Exclusivo: Tite fala à Super Rede Boa Vontade de Rádio nos 20 anos do Momento Esportivo

Na oportunidade, o técnico comentou sobre os seus objetivos para o futuro, fez um balanço sobre a Copa do Mundo de 2018 e trouxe as perspectivas para a Copa América e a Copa do Mundo de 2022.

Da redação

02/01/2019 às 12h00 - quarta-feira | Atualizado em 04/01/2019 às 12h23

André Gonçalves
Tite entre os jornalistas Marcelo Figueiredo (E) e Leonardo Baran (D), do Momento Esportivo, da Super Rede Boa Vontade de Rádio

A Super Rede Boa Vontade de Rádio entrevistou, em comemoração ao 20º aniversário do programa Momento Esportivo, da Super Rádio Brasil (940 AM), emissora da Rede Boa Vontade na capital fluminense, o ex-futebolista e treinador da Seleção Brasileira de Futebol Adenor Leonardo Bachi, mais conhecido como Tite. Na oportunidade, o técnico comentou sobre os seus planos para o futuro, fez uma avaliação da Copa do Mundo de 2018, na Rússia, e as perspectivas da Copa América e da Copa do Mundo no Catar, que ocorrerá em 2022. A entrevista exclusiva foi feita pelos jornalistas Marcelo Figueiredo e Leonardo Baran.

André Gonçalves
O ex-futebolista e treinador da Seleção Brasileira de Futebol Adenor Leonardo Bachi, mais conhecido como Tite.

Momento Esportivo: Tite, muito obrigado por estar no Programa de 20 anos do Momento Esportivo, idealizado pelo jornalista, radialista e escritor José de Paiva Netto. O repórter Leonardo Baran, que cobre a seleção para Super Rede Boa Vontade de Rádio, desde 2004, também participa conosco.
Tite: Parabéns pelos 20 anos do Momento Esportivo e a gente sabe o quanto é importante passar para o ouvinte e o aficionado do futebol alguma forma de contribuir falando um pouquinho do Tite, do Adenor, divagar sobre futebol e tentar contribuir nesses 20 anos.

Momento Esportivo: Como o Adenor lida com o Tite?
Tite: Eu cuido muito para que o Tite personagem não engula a pessoa Adenor. Tenho muito cuidado com os meus princípios e educação, mas o personagem Tite é sempre secundário ao Adenor. Os íntimos e familiares me chamam de "Ad".

Momento Esportivo: O novo Presidente da República acabou de tomar posse. Em 2017, você era "cotado" para [o cargo]. Na Copa, foi questionado como qualquer técnico e, pós-Copa, foi tido como injusto por desfalcar um time e não chamar de outro. Onde você se sente mais incomodado nas análises?
Tite: Fico confortável [com as] críticas e elogios por meus erros e virtudes como qualquer ser humano. Trabalho faz 30 anos no futebol e tenho minhas visões político-sociais, mas não é meu viés ser político. Em 2017, era mais uma brincadeira da imprensa essa história de presidente.

Momento Esportivo: Diferencia em lidar com a imprensa no clube e na seleção, assim como com os atletas?
Tite: É desafiador e tive que me reinventar. Acompanho jogos em vídeo e ao vivo, onde realmente se sente a partida. Converso com técnicos, comissões e atletas. A prática é que dá a confiança dos jogadores para com o treinador; é um processo de erros e ajustes. Penso nos clubes, mas sem prejudicar a seleção.

Momento Esportivo: No Réveillon 2018, imagino que você passou pensando em Copa do Mundo; e agora pensa na Copa América, ainda mais sendo no Brasil?
Tite: Pensando somente em termos de futebol, sim! Ser no Brasil dá mais peso? Sim! Maracanã é o maior templo do futebol.

Momento Esportivo: Seria justo sair da seleção caso não faça boa Copa América? 
Tite: Isso é um pouco de utopia e faz parte, que bom que o ser humano pode sonhar um pouco. Não sou falso modesto e nem me faço de coitadinho. A busca do crescimento sempre haverá mesmo com erros, porque sou ser humano. Mas futebol é visceral e, quando se perde muitas vezes, sai. Ainda há esse dilema e essa realidade por parte dos dirigentes. A intenção é até mudar, mas ainda há. Por mim teria feito os 4 anos inteiros, mas 6 [anos] de repente também pode até ser demais. Eu quero, sim, estar no Catar e luto por isso, mas afirmo que farei a transição e cito Thiago Silva e o Miranda como excelentes na zaga durante a Copa da Rússia; mas pela idade o Marquinhos já se firmou e jogou todos os amistosos inteiros pós-Copa. Não penso só na Copa América, já penso na Copa do Mundo do Catar em 2022.

Momento Esportivo: Tite, para entender melhor o Adenor, vamos falar de "dor". O que mais doeu e tirou seu sono: você meia pelo Guarani com o vice-campeonato brasileiro de 1986 ou como técnico do Corinthians tendo Ronaldo e Roberto Carlos e sendo eliminado pelo Tolima da Colômbia na pré-Libertadores?
Tite: O campeonato brasileiro como atleta foi o que mais doeu e nada se compara a emoção do jogador. Sempre sonhei jogando futebol. Talvez um psicólogo explique. Fui jogador médio para bom, não de alto nível; e, infelizmente, meus joelhos não permitiram maior longevidade e parei aos 27 anos. Eu sou, após estudar muito, melhor técnico do que fui atleta. E fiquei 1 ano invicto enquanto estudava. A decisão, perdendo nos pênaltis para o São Paulo após prorrogação e gol sofrido no último minuto, doeu mais. Voltei com minha esposa num voyage, 17 horas guiando direto ao lado da Rosmari, saindo 4h30 da manhã de Campinas para Caxias, no Rio Grande do Sul. Não queria ver ninguém. Foi decepcionante, mas Guarani e São Paulo eram 2 timaços.

Momento Esportivo: Tite, você consegue ser 100% científico ou de vez em quando se deixa levar pelo folclore, tipo Palmeiras e Deyverson?
Tite: Futebol é também de feeling, sensibilidade diária. Às vezes, é preciso dar tempo ao atleta. O clube te dá mais base do que a seleção pela observação que tens. Lembro o título brasileiro pelo Corinthians em 2015, São Januário, e de repente reparo que muitos experientes estavam no banco e jovens em campo. Joga quem estiver melhor e não necessariamente quem é melhor.

Momento Esportivo: Na Libertadores e Mundial você tinha no mínimo 13 jogadores "super mega hiper" experientes. Como é lidar com esse pessoal?
Tite: A comissão técnica tem muita importância para a metodologia dos treinamentos e do trato diário, mas cada grupo tem também uma característica. Meu tom nas palestras sempre foi alto, direto e desafiador. Só grife e nome, do técnico e jogadores, não ganham. É preciso ter desempenho e sempre desafiar. Sempre e a cada jogo. Passou esse elenco e aí veio 2015, com outro perfil de elenco e comissão técnica. E aí tive que ser mais professoral e didático, já que havia mais jovens. Continuei desafiando e me alertaram que a linguagem, até corporal, tinha que ser ajustada [para] eu passar mais calma nas abordagens. Esse time do Corinthians acabou sendo o mais bonito e efetivo sob meu comando.

Momento Esportivo: Você teve que adaptar o tom e a linguagem corporal para comandar a seleção, já que lida com jogadores de diferentes experiências profissionais no exterior? Isso o preocupou?
Tite: Claro que sim e a primeira atitude foi numa reunião na sala da CBF, onde eu disse para a comissão técnica que qualquer orientação deveria ser passada para mim, porque qualquer informação errada seria mico. E cito orientações que dei em bola parada. Fui questionado e dei exemplos de lances que aconteceram em campo. É o nosso trabalho e desafio. A abordagem é essa e sempre com conhecimento. Tem que ser bom caráter e ter conhecimento, caso contrário não te respeitam. Tens que ser linear, mas não arrogante.

Momento Esportivo: Você se vê preparado hoje para qualquer time top na Europa?
Tite: Eu estou no cume da montanha e nada é maior do que ser técnico da seleção do seu país e saber que está todo mundo no mesmo barco. Copa do Mundo te emociona. É extraordinária. E torcedor exige mais da seleção, quer resultado e qualidade, no clube o torcedor é mais passional e quer ganhar. Eu nem sei se mereço estar em 2 Copas do Mundo, tantos mereceriam ter esse meu sentimento vivenciado no Mundial. Eu sempre ambicionei ser técnico, não sou falso humilde, quero ir ao Catar e sempre fui honesto, mas um momento ímpar estar numa Copa pelo seu país. Depois tudo será menos. Tive sondagem da Inter de Milão quando estava no Corinthians e de 3 times europeus quando já estava na seleção, mas nem deixei chegar. Depois a gente vê como será e, claro, passando também pelo aprimoramento no idioma. A diferença está em ser leal e correto ou não.

Momento Esportivo: Quais jogadores você gostaria de ter observado mais visando Copa América, sendo que ainda há 2 amistosos em março de 2019?
Tite: Everton Cebolinha, do Grêmio, e Paquetá, ex Flamengo, hoje no Milan. Tinha o direito de convocar, mas por bom senso tive que ser justo aos compromissos dos clubes. Admito que o Palmeiras, em tese, foi beneficiado e se passasse pelo Cruzeiro na Copa do Brasil eu carregaria esse peso. Everton teve o ano inteiro linear e Paquetá tem muita qualidade.

Momento Esportivo: Qual pôster você escolheria para sua sala aqui na CBF: a seleção de 82 ou 94?
Tite: A de 70 está numa escala acima. Mas escolheria a de 82. Tenho fascínio pelo meio campo com Zico, Sócrates, Falcão e Cerezo. É o suprassumo. É extraordinário. Mundo da bola foi injusto com Tele. O terceiro gol da Itália nasceu quando o time já era mais conservador. É uma injustiça a verdade que se criou, as marcas que ficaram, alguns clichês e mentiras que rotulam.

Momento Esportivo: Obrigado pela entrevista e tomara [que] voltemos a falar após você levantar a Copa América no Maracanã...

Tite: Vou voltar aos meus tempos de boleiro e na época se dizia que para ser fera tinha que jogar no Maracanã. Para ser técnico fera também tem que dirigir no Maracanã e quem sabe a gente consiga o objetivo. Obrigado.