Água segura para todos

15/03/2014 às 14h42 - sábado | Atualizado em 06/06/2015 às 15h40

Por: Marco Antonio Palermo*


Dr. Marco Palermo.

Estima-se que o Brasil possua 12% das reservas de água doce disponíveis no planeta. Entretanto, esses recursos são distribuídos desigualmente, com 70% concentrados na bacia Amazônica, que compreende 63% do território nacional, mas possui apenas 5% da população do país. O Nordeste semiárido, incluindo a maior parte da bacia hidrográfica do rio São Francisco, que representa cerca de 8% do território brasileiro e abriga 35% de nossa população, dispõe apenas de 4% dos recursos hídricos disponíveis. 

Nas regiões Sul e Sudeste, onde se concentram 60% da população brasileira, encontram-se grandes centros urbanos. Aí se processou vigoroso desenvolvimento industrial a partir de meados da década de 1930, o qual provocou ao longo do tempo escassez de recursos hídricos e importantes conflitos pelo uso da água. 

A busca pela garantia de água segura, em termos de quantidade e qualidade, foi um objetivo persistente da sociedade brasileira ao longo das décadas de 1940-70. Nesse período, o Brasil se transformou: deixou de ser rural para se tornar um país onde a maior parte da população passou a viver nas cidades. 

A geração e distribuição de energia elétrica e o abastecimento público foram os principais focos da administração pública até o fim dos anos 1970. Ao longo de algumas décadas foram estabelecidos novos mecanismos institucionais de gestão dos setores de energia elétrica e de saneamento, propiciando evolução indispensável à manutenção de qualidade de vida compatível com o padrão de desenvolvimento que alçou o Brasil à condição de uma das maiores economias do planeta.

Durante os anos 1980 o Brasil passou por um período de reformulação política e institucional. O setor de recursos hídricos atingiu importantes conquistas, com a introdução — na nova Constituição Federal e nas dos Estados — de princípios como o do gerenciamento integrado dos recursos hídricos e dos decorrentes instrumentos de gestão.

Chegamos ao início dos anos 1990 com um novo contexto regulatório multidisciplinar para gerir os recursos hídricos. O gerenciamento integrado previa a intervenção, por bacias hidrográficas, de maneira descentralizada e participativa. Nele, usuários e instituições governamentais, de forma paritária, passaram a formular as políticas de aproveitamento dos recursos hídricos, considerando metas advindas de planos de bacias aprovados por colegiados denominados Comitês de Bacias Hidrográficas e Conselhos de Recursos Hídricos. 

A Agenda 21, o principal resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92), ratificou essa necessidade de reforma da gestão hídrica. No capítulo 18 do referido documento pode-se ler: "(...) O manejo holístico da água doce como um recurso finito e vulnerável e a integração de planos e programas hídricos setoriais aos planos econômicos e sociais nacionais são medidas de importância fundamental para a década de 1990 e o futuro". No mesmo capítulo, encontra-se ainda: "O manejo integrado dos recursos hídricos baseia-se na percepção da água como parte integrante do ecossistema, um recurso natural e bem econômico e social cujas quantidade e qualidade determinam a natureza de sua utilização".

Na ocasião da Eco-92, o Brasil apresentou-se na vanguarda da gestão hídrica. Seu modelo de gerenciamento, já concebido e em fase inicial de implantação, mostrou-se em perfeita consonância com os princípios emanados da conferência. Um dos reflexos dessa posição foi o excelente resultado alcançado por nosso país na captação de recursos dos países mais desenvolvidos para recuperação ambiental de áreas muito poluídas, como o rio Tietê e a baía da Guanabara, nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente; são projetos que se desenvolvem até a presente data.

Passada a conferência, nosso país prosseguiu no aprimoramento de instrumentos de gestão hídrica. A "Lei das Águas" (Lei 9.433/97) adotou os princípios gerais recomendados em diversos documentos que sintetizam a experiência internacional para a gestão dos recursos hídricos, além de criar meios básicos para sua efetiva implantação. 

Em seguida, com a criação da Agência Nacional de Águas (ANA), em 2000, deu-se um passo importante: a implantação, por parte dos governos federal e estaduais, de projetos para tornar realidade o paradigma da água segura para todos, principalmente pelo equilíbrio entre investimentos em infraestrutura e atividades de fomento ao desenvolvimento ou consolidação dos marcos legal e institucional para gestão e uso eficiente dos recursos hídricos. 

A conferência Rio+20, da ONU, é a oportunidade ideal para estabelecer um balanço das ações de todos em busca da melhoria ambiental, em particular dos recursos hídricos. Nosso histórico de evolução tem sido permanente e eficaz ao longo destes últimos 20 anos. 
É notável a conscientização social sobre a necessidade de se atuar de forma cada vez mais integrada sobre o gerenciamento ambiental. 

Atualmente, não discutimos apenas a segurança hídrica, mas igualmente a segurança ambiental como um todo. Problemas como o das águas urbanas e das águas internacionais não mais se restringem ao círculo de especialistas, permeando progressivamente a sociedade.

Água em quantidade e qualidade para todas as pessoas não pode estar dissociada da preservação ambiental dos mananciais, do controle e tratamento dos efluentes, da correta disposição e tratamento dos resíduos sólidos e da eficiente drenagem urbana. 

O futuro da consolidação dos princípios de gerenciamento dos recursos hídricos requer cada vez mais parcerias entre as pessoas, as instituições e os países. Esse tipo de parceria, marcado por enormes desafios e pela necessidade de avanços constantes, precisa continuar estreitando-se, progredindo na direção de soluções para os problemas que ameaçam o meio ambiente.
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*Marco Antonio Palermo é doutor em Engenharia de Recursos Hídricos e mestre em Engenharia Hidráulica e Sanitária, pela Escola Politécnica da USP; engenheiro hidrólogo, pelo International Institute for Hydraulic and Environmental Engineering, Delft, Países Baixos; e consultor de instituições públicas e privadas como ANA (Agência Nacional de Águas), LBV (Legião da Boa Vontade) e OEA (Organização dos Estados Americanos). É presidente do Instituto Pró-Ambiente (IPA) e da empresa Altamisa Engenharia e Comércio Ltda.