Benefícios da inclusão

O aluno surdo na rede de ensino da LBV: uma visão além do intelecto

Suelí Periotto

06/03/2018 às 18h13 - terça-feira | Atualizado em 07/03/2018 às 20h24

Vivian R. Ferreira

A história de vida da aluna surda Maria Isabelle Anselmo mostra que a educação inclusiva é uma via de duas mãos. Graças à visão fraterna proposta pela escola da LBV, ela e seus colegas ouvintes venceram desafios no aprendizado e puderam discorrer sobre essas experiências na redação do Enem de 2017.

Vivian R. Ferreira
Suelí Periotto é supervisora da Pedagogia do Afeto e da Pedagogia do Cidadão Ecumênico e diretora do Instituto de Educação José de Paiva Netto, em São Paulo/SP. Doutora e mestra em Educação pela PUC-SP, também atua como conferencista.

Apesar de a Língua Brasileira de Sinais (Libras) não ser exigida como disciplina na matriz curricular da Educação Básica no Brasil, o Conjunto Educacional Boa Vontade, em São Paulo/SP, adota-a, há alguns anos, em sua matriz curricular diversificada para os alunos da Educação Infantil, a partir do Maternal II (3 anos) e do 1o ao 5o ano do Ensino Fundamental. Em 2017, a iniciativa foi estendida aos estudantes do Ensino Médio, por meio de um curso extracurricular do idioma, a fim de ampliar a socialização entre os educandos surdos e os ouvintes, de acordo com a linha educacional da Legião da Boa Vontade (veja o infográfico na p. 27), que direciona seus esforços com vista a uma sociedade solidária, justa e inclusiva.

Vale observar que em nosso país a obrigatoriedade*, por lei, do ensino desse idioma é estabelecida apenas nos cursos de formação de profissionais de Fonoaudiologia e de professores para o exercício do magistério. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país tem cerca de 10 milhões de surdos, ou seja, 5% da população, dos quais quase um milhão é constituído de crianças e jovens até os 19 anos.

Ao longo da trajetória do trabalho da LBV com alunos surdos, muitos têm sido os frutos, que enriquecem a vida de educadores e de educandos, dentre os quais ressaltamos aqui a experiência vivenciada pelos jovens da 3a série do Ensino Médio do referido estabelecimento de ensino ao se deparar com o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), edição 2017: “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”. O fato de conviverem com estudantes surdos no colégio, em especial com Maria Isabelle Anselmo, de 18 anos — que concluía, como eles, a Educação Básica —, foi muito importante na hora de desenvolverem o assunto proposto pelo Ministério da Educação (MEC). Os comentários dos alunos da LBV após o Enem evidenciaram a excelente perspectiva para eles do bom resultado da composição, pelo motivo de terem tido a oportunidade de relacionar-se com essa colega durante o tempo de estudo e de observar todo o suporte recebido por ela na unidade de ensino da Instituição, incluindo a presença de intérprete, a exibição de vídeos legendados (para melhor aproveitamento destes) e outras ações relevantes no caminho acadêmico de quem não ouve.

“Pensar com o coração e sentir com a mente”

O sucesso dos estudantes da Legião da Boa Vontade na redação do mencionado exame foi possível graças à conceituação e vivência da Pedagogia do Cidadão Ecumênico (aplicada nos planejamentos dos educandos a partir dos 11 anos), que, com a Pedagogia do Afeto (destinada a crianças de até os 10 anos), compõe a linha educacional concebida pelo diretor-presidente da LBV, o jornalista e educador José de Paiva Netto. Com uma proposta inovadora, essa pedagogia busca sensibilizar os alunos quanto às questões que dizem respeito a eles e às pessoas com as quais convivem, principalmente àquelas que requerem maior empatia.

O dirigente da Instituição explica em seu livro É Urgente Reeducar!, ao falar sobre o indivíduo e as características únicas e, ao mesmo tempo, abrangentes deste: “O Capital de Deus, o Cidadão Espiritual, deve pensar com o coração e sentir com a mente; elevar-se da inteligência à Sabedoria, para construir a Sociedade realmente Solidária Altruística Ecumê­nica; considerar, por exemplo, que, se não houver supremo respeito ao maior produtor (o ser humano) e ao maior consumidor (também o ser humano), o mercado, como hoje é estabelecido, poderá levar a breca”. Na prática educacional da LBV, que leva em conta esse raciocínio, fica clara a necessidade de a inclusão ocorrer para além das limitações físicas. Daí o estudante ser continuamente mobilizado acerca do respeito que merecem todas as pessoas, com ou sem particularidades visíveis especiais. Para tanto, além de oferecer aos alunos um novo idioma, a Libras — que soma à bagagem intelectual deles excelente possibilidade de educação bilíngue —, a linha pedagógica da Organização compreende uma matriz curricular ampla e com disciplinas diferenciadas, que se aliam aos conteúdos das matérias de ciências humanas e exatas, a fim de lhes agregar valores de Cidadania Ecumênica.

Nessa vanguardeira proposta educacional, destaca-se a preocupação com a formação integral do indivíduo, unindo “cérebro e coração” — como define o criador da referida linha —, a fim de que a aprendizagem não ocorra somente no âmbito do intelecto, mas, concomitantemente e sobretudo, no dos sentimentos e das emoções. De acordo com essa visão de Educação com Espiritualidade Ecumênica, o convívio entre individualidades diferentes, que naturalmente apresenta desafios, é sempre valioso, sendo, por isso, direcionado pelos educadores com o propósito de tornar a inclusão uma forma espontânea de convivência entre os estudantes.

Helen Winkler

Temos visto que, para isso ser produtivo e real, basta o incentivo desde a mais tenra idade, quando a menina e o menino já trazem naturalmente um modo inclusivo de ser, a todos abraçando e acolhendo de maneira aberta. Com o olhar atento de mediação da família e da instituição escolar, a relação de respeito entre os que integram o ambiente acadêmico pode ser norteadora e marcar nos educandos o forte desejo de quebrar barreiras que possam surgir no dia a dia, para além dos muros do colégio.

A própria Maria Isabelle, que citamos anteriormente, afirmou a nós, professores, ter levado da escola da LBV as mais positivas impressões do companheirismo e do apreço obtidas dos colegas, acrescentadas às inúmeras lembranças de um ambiente onde consolidou amizades. Após realizar a prova do Enem, a jovem relatou-nos a facilidade e o contentamento que sentiu em poder escrever sobre o tema proposto. Também nos contou das mensagens carinhosas recebidas dos amigos, que, depois de fazerem as respectivas redações, expressaram agradecimento pelo que conheceram sobre surdez em virtude do convívio de vários anos com ela e como isso resultou em aprendizado significativo para eles.

Maria Isabelle ainda rememorou uma aula, em 2016, da disciplina de Convivência, ministrada pela professora Aline Trevisan às turmas da 2a série do Ensino Médio, quando pôde expor as principais dificuldades enfrentadas por quem é surdo e quantas vezes os que não ouvem são postos à margem da sociedade, por causa de questões sociais, culturais e educacionais. Também conseguiu compartilhar com os colegas, naquela ocasião, como era a rotina de seus dias, especialmente no período que passava na escola: recheados de desafios, mas (ela fez questão de frisar) nos quais sempre encontrava o apoio dos profissionais da LBV e o dos companheiros de classe. Isso, em sua visão, fez toda a diferença para seu bom rendimento acadêmico e pessoal. O testemunho da aluna calou fundo na alma dos jovens que a escutaram.

Hoje, é certo que Maria Isabelle e os colegas dela, em nova jornada no Ensino Superior, levarão no coração essas vivências tão queridas e, consequentemente, se empenharão, sempre, a fim de que suas experiências e as dos que se aproximem deles sejam mais fraternas e harmoniosas.