos Procuradores e Promotores de Justiça de Fundações e Entidades de Interesse Social – PROFIS.

Paula Jancso Fabiani é diretora-executiva do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social. Economista formada pela FEA-USP, com MBA pela Stern School of Business – New York University, especialização em Endowment Asset Management na London Business School e Yale, e Gestão de Organizações do Terceiro Setor na FGV, também atua como membro do Comitê de Governança Corporativa do Terceiro Setor do IBGC. É co-autora da publicação “Fundos Patrimoniais – Criação e Gestão no Brasil”, editada pelo IDIS.