O que a proximidade da morte nos ensina

Em entrevista exclusiva, o neurocientista inglês Peter Fenwick traz as conclusões mais atuais de pesquisas científicas sobre o tema

Leila Marco e Josué Bertolin

05/05/2021 às 19h03 - quarta-feira | Atualizado em 05/05/2021 às 19h54

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A entrevista a seguir consta na edição nº 259 da revista BOA VONTADE. Clique aqui para conhecer a publicação.

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O neurocientista Peter Fenwick é presidente da Horizon Research Foundation, organização que apoia a pesquisa em experiências de quase-morte. É também presidente da seção britânica da Associação Internacional para Estudos de Quase-Morte.

O neuropsiquiatra e neurofisiologista Peter Fenwick, professor sênior do Instituto de Psiquiatria do King’s College, em Londres, no Reino Unido, um dos mais conceituados cientistas na pesquisa relacionada às experiências de quase-morte (EQMs), concedeu entrevista exclusiva ao canal no YouTube do Fórum Mundial Espírito e Ciência (FMEC), da Legião da Boa Vontade (LBV).

No bate-papo, o dr. Peter, que se dedica a esse estudo há mais de três décadas, fala sobre mudanças que estão ocorrendo nessa área e exemplifica, de forma didática, as diferenças entre cérebro, mente e consciência, argumentando que essa última poderia sobreviver à morte corporal, sendo, portanto, mais do que apenas uma função do cérebro.

Ele também descreve o que observou em seu trabalho ao acompanhar aqueles que ultrapassaram o limiar da morte e que retornaram ao corpo material, além de explicar fenômenos como as experiências de fim de vida, a “lucidez terminal” e o “efeito não dual”. Boa leitura!

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BOA VONTADE — Agradecemos, professor, por conversar conosco e perguntamos, para iniciar, o que é a experiência de quase-morte?

Dr. Peter Fenwick — [Primeiro,] é um grande prazer, estou muito feliz por estar aqui com vocês da LBV. Experiência de quase-morte é o que alguém vivencia quando se aproxima da morte. Agora, todo esse campo está passando por uma transformação. (...) Hoje em dia, prefere-se chamá-la de “experiência de morte real”, o que é bem diferente, porque acontece quando alguém está prestes a morrer. O antigo termo abrangia diversas situações: experiências de medo da morte, que ocorre, por exemplo, quando alguém fica assustado durante um acidente de carro ou um parto e deixa o próprio corpo. Às vezes, é possível até ter uma experiência de quase-morte estando sentado em frente à lareira, apenas relaxando à noite. Por isso, elas são, de fato, bastante amplas.

Diego Ciusz

BV — O que caracteriza a experiência de morte real?

Dr. Peter Fenwick — Ela ocorre quando o coração de uma pessoa para e, durante cerca de 11 segundos, no eletroencefalograma (EEG) dela, aparece uma linha reta, que significa que, talvez, comece a deixar seu corpo, subir até o teto e observar o processo de reanimação. De lá, a pessoa pode descer por um túnel escuro, o que é algo bem interessante. Alguns o descrevem como se flutuassem na escuridão; outros, como que descendo por uma grande mangueira. Isso varia bastante. O que aparece em todos os relatos é que, no fim, há, na verdade, uma luz brilhante; conforme se caminha em sua direção, esses indivíduos sentem que essa luminosidade é composta por Amor e Compaixão e mal podem esperar para entrar nela. E a luz pode conversar com quem passa por essa experiência, dizer à pessoa algumas coisas. Se tiver uma experiência de quase-morte, lembre-se disto: você pode fazer perguntas à luz, obter informações. Depois disso, é possível entrar em uma espécie de jardim inglês. Acho que, para os brasileiros, é uma pena, porque não irão a um jardim brasileiro [risos]. E há riachos lindos, canteiros de flores... É muito bonito. Ao caminhar pelo jardim, pode-se encontrar familiares já falecidos, seres espirituais, e, talvez, eles se comuniquem com você; e se isso ocorrer, eles costumam dizer: “Sua hora ainda não chegou”, e você é mandado de volta. Cerca de 12% passarão por uma revisão da própria vida, que é totalmente fascinante, porque toda a sua existência é mostrada. E digamos: se entrou em uma briga agredindo alguém, ali você sente a dor que a pessoa vivenciou naquele momento. É possível ver todas as ações, mas quem as julga? Há um cara grandão lá, com um livro, dizendo: “Você não se saiu muito bem aqui?” Não, nada disso. O único que o julga é você mesmo, que sabe o que fez, que se sente responsável e, é claro, fica triste e, realmente, deseja ser perdoado.

Diego Ciusz

 

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BV — Essa experiência muda o indivíduo?

Dr. Peter Fenwick — Sim. Quem volta está diferente. Algo que descobrimos em vários casos é que essas pessoas se encontram na consciência não dual [estado maduro de consciência]. O que isso significa? Deixe-me dar um exemplo: você está agora na consciência dual. Existe você e o mundo externo, e os dois são iguais. Ou não. Você esteve agindo no mundo. E se eu perguntasse: “Você pode agir?” Você diria: “Não seja bobo, tenho agido toda a minha vida”. Mas, se estiver com a consciência não dual, então é diferente, porque o ser é um com o Universo, é um com tudo. De fato, começa a sentir que realmente faz parte da Divindade, do Universo. Isso pode ser confuso até que se acostume com esses sentimentos, depois de ter passado pela experiência de quase-morte há algum tempo.

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BV — Há vários anos, o senhor tem estudado as experiências de quase-morte pela perspectiva da neurociência. Como tem conduzido esse trabalho?

Dr. Peter Fenwick — Para começar, eu estava interessado em ver com quem elas ocorreram. No início desta entrevista, falamos sobre as experiências de quase-morte e as experiências reais de morte. Até então, era tudo experiência de quase-morte; conseguimos documentar todas as situações em que foram vivenciadas. Apenas 10% das pessoas as tiveram durante uma parada cardíaca; mulheres em parto representaram cerca de 10% também; em casos de acidentes eram um pouco maiores. E assim fomos descobrindo uma gama de situações da vida humana, até mesmo aquelas que não tinham nenhum gatilho para provocar uma EQM, elas simplesmente ocorriam. Agora, com a nova definição chamada de experiência de morte real, isso põe fim à confusão. Se você está em um acidente de carro, se assusta e tem uma experiência de quase-morte enquanto o carro está girando, mas nada acontece, isso é bem diferente de estar em uma UTI com o coração parando; e, se parar, é claro, morre, caso não seja reanimado. Elas certamente são diferentes no resultado, mas acho que, em termos do fenômeno em si, não!

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BV — O senhor escreveu o livro The Art of Dying [A arte de morrer]. O que pode contar sobre o que descobriu?

Dr. Peter Fenwick — Fizemos a pergunta: Supondo que tenhamos alguém que passou por uma experiência de quase-morte, isso realmente faz parte do processo da morte ou é algo totalmente separado? Pensamos em recorrer à literatura e saber o que os pacientes relatam quando vão morrer. Havia apenas três artigos, ninguém mais se interessou em publicar conteúdos sobre o assunto. (...) Por isso, realizamos nossos próprios experimentos e recebemos autorização para fazer perguntas sobre o processo da morte. Estávamos ainda no princípio, era o ano 2000, e o Comitê de Ética sugeriu: “Achamos que é um pouco cedo para fazerem esse tipo de pergunta aos próprios pacientes. Façam o estudo com os cuidadores. Perguntem a eles”. E foi maravilhoso, porque conseguimos informações que nunca havíamos obtido de outra forma. Descobrimos que existia uma grande lacuna entre a equipe médica, que não via nada acontecendo nos hospitais, e os enfermeiros, que sabiam, é claro, porque passavam o tempo todo com os pacientes. Os médicos apareciam, perguntavam: “Como você está?” e mudavam a medicação, e coisas do tipo, apenas. Eles acabam tendo uma visão médica geral, ao passo que os enfermeiros, na verdade, são os que avaliam e informam aos médicos exatamente o que ocorre com os pacientes. O resultado disso foi que conseguimos categorizar a maneira como as pessoas falecem, as coisas mais incríveis que acontecem. Quero que toda nossa audiência entenda que não precisa ter medo da morte. Não é algo assustador, não há demônios esperando com um forcado para espetá-lo, não é isso. Na verdade, o processo da morte é mais ou menos assim: alguns vão começar, não todos, a ter uma premonição de que irão falecer e como isso se dará. (...) Provavelmente, cerca de duas semanas antes de morrer, pode receber visitantes no leito de morte, que, geralmente, é um familiar. Analisamos cem visões, caso prefira chamá-las assim, e 25% eram de pais; 17% eram de figuras espirituais; 17% eram de outros membros da família, até você chegar ao fim. (...) É importante destacar: os visitantes do seu leito de morte, provavelmente, definirão por você a hora em que irá morrer. Eles dirão: “Voltaremos na terça-feira, e então você pode vir conosco”. Eles estão cuidando da pessoa de certa forma. Outro fato fascinante que ocorre na última semana: o paciente às vezes se dirige com o visitante do leito de morte, ou às vezes por conta própria, para uma área diferente, cheia de Amor e Luz. E adivinhe quem está lá? Alguns parentes já falecidos e Seres Espirituais. E é como se eles estivessem acostumando você ao que vai acontecer. Após isso, você volta ao hospital. E, então, ocorre essa transição do hospital para uma espécie de reino espiritual.

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BV — Há mais sinais, visões?

Dr. Peter Fenwick — Há o que é chamado de “lucidez terminal”. Deixe-me dar um exemplo: indivíduos que tinham demência (e esses são casos reais que vimos e ouvimos da equipe de abrigos de idosos), eles estão lá e não reconhecem a família há anos, estão apenas acamados. E, então, na “lucidez terminal”, acordam, sentam-se, cumprimentam a família, ou seja, reconhecem todo mundo, despedem-se deles e até conversam um pouco com eles. Sua fala também retorna, até que se deitam e morrem. Aí fica a pergunta: o que é isso? Do ponto de vista médico, é totalmente fascinante, porque sugere que o cérebro e a mente possam não ser os mesmos. O que o faz também perguntar: Como alguém que estava paralisado pode sentar-se na cama? Não se sabe. A última coisa é o que chamam de “coincidências no leito de morte”, em que a pessoa sai de onde está para dar um recado a alguém. E isso ocorre sempre no momento da morte. Todas as coincidências que colhemos aconteceram dentro de meia hora antes de o paciente morrer, e a maioria ocorreu há um ou dois minutos do falecimento; (...) é como se ele recebesse uma última oportunidade de se despedir de alguém.

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BV — Lembra-se de histórias de coincidências no leito de morte?

Dr. Peter Fenwick — Temos algumas interessantes, como de uma mãe que estava na Austrália, e o filho, que era marinheiro, no Reino Unido. Eis que ela acorda e vê o filho parado no pé da cama dela. Ele está todo molhado e vai se aproximando lentamente da mãe. Ela percebe que vai ganhando mais vida e não está mais ensopado. Ele é transfigurado pela luz e diz à sua mãe: “Estou bem. Por favor, não se preocupe”, e desaparece. Ela ligou para o Reino Unido assim que pôde, por conta da diferença do fuso horário, e descobriu que ele estava, de fato, em alto-mar no momento exato em que apareceu para ela. Ele havia se afogado. Há uma relação clara entre a pessoa que está morrendo e a que ela vai visitar, mas a escolha é feita por quem está morrendo. Você pode estar do outro lado do planeta. Isso é o que chamamos de “fenômeno não local”. Isso é interessante, pois significa que essa ligação que temos é tão profunda que atravessa Espaço e Tempo. E há todos esses fenômenos que ocorrem com a morte, que também são fascinantes. (...) Ouve animais uivando. O seu cachorro uivará, os gatos já não são tão sensíveis assim, eles tendem a correr de um lado para o outro, mas não miam como os cachorros uivam. (...) Mas e você? O que ocorrerá quando estiver morrendo? Estes dados são da teóloga, especialista em cuidados paliativos, Monika Renz, que trabalha em Zurique, na Suíça. Ela conduziu três ou quatro estudos com um grande número de pacientes, (...) ela coletou uma boa quantidade de dados sobre cada paciente, o que a permitiu categorizá-los em três níveis: pré-transição, transição e pós-transição. Ou seja, seria antes, durante e depois de eles partirem. Isso é o que toda a nossa audiência deve se lembrar, goste ou não, é importante abrir mão dos seus apegos, de todas aquelas rixas familiares, abra mão delas e ame a todos. Caso consiga isso, ao se aproximar da morte, entrará no processo de transição. Nesse momento, os mecanismos cerebrais que sustentam o sentimento do “eu”, as estruturas do ego, entram em colapso e começam a desaparecer. Você, então, perde a sensação do “eu”. E o que está acontecendo é que está se tornando não dual, ou seja, um com o Universo. E, assim, sua transição final é o Amor e a Luz, ao passo que adentra seus sentimentos e a consciência do Universo naquele estágio. (...) Mas você não pode ter medo durante o processo, porque isso só irá deixá-lo ansioso. E o que fazer para não ter medo? Quando você morrer, seja curioso; deixe claro para o Universo que gostaria que sua mãe viesse, e assim fará parte dos 25% que receberam a visita dos pais.

Diego Ciusz

BV — Em “Matéria também é Espírito”, o diretor-presidente da LBV, Paiva Netto, afirma que matéria e Espírito são essencialmente a mesma coisa, mas estão em diferentes estados de vibração e frequência. O que pensa a respeito disso?

Peter Fenwick — Acho que está corretíssimo. Acredito que mente, matéria e consciência são a mesma coisa, e gosto da ideia de dividi-las em diferentes níveis de vibração. É outra maneira de dizer que elas se manifestam de formas distintas, seja como matéria, como mente ou como consciência. Na verdade, tudo acaba sendo consciência.

 

BV — Com a pandemia, estão ocorrendo muitas mortes ao redor do mundo. Gostaria de trazer suas considerações finais sobre este momento?

Dr. Peter Fenwick — Essa é uma pergunta maravilhosa, tão sensível e bem colocada. Pensamos em todas aquelas pessoas que morreram sozinhas nos hospitais, sem ter a família por perto para segurar suas mãos e tranquilizá-las enquanto passavam pelo processo [da morte]. Se você olhar os dados, esses indivíduos provavelmente receberam um visitante no leito de morte que veio buscá-los. Acredito que os que sentem que essas pessoas tiveram uma morte solitária e assustadora não estão necessariamente certos, porque o processo da morte traz consigo seu próprio conforto, e isso é importante saber. Percebemos também que a pandemia nos tem ensinado o valor das outras pessoas; uma vez que estamos todos isolados e sozinhos, passamos a nos dar conta de que gostamos das pessoas, e não só isso, precisamos delas e as amamos. Na minha opinião, a mensagem dessa pandemia, que, de fato, nos aproximou como espécie, é a da compreensão do Amor por todos os seres humanos, e isso está sendo imposto a nós muito abruptamente.