Arqueologia e as histórias da Bíblia

Pesquisador cita fatos e objetos que confirmam passagens de Jesus narradas em Seu Evangelho

Leilla Marco e Josué Bertolin

05/05/2022 às 07h36 - quinta-feira | Atualizado em 05/05/2022 às 09h57

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O entrevistado desta edição é o professor doutor Rodrigo Silva, arqueólogo, filósofo e teólogo, que, atualmente, leciona no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp) e é curador do Museu de Arqueologia Bíblica (MAB), do Unasp, além de apresentar o programa Evidências, da Rede Novo Tempo de Comunicação. O pesquisador tem se empenhado na análise de relatos bíblicos, buscando recuperar o ambiente histórico e a cultura dos povos antigos por meio de escavações e do estudo de documentos e objetos deixados por eles.

O trabalho, segundo o professor, reúne emoção e rigor científico, o que tem contribuído “não só para confirmar várias histórias que a Bíblia apresenta — e isso é fundamental para a Fé cristã —, como também ajuda a contextualizar o mundo no qual o Livro Sagrado foi escrito”.

No bate-papo, falou sobre suas experiências ao viajar à Terra Santa e de estar em Jerusalém, além de destacar outros autores que defendem a historicidade de Jesus Cristo. E concluiu falando de sua visita ao Templo da Boa Vontade (TBV), em Brasília/DF, onde ficou feliz em ver o painel “A Evolução da Humanidade”, localizado no Salão Nobre do monumento, e apreciar figuras fundadoras do movimento adventista ali representadas. “Eu já estive no Templo em forma de pirâmide e, ali, no subsolo, havia uma foto do Guilherme Miller, da Ellen White, que são também dois pioneiros da Igreja Adventista. Foi um grande prazer participar com vocês aqui e poder falar um pouquinho mais sobre a realidade histórica de Jesus de Nazaré”.

Rodrigo Silva, arqueólogo, filósofo e teólogo, professor no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp) e curador do Museu de Arqueologia Bíblica (MAB).

BOA VONTADE — Como é participar de escavações arqueológicas?
Rodrigo Silva — A primeira coisa é que escavação arqueológica não tem nada daquele brilhantismo do [personagem] Indiana Jones, com bombas explodindo aqui e pedras rolando, aquela ideia de estar em uma sala cheia de tesouros e você não pode levá-los, senão vem uma maldição. É um trabalho árduo, de sol a sol; já escavei com temperaturas beirando os 40 graus. Tem de ficar atento a minúsculos elementos ao escavar, às vezes do tamanho de um botão de camisa, mas que revelam grandes verdades. E o fato de saber que, em dois ou três mil anos, aquilo ali ficou sepultado e as suas mãos são as primeiras a tocar exerce um fascínio, a mente corre solta, principalmente em se tratando de história bíblica. Quando escavo alguma cerâmica do período da dominação romana de Jerusalém, da época de Cristo, fico pensando: quem usou pela última vez essa cerâmica? Será que foi alguém que conheceu pessoalmente Jesus de Nazaré? Ele viu um mundo que hoje eu só imagino. [Fazer esse trabalho] é como se pudesse, de certa forma, voltar na linha do tempo e tocar fisicamente o passado.

BV — Como foi a experiência de ir à Terra Santa e poder se ver naquele local, dialogando com seus estudos?
Rodrigo Silva —
Eu tenho que começar respondendo a essa pergunta do ponto de vista da emoção. (...) Quando o avião aterrissou, de madrugada, em Jerusalém, estava com o fuso horário bagunçado. Foi a primeira vez que tinha saído do país; estreei com o pé direito, pegando um voo com 12 horas de viagem até a Europa, mais umas quatro horas até lá, então o fuso horário estava “louquinho”. Mas, mesmo assim, ao chegar a Tel Aviv e pegar o caminho até Jerusalém, vi naquela madrugada a Cidade Velha, os muros, eu não aguentei, comecei a chorar. Sabe por quê? (...) Não pelo objeto de culto, respeito todas as crenças, mas sou um tanto avesso à questão de trazer pedra de Jerusalém, consagrada, como se aquilo tivesse um poder mágico maior, penso que o que dá realmente sacralidade é o Espírito atuando ali e não o objeto em si. (...) Por outro lado, eu também não podia ficar tão frio a ponto de esquecer aquele detalhe precioso, foi ali que Jesus esteve, há um significado maior. (...) Aqui não é uma idolatria, é uma lembrança de alguém que você ama. É assim que entendo Israel e o Oriente Médio desde o princípio, o local onde alguém que eu amo esteve, todas as histórias que vejo sobre Cristo. E aí vem o Rodrigo acadêmico. Quando escavo e vejo que essa história é mais real do que se possa imaginar (...), com fatos, pessoas e artefatos que me contam um passado que não tive contato pessoalmente, mas que posso ter acesso pela Arqueologia, é como se eu deixasse os mortos falarem, o passado falar e me contar a história que eles viram.

BV — Na abertura de seu livro Enciclopédia Histórica da Vida de Jesus, o senhor cita Bertrand Russell, que defendia a não existência do Cristo, o que parece ter sido uma motivação, uma inquietação para os seus estudos... Quais são as evidências do Cristo histórico? Ele realmente existiu?
Rodrigo Silva —
Bertrand Russell, ao mesmo tempo que nega a existência de Jesus, tem um livro, [chamado] Why I am not a Christian? (Por que eu não sou um cristão?), em que fala que os cristãos deviam parar de perder tempo com Cristo e se voltar para um personagem que realmente mudou a História: Pitágoras. Porém, academicamente, não há nenhuma comprovação histórica da existência de Pitágoras; até os historiadores da área de História, de Matemática, sabem que a chance de ele estar por detrás do teorema que leva o seu nome é mínima. Jesus realmente existiu! Essa questão do Cristo histórico e do Cristo da Fé foi um jargão criado pelo intelectualismo alemão, para mim hoje decadente, em que a escola de Tübingen, com autores como Bruno Bauer [1809-1882], Ferdinand Baur [1792-1860], [Friedrich August] von Holstein [1837-1909], Albert Schweitzer [1875-1965] e outros mais, queria dizer que há dois Cristos ou dois “Jesuses”, um histórico e um da Fé. O histórico é Aquele que existiu mesmo e que a gente não sabe quase nada sobre Ele, foi apenas um judeu como outro qualquer, que pregou uma revolução frustrada contra Roma e terminou crucificado, cujo corpo virou farinha em Israel. Agora, aquele Cristo que andou sobre as águas, que expulsou demônios, que ensinou as Bem-Aventuranças, que é o Redentor da humanidade, o Filho de Deus, isso é uma construção da Fé. Contudo, essa dicotomia não resiste aos fatos que nós temos. (...) Admito que se criou uma visão estereotipada e europeia de Jesus, muito eurocêntrica, clarinho, lourinho, de rosto magrinho, mãos alongadas, bastante ocidental, vestindo e falando coisas ocidentais... Criou-se um Cristo mitológico, que não é necessariamente aquele que existiu, é o dos credos, dos quadros... Nada contra a Arte, mas o problema é quando ela deixa de ser uma ilustração para se transformar em uma realidade. Esse Jesus não existiu, e, para piorar essa criação mitológica, há um antissemitismo forte durante toda a História, aquele preconceito arraigado contra judeus (...), um povo bastante discriminado durante a Idade Média. Depois veio o Hitler [1889-1945] com o nazismo, matando seis milhões de judeus, e o saldo negativo disso para a Teologia é grande. (...) Agora, quando a gente redescobre as Suas origens judaicas, muita coisa salta aos olhos. O Cristo tem mais autores circulares defendendo a Sua historicidade do que o contrário. Por exemplo, Tácito e Suetônio fazem menção a Ele.

BV — Quais outros autores falam em Jesus?
Rodrigo Silva —
Temos Flávio Josefo, que fez um texto tão forte a respeito de Cristo, que muitos chegaram a suspeitar e afirmar que ele não escreveu aquilo, que foi algum copista cristão que colocou aquela interpolação. Isso não procede, porque o texto desse historiador, com pequenas alterações, está em todos os manuscritos que temos dele, até de uma versão árabe, que diz: “Por esse tempo surgiu Jesus, homem santo, os profetas de Deus tinham um temor Dele, mas, por acusação de nossos líderes, Ele foi crucificado sob o pontificado de Pôncio Pilatos, porém aqueles que O tinham amado continuaram amando-O até o fim e não cessaram de dizer que depois de morto apareceu-lhes vivo”. Um pouco mais à frente, Josefo também falará que Cristo era “feitor de obras extraordinárias”. Então, temos aqui uma confirmação de que Jesus foi realmente alguém extraordinário, que era judeu, foi crucificado, e que já naquela época de Josefo falavam da Ressurreição Dele. Temos o Talmude, que fala: “Na véspera da Páscoa, penduraram, O crucificaram, e Yeshu Ha-Notzri...”, que parece ser uma referência clara a respeito de Jesus em uma tradição não cristã.

BV — Há outros artefatos que também demonstram a passagem do Divino Mestre pela Terra?
Rodrigo Silva —
Apenas para colocar um detalhe aqui: para o mundo da Arqueologia, os antigos manuscritos, como os de Suetônio, Tácito, Flávio Josefo, são também artefatos, mas, entendendo que a pergunta vai na linha do objeto em si, que artefatos a mais eu poderia citar? Bom, nós temos vários. Personagens ligados a Jesus. Na década de 1960, praticamente não tínhamos nenhum dado arqueológico, falando em termos de peça, que comprovasse a existência de um procurador romano, ou governo, prefeito romano na Judeia, chamado Pilatos. Só conseguimos comprovar a existência dele em 1963, quando encontraram na cidade de Cesareia Marítima uma pedra em segundo uso, com uma inscrição que em cima dizia: Tiberium, imperador Tibério, aí tem Pôncio, a última palavra Pilatos, bem escrito, “praefectos Yudee”, prefeito da Judeia. Essa peça provavelmente estava ali no lugar de exposição, mas durante uma quebra e reconstrução da cidade, eles a pegaram e a colocaram no segundo uso, em uma escada. Em 2019, alguém fez uma pesquisa microscópica sobre um anel de mais de 2.000 anos, que eles tinham encontrado no Herodium. Quando pegaram o anel, limparam-no e, somente agora, com a nova tecnologia, conseguiram ler o que estava escrito nele. Ali estava o nome Pilatos. Temos também alguns objetos em Israel, são chamados de ossuários. O que são eles? Um caixão de pedra onde se coloca os ossos da pessoa dentro do túmulo por mais ou menos um ano. E encontraram um ossuário em que estava escrito o nome de Caifás e também o nome de alguém da família de Simão Cireneu, e a Bíblia fala que Simão tinha dois filhos, Rufos e Alexandre. Acharam um túmulo de Alexandre de Cireneia, provavelmente o filho de Simão Cireneu. Sobre Herodes, o Grande, descobriram moedas, comprovações de que ele existiu. O Evangelho apresenta detalhes arquitetônicos da época, como em João, capítulo cinco. Ao descrever a cura que Jesus fez de um paralítico no tanque de Betesda, João cita a quantidade de pavilhões que havia no tanque de Betesda. Nós encontramos em Jerusalém, hoje, um tanque no mesmo formato. Há outros indícios a mais que poderiam ser citados, mas já é uma boa amostra.

BV — O Fórum Mundial Espírito e Ciência, da LBV, realizado a partir de 2000, promove um diálogo fraterno entre Ciência e Fé, de forma que caminhem juntas, como irmãs. Como vê esse trabalho?
Rodrigo Silva —
A primeira questão que buscaria para comentar a Espiritualidade, Deus e essa confluência entre Ciência e Religião seria a seguinte: de onde vieram todas as coisas? Vamos pensar um pouquinho sobre a existência. Parmênides já dizia que temos que pensar, “tudo o que existe é”. A frase pode parecer meio truncada, mas é uma das mais profundas provocações mentais que alguém já fez. Temos que parar para pensar nisto: o que significa estar aqui? Essa realidade que está em volta, será que ela é real ou é uma projeção? Já diz o velho ditado latino: “Ex nihilo nihil fit”, "Do nada, nada se faz”. Aí eu vou para a Ciência, que já tem certeza de que o Universo começou. Se existe um Universo que teve começo, de onde ele veio? Sou obrigado a crer que 0 + 0 = 1, o que foge à lógica de qualquer raciocínio lógico-matemático ou mesmo acreditar que, antes do Universo, havia um Ser que produziu esse Universo. (...) O próprio [Albert] Einstein [1879-1955] mostrou que o tempo teve um começo. Sou obrigado a falar de Alguém que existia antes do Universo, que não era medido pelo tempo, pelo espaço, pelas contingências, Alguém que seria eterno, não necessariamente atemporal, mas intemporal, Alguém que não foi gerado por ninguém, senão Ele também precisaria de uma causa, esse Alguém gerou tudo que existe. E mais: Ele não apenas gerou e deixou ao léu, porque, com Einstein, com [Isaac] Newton [1643-1727], descubro que o Universo tem leis, tem energia; com o [John Broadus]  Watson [1878-1958], que o Universo tem informação,  DNA. Então, esse Ser é inteligente, colocou informação no DNA, como um livro. Carl Sagan [1934-1996] dizia: “O Cosmos é tudo o que existe, existiu ou existirá”, não há nada fora do Universo; se não há nada fora dele, onde é que está a lógica dele? Vocês percebem as minhas elucubrações filosóficas? Que é mais racional imaginar que há um Deus supremo que criou tudo. Os budistas falam que Deus é de um jeito, os xintoístas dizem que é de outro e assim por diante, o Islã, os cristãos... Até conto aquela historinha, que esse Deus, se existisse, seria como um elefante apalpado por cegos, em que cada um pegava uma parte do elefante, como a tromba, e achava que era uma grande cobra; outro segurava a barriga e dizia que era um teto, uma laje; o outro, a perna do animal e afirmava que era uma coluna... Quer dizer, está todo mundo errado, só que quem conta essa história se esquece de um detalhe: ele sabe que é um elefante e que os cegos estão errados. Então, você não pode cair no agnosticismo. Essa própria história mostra que, ainda que haja os equívocos, Deus não é aquilo que muita gente está falando. Eu vou por meio da Arqueologia verificar se a história que a Bíblia apresenta é verdadeira. A Teologia também pesquisa a Revelação de Deus dada aos homens; são caminhos que levam a trabalhar Fé e Religião; Ciência, Fé e Razão, não como coisas dicotômicas, água e óleo, mas como princípios em harmonia.

BV — Como conhecer mais sobre Jesus, estudar a Sua mensagem universal, fraterna, que representa um sentimento de Paz e de Esperança, para enfrentar estes dias tão difíceis de pandemia?
Rodrigo Silva —
C. S. Lewis [1898-1963] dizia que você pode rejeitá-Lo, pode cuspir Nele, pode até pedir a crucificação Dele, mas não tem como negar que foi Alguém de vida extraordinária, muito mais do que extraordinária, e eu digo a você o porquê. Milagres tem gente fazendo no mundo, alguns verdadeiros, outros falsos, alguns de Origem Divina, outros indo por espíritos das trevas, que operam milagres para enganar. Mas Jesus tem algo que ninguém mais tem: Ele foi o único que disse poder perdoar pecados. (...) Em outras palavras: é Deus, porque, independentemente se eu estou pecando contra a Natureza, contra mim mesmo, contra meu irmão, meu pai, minha vizinha, em última instância estou pecando contra Deus. Então, o Cristo falou: “Estão perdoados os teus pecados”. (...) Para ensinar coisas tão formidáveis e dizer que era Deus, só posso atribuir a Ele três possibilidades: Ou era um mentiroso, porque dizia ser Deus; ou um lunático; ou ainda era realmente o Filho do Pai Celestial. Bom, para ser lunático, eu acho que falou e modificou demais a vida para produzir conteúdo típico de um lunático. Seria mentiroso? Não temos nenhuma prova de que mentiu. As evidências do que falou estão aí até hoje. Então, só me sobra a terceira. Ele é o Filho de Deus e mudou a minha vida e mudará a de qualquer um que abraçá-Lo, que tocá-Lo, que for voluntariamente até Ele, sem nenhuma cobrança, e deixar que Ele faça a Obra.