Andrew Knoll apresenta as descobertas mais recentes sobre a evolução do Universo

Da redação

10/06/2022 às 07h45 - sexta-feira | Atualizado em 10/06/2022 às 09h04

Compreender como o Cosmos e tudo o que nele há se formaram é um fascínio para milhares de pessoas. Afinal de contas, alcançar a exatidão de como se deu esse processo pode impactar completamente as crenças e os valores da humanidade, da mesma forma o modo que ela mesma tem encarado o próprio futuro. Andrew Knoll, doutor em Geologia e professor de História Natural na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, é um dos principais estudiosos do assunto e, participando de recente roda de entrevistas, promovida pelo Fórum Mundial Espírito e Ciência (FMEC), da Legião da Boa Vontade, abordou fatos curiosos sobre o tema, fazendo importantes alertas.

“(...) Acho que temos uma boa ideia de como será nosso planeta daqui a 100 anos. E isso deveria nos deixar preocupados, porque vivemos em um tempo geologicamente incomum. A Terra está mudando em uma velocidade raramente observada nos registros geológicos. (...) Se não houver cautela de todos, o mundo no final deste século será muito diferente”, considerou Knoll.

Vale destacar que o fórum da LBV tem o objetivo de incentivar o diálogo fraterno e ecumênico entre as diversas áreas do saber acerca de assuntos relevantes para os povos. A seguir, os principais trechos desse bate-papo, transmitido pelo canal do FMEC no YouTube (www.youtube.com/forumespiritoeciencia). Para outras informações sobre essa iniciativa da LBV, acesse www.forumespiritoeciencia.org.

Boa leitura!

BOA VONTADE — Em seu mais recente livro, A Brief History of Earth (Uma Breve História da Terra, em tradução livre), publicado em 2021, o senhor fala da realidade de há 4 bilhões de anos, da formação do nosso planeta e do Sistema Solar. Como foi esse período?

Andrew Knoll é geólogo, planetologista, paleontólogo, escritor e professor de História Natural na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Faz parte da equipe científica da NASA para as missões a Marte. É membro da Academia Americana de Artes e Ciências e da Royal Society.

Andrew Knoll — Todas as possibilidades de vida, oceanos, atmosfera, continentes, resumem-se a como a Terra se formou e do que ela foi feita. E essa história tem início com o big bang, quando temos o Universo se expandindo de maneira rápida, constituído principalmente por íons de hidrogênio (H). Com o tempo, a grande arquiteta do Cosmos, a gravidade, começou a juntar partículas, as quais formaram a primeira geração de estrelas. No interior quente e denso das estrelas, vimos novos elementos formando-se. Obtivemos o hélio (He), o boro (B), essencialmente, o carbono (C). À medida que avançamos no tempo, e com estrelas maiores, todos os elementos da tabela periódica foram basicamente constituídos. E isso ocorre ao longo de bilhões de anos. Então, foi realmente há pouco mais de 4,5 bilhões de anos quando, mais uma vez, a gravidade fez uma nova estrela com materiais ao seu redor que se unem em planetas. E aí estamos nós.

BV — O Sol também é formado e criado nesse espaço e tempo com esses elementos iniciais?

Andrew Knoll — Sim. O Sol é composto majoritariamente por hidrogênio e hélio, e essa é a maior parte da massa do Sistema Solar. Portanto, à medida que a gravidade começa a juntar os materiais do nosso Sistema Solar, grande parte dela forma essa massa muito quente e densa, que é o Sol. Mas, felizmente para nós, existem partículas de poeira, gases congelados que formam um anel ou um disco ao redor desse sol inicial. E essa é a matéria da qual vêm todos os planetas. Temos a sorte de viver em um planeta formado com muito material rochoso denso, como também com água e gases. Estamos, de certa maneira, em um local ideal dentro do nosso Sistema Solar, onde a vida pode florescer.

BV — E a Lua? Como foi constituída?

Andrew Knoll — Alguns planetas do nosso Sistema Solar têm muitas luas. Nós temos apenas uma, que é grande. Há cerca de 30 ou 40 anos, alguém propôs que a Lua tenha surgido quando um objeto do tamanho de Marte colidiu com a Terra e muito material foi expelido para o espaço. Mas, novamente, por conta da gravidade, grande parte desse material se juntou, criando a Lua. Em resumo, ela tem sido nossa parceira desde o início, formada por uma colisão enorme que afetou tanto nós quanto a própria formação dela.

BV — Em seus trabalhos, o senhor fala que as rochas “contam” a nossa história. Pode nos falar mais a respeito?

Andrew Knoll — Gosto de dizer aos meus alunos que vivemos em um planeta que registra sua própria história, e ele o faz em rochas, principalmente as sedimentares: arenitos, calcários, folhelhos, que vão se acumulando ao longo do tempo. Quando surge uma dessas camadas, ela apresenta características físicas que nos falam sobre o tempo e o lugar em que se formou. Há “assinaturas químicas” e também “assinaturas biológicas”, que nos revelam o que estava ocorrendo ali. Se analisarmos metodicamente as rochas, camada por camada, desenvolveremos uma imagem de uma Terra que mudou fisicamente ao longo do tempo, que mudou quimicamente durante as eras no que diz respeito a coisas como o oxigênio.

BV — O senhor analisa o que chama de “microfósseis” e alguns “sinais químicos sutis”. O que são?

Andrew Knoll — Todos sabem sobre os dinossauros e outros fósseis de animais e plantas. Esses tipos de organismos, na verdade, vieram depois no processo evolutivo. Primeiro, começamos a ver animais cerca de 85% do caminho da história da vida, cuja fase mais longa e profunda é a microbiana. (...) E a boa notícia é que alguns desses microrganismos podem ser preservados como fósseis. É preciso um microscópio para vê-los, parte de sua química é preservada. Moléculas compostas por microrganismos, às vezes, são mantidas e nos falam sobre sua presença. Há algumas coisas simples como o carbono, que vêm de diversas formas. E certas atividades metabólicas de organismos, na verdade, imprimem uma assinatura diferente neles. Acontece que, mesmo quando olhamos para essas rochas de mais de, digamos, 600 milhões de anos, e não há esqueletos, não há rastros, ou traços, ou folhas, ou qualquer coisa assim, se observarmos com cuidado, há uma assinatura bem preservada desse mundo microbiano bem mais antigo.

BV — É verdade que já houve um tempo em que não existia oxigênio (O2) na Terra?

Andrew Knoll — Com certeza! É difícil para muitos de nós imaginar um mundo sem oxigênio, porque não duraríamos cinco minutos nele. Mas existem, ainda hoje, vários tipos de bactérias que vivem em ambientes onde não há O2, e algumas delas morrem com a presença desse gás. Quando interrogamos rochas de mais de 2,4 bilhões de anos, a química delas revela-nos que não havia O2. E isso significa que quase metade da história do nosso planeta foi sem ele. O primeiro bilhão de anos ou mais de evolução foi uma biota que existiu na ausência de oxigênio. As rochas revelam-nos claramente que, há cerca de 2,4 bilhões de anos, houve uma mudança no sistema. A atmosfera acumula talvez 1% ou 2% dos níveis de oxigênio atuais. E isso é o suficiente para que haja uma revolução biológica.

BV — O senhor participou de uma missão da NASA (National Aeronautics and Space Administration) em Marte e pôde verificar materiais rochosos desse planeta. As rochas de lá revelam algo sobre a Terra?

Andrew Knoll — Pela primeira vez usando astro móvel, pudemos analisar camadas de rochas sedimentares, assim como fazemos na Terra. E elas nos revelam que Marte tem sido um planeta bastante diferente da Terra durante a maior parte de sua história. Não há evidências de placas tectônicas, esse motor que torna a Terra tão dinâmica. Há pouquíssimo oxigênio, e isso provavelmente vem das próprias reações químicas. Então, de certa forma, quando olhamos para Marte e Vênus, nossos vizinhos mais próximos, as características deles indicam que o nosso orbe é muito distinto e, certamente, há coisas que temos em comum com outros planetas. Mas tudo o que torna a Terra habitável é, de fato, singular.

BV — Como é conectar tantas áreas do conhecimento humano, como a Biologia, a Química, a História, entre outras, para desvendar nossas origens?

Andrew Knoll — É assim que gosto de trabalhar. Sempre que você descobre algo em uma dessas áreas, surgem questões sobre outros setores. Não posso fazer toda a Ciência sozinho. Mas, se eu encontrar provas de alguma mudança biológica, adoraria saber se existe algo associado ao ambiente. Se vou fazer isso, não posso ser apenas um paleontólogo analisando fósseis; tenho que ser um químico e analisar as rochas. E essa tem sido, pelo menos para mim, uma maneira bem satisfatória de olhar para a Terra e a vida. Porque acredito sinceramente que não se pode entender uma dessas coisas sem associá-la a outras.

BV — Nesse longo período, surge o Homo sapiens. Existe uma correlação para o surgimento desse ser cognitivo que é único em nosso sistema?

Andrew Knoll — Existe. Aprendemos bastante sobre nossa própria ancestralidade nos últimos 30 ou 40 anos. Grande parte dela vem da África, há vários trabalhos sobre evolução e clima desenvolvidos nesse continente. Está bem claro que, há cerca de 6 ou 7 milhões de anos, nossa linhagem se separou de nossos parentes mais próximos, os chimpanzés. Com o tempo, nossos ancestrais ficaram cada vez mais parecidos conosco. Eles começaram a andar sobre duas pernas (bipedismo), o que nos torna únicos entre os grandes primatas. Eles começaram a mudar a anatomia do corpo, de modo que se tornaram menos dependentes de subir em árvores e mais aptos a andar. Os dentes mudaram de forma, indicando que a alimentação estava se transformando. Tudo isso aconteceu em uma África que está se tornando mais seca ao longo do tempo. E as pessoas discutem sobre como isso está impulsionando a evolução humana. Mas está bem claro que muitas das características que nos separam dos chimpanzés, por exemplo, realmente surgiram, pelo menos em parte, como adaptações a um mundo mais parecido com uma savana, em vez de um mundo florestal. E outra coisa interessante é que os humanos mais velhos no sentido de nossa própria espécie, Homo sapiens, têm cerca de 300 mil anos... Algo [significante] aconteceu. E podemos discutir sobre há cerca de 45 mil anos, porque naquela época começamos a ver pinturas rupestres incríveis — as mais antigas na Indonésia. Começamos a ver ferramentas novas e mais sofisticadas, assim como diferentes evidências de práticas sociais, funerais etc. Acredita-se que talvez seja quando a linguagem tenha surgido, porque ela passa a ser fundamental para os humanos. E é quase de tirar o fôlego ver o registro dos humanos antes de 45 mil anos e depois; porque, após esse período, começamos a caminhar mais rapidamente em direção à agricultura, às cidades e, mais recentemente, ao tipo de tecnologia que é nossa glória e nosso problema hoje.

BV — Podemos considerar que o tipo de vida na Terra é algo raro?

Andrew Knoll — É difícil para mim acreditar que as condições sob as quais a vida surgiu na Terra sejam únicas no Universo. Como sempre dizem, existem bilhões de estrelas. E o que aprendemos com a Astronomia nas últimas duas décadas é que a maioria das estrelas que podemos observar tem planetas. Deve haver bilhões de planetas por lá. E mesmo que as chances de qualquer um deles dar origem à vida sejam pequenas, quando se tem tantos assim, acho muito provável que haja alguma forma de vida em outro lugar. O problema é: como podemos provar que existem? Essa é uma questão técnica difícil.

BV — Existem grandes questões sobre as quais refletimos ao longo da nossa existência. Entre elas: “De onde viemos? O que estamos fazendo aqui? Para onde iremos?” O seu trabalho pode ajudar a responder a algumas dessas perguntas?

Andrew Knoll — Não sei como as coisas serão daqui a um milhão de anos. Por outro lado, acho que temos uma boa ideia de como será nosso planeta daqui a 100 anos. E isso deveria nos deixar preocupados, porque vivemos em um tempo geologicamente incomum. A Terra está mudando em uma velocidade raramente observada nos registros geológicos. E, quando observada, geralmente é um período em que muitas espécies se tornam extintas. Então, a boa notícia é que nós somos seres inteligentes e tecnologicamente experientes. Se quisermos mudar as coisas, podemos, mas, se não fizermos escolhas corretas, não apenas em nossas vidas pessoais, mas em âmbito governamental, acredito que nossos netos poderão viver em um mundo depauperado, no qual a mudança climática afetará tudo, desde a floresta tropical aos recifes, à agricultura. Se não houver cautela de todos, o mundo no final deste século será muito diferente.

BV — O que pode nos dizer sobre esse momento específico diante das mudanças ambientais da atualidade?

Andrew Knoll — Há várias coisas que podemos fazer como indivíduos. Nesse sentido, provavelmente, consigo pensar mais sobre a vida aqui nos Estados Unidos do que no Brasil, mas há semelhanças. Só de isolar minha casa de uma maneira diferente pode reduzir a energia necessária para aquecê-la ou resfriá-la; optar por comer alimentos cultivados localmente economiza os custos de energia do transporte; fazer escolhas sobre que tipo de carro você dirige, de aparelhos que utiliza, todas essas coisas ajudam. Há também ações que só podem ser feitas quando se tem apoio em grande escala do tipo que o governo pode oferecer. Acho que uma das coisas que prevejo será importante na próxima ou em duas décadas: já existem programas-piloto bem-sucedidos com tecnologia que pode remover o dióxido de carbono do ar. Eles são implementados apenas em uma pequena escala local, e são necessários trilhões de dólares para fazer isso em uma escala maior. Mas isso, na verdade, poderia reverter pelo menos um dos problemas causados pelos seres humanos, porque, como o público deve saber, mudanças como o aquecimento global alteram o pH dos oceanos. E elas ocorrem por causa do aumento do dióxido de carbono. E isso é, em grande parte, causado pela queima de combustíveis fósseis.

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BV — Agradecemos a entrevista, professor. Fique à vontade para deixar sua mensagem final aos nossos leitores.

Andrew Knoll — Espero que todos que estejam lendo minhas palavras busquem aprender mais sobre nosso planeta. O Brasil tem uma história geológica excepcional. E há cientistas muito bons no Brasil que estão trabalhando nessa história. Espero que as pessoas reflitam mais sobre as ações dos seres humanos, que não somos simples e pequenos agentes no sistema da Terra, mas somos agentes dominantes nesse sistema. E espero que, com uma melhor compreensão disso, todos nós, em todos os países, trabalhemos com afinco para garantir que nossos netos tenham um mundo com muitas das alegrias que temos hoje.