Ruth de Souza, um exemplo para as novas gerações de atores
26/11/2014 às 18h03 - quarta-feira | Atualizado em 06/06/2015 às 16h00
Nascida em 12 de maio de 1921, no Rio de Janeiro/RJ, época em que eram mais acentuadas as desigualdades sociais e raciais na sociedade brasileira, Ruth de Souza, ainda criança, provou o amargo preconceito. Quando falava de sua vontade de ser atriz, muita gente que a ouvia não lhe dava crédito, afirmando: “Imagina, ela quer ser artista? Não tem artista negro!”, relembra. Apesar de sentir o peso daquelas palavras, Ruth não viu ali o impossível, apenas acreditou no seu sonho e, por isso, se tornou pioneira em diversos momentos da carreira que abraçou, abrindo caminhos para novas gerações de artistas.
Sua estreia nas artes cênicas ocorreu em 8 de maio de 1945, quando foi a primeira atriz negra a subir ao palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, com a peça O imperador Jones, de Eugene O’Neill, numa montagem do Teatro Experimental do Negro (TEN), grupo fundado por Abdias Nascimento e Aguinaldo Camargo. Em 1954, foi indicada ao prêmio de melhor atriz coadjuvante no Festival de Cinema de Veneza, na Itália, por sua participação no filme Sinhá Moça, o que lhe deu projeção internacional, concorrendo com as atrizes Katherine Hepburn, Michèle Morgan e Lilli Palmer, perdendo apenas por dois pontos para Lilli.
Ruth de Souza, um exemplo para as novas gerações de atores

(Foto: Arquivo Pessoal)
Na televisão brasileira não foi diferente. Integrou o elenco de programas de variedades e musicais no início das transmissões da Tupi, onde fez, com Haroldo Costa, a adaptação da peça O Filho Pródigo. Em 1965, participou de sua primeira novela, A Deusa Vencida, de Ivani Ribeiro, na extinta Excelsior. Três anos depois, era contratada pela Rede Globo, na qual está há mais de quatro décadas e deu vida a diversos personagens de destaque.
Ao longo da carreira, são mais de 30 filmes e 14 peças de teatro; na televisão, teve participação em seriados, minisséries e dezenas de novelas. Nesta entrevista, Ruth de Souza fala sobre a profissão e a magia que é para ela a arte de representar.
BOA VONTADE — A senhora teve a infância marcada entre os Estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais...
Ruth de Souza — Nasci no Engenho de Dentro [no Rio de Janeiro/RJ]. Eu fui bebê para o interior de Minas, meu pai tinha um pequeno sítio; nós fomos para lá e voltei quando ele faleceu, eu tinha 9 anos. Minha mãe vendeu o sítio, porque ela não sabia cuidar bem de roça, viemos morar na Rua Quatro de Setembro, que hoje é a Pompeu Loureiro, numa vila que tinha muitas lavadeiras e jardineiros que cuidavam dos casarios de Copacabana.

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BV — Como se deu seu encontro com as artes?
Ruth de Souza — Minha mãe gostava muito de cinema. Todas as quintas-feiras íamos na sessão das moças, no Cine Copacabana. Eu me apaixonei pelo cinema. Então, eu inventei que queria ser artista. Naquela época, diziam: “Imagina, ela quer ser artista. Não tem artista negro!”. Não tinha mesmo. Só Grande Otelo, muito depois é que começou. Acho que sou pioneira nisso, porque no cinema, no teatro, naquele tempo, não havia televisão ainda, o negro não participava, não me lembro de ter algum negro antes de Otelo.
BV — Como foi a estreia nos palcos com o grupo de Teatro Experimental do Negro?
Ruth de Souza — No Theatro Municipal do Rio de Janeiro, o negro nem entrava. Então, conseguimos uma licença do prefeito para a nossa peça. Montamos O Imperador Jones e ali começamos. Foi em 8 de maio de 1945, dia em que terminou a Segunda Guerra Mundial. Lá fora estava um carnaval, e nós, fazendo teatro dentro do Municipal.
BV — Quanto tempo participou do Teatro Experimental do Negro?
Ruth de Souza — Durante cinco anos trabalhei no Teatro Experimental do Negro (TEN), depois me tornei profissional. Lá, ganhei uma bolsa de estudos da Fundação Rockefeller, que o Paschoal Carlos Magno me levou em São Paulo. O Pascoal foi um pai para mim. Fiquei um ano nos Estados Unidos. Foi maravilhoso, valeu muito.
BV — Após essa passagem pelo TEN, o que aconteceu?
Ruth de Souza — Eu tenho sorte, porque fiz uma carreira reta, não tive altos e baixos, comecei trabalhando, não parei nunca. Eu adoro trabalhar, é uma terapia. (...) Fiz muitas peças, não me lembro quantas, muito cinema também. Depois, apareceu a televisão; fui uma das primeiras a fazer teatro na TV, com Haroldo Costa. Sempre inventava coisas e saíam certo. Eu fiz muitas peças boas, a Oração para uma Negra foi a que mais marcou, um ano, com sucesso constante. Ali, trabalhei com Sérgio Cardoso, com Nydia Licia, e, mais tarde, fizemos a peça aqui no Rio.
BV — Por quais mãos chegou ao cinema?
Ruth de Souza — Jorge Amado foi meu padrinho de cinema, porque, quando montaram, no Teatro Ginástico, Terras do Sem Fim, fiz a peça baseada no livro dele. Quando ele vendeu os direitos para o filme, eu fiz também. Ele era muito brincalhão. Acompanhava nossas peças no teatro, porque morava aqui no Rio. Ele era muito divertido, muito bacana, uma pessoa incrível.
BV — E sua estreia na televisão?
Ruth de Souza — Comecei na TV Tupi fazendo uns programas com o Haroldo Costa; inventamos de montar uma peça que tínhamos encenado com o Teatro Experimental do Negro. Foi O Filho Pródigo, de Lúcio Cardoso. E nós fizemos cenário, câmera, tudo de improviso, tudo como principiantes. Depois, fui contratada pela Record, no tempo dos antigos diretores. Ali, trabalhei com Manoel Carlos, com Maysa Matarazzo.
BV — Foram muitas as dificuldades como atriz?
Ruth de Souza — Olha, eu fui muito atrevida! Diziam que não havia atriz negra. E nunca me preocupei muito por ser negra; não tinha complexo, graças a Deus. Então, eu falava: Eu quero isso assim. Se não me der, paciência, mas eu arrisco. (...) É uma profissão cheia de altos e baixos; nem todo dia tem sucesso, nem todo dia tem oportunidade; depende também muito de sorte, pegar bons papéis.
BV — No cinema, qual personagem a consagrou?
Ruth de Souza — Foi o papel em Sinhá Moça. Esse filme foi para o Festival de Veneza, que na época era tão importante quanto o Oscar hoje. Então, quando concorri com grandes atrizes, fiquei em segundo lugar.
BV — Que mensagem gostaria de deixar para quem está começando na carreira de ator?
Ruth de Souza — Para quem quer ser ator, tem que gostar muito da profissão, sabendo que não vai ser fácil, é difícil para todo mundo, bonito, feio, negro, branco, todo mundo. Comigo foi até mais difícil, porque nem sempre tive oportunidade de ter um bom papel, mas, graças a Deus, encontrei autores maravilhosos, como Janete Clair, grande saudade, e Benedito Ruy Barbosa. Sou uma pessoa de sorte. Deus foi muito generoso comigo.
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Por: Leila Marco e Simone Barreto
A entrevista está disponível na revista BOA VONTADE (237). Adquira seu exemplar pelo telefone 0300 10 07 940 ou baixe o aplicativo gratuito da revista para iOS e Android.





