Água poluída mata mais mulheres que Aids, câncer de mama e diabetes

Para saber mais sobre este alerta, o Portal Boa Vontade entrevistou o parasitologista Carlos Graeff Teixeira; confira.

Wellington Carvalho

20/03/2015 às 18h29 - sexta-feira | Atualizado em 22/09/2016 às 16h04

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Doenças transmitidas pela água poluída e pelo saneamento básico ruim representam a quinta maior causa de mortes de mulheres em todo mundo, matando mais que a Aids, o câncer de mama ou o diabetes. Quase 800 mil mulheres morrem anualmente por falta de acesso a banheiros seguros e água limpa, de acordo com a organização desenvolvimentista WaterAid, que analisou dados do Instituto de Métricas da Saúde, centro de estudos sediado na cidade norte-americana de Seattle.

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Dr. Carlos Graeff.

Provavelmente, a primeira pergunta que você tenha se feito ao ler o parágrafo acima foi: “Por quê?”. Para saber mais sobre este alerta, o Portal Boa Vontade entrevistou o parasitologista Carlos Graeff Teixeira, 58, que é professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), doutor em Medicina Tropical pela Fundação Oswaldo Cruz, além de ex-presidente da Sociedade Brasileira de Parasitologia.

Para entender a questão, Graeff aponta dois serviços essenciais que enfrentam problemas nos sistemas hídricos de muitos países: “O saneamento básico, que resume-se às residências dos cidadãos, e por outro lado o saneamento ambiental, a partir da atividade industrial e agrícola”.

O que acontece é que nem todas as pessoas do mundo contam com água potável nas torneiras de suas casas, ou nem mesmo banheiros. Sim, banheiros! A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que 780 milhões de pessoas no mundo não têm acesso a água potável e 2,5 bilhões são privadas de serviços de saneamento. Além disso, a água limpa de alguns lugares acaba sendo contaminada pela poluição de indústrias e produtores de alimentos.

E aí é que começamos a compreender por que as mulheres são mais vulneráveis. Mesmo com a frequente atenção da sociedade para a igualdade de gênero, muitas delas ainda são as únicas adminstradoras das atividades domésticas. Por conta disso, aqui no Brasil, por exemplo, “especialmente em regiões do Nordeste e do Sudeste, as mulheres precisam ir a algum córrego de água, exatamente por não terem o abastecimento adequado em casa, para lavar as roupas e realizar outras atividades do dia a dia”.

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GRÁVIDAS

No caso das gestantes, torna-se maior o risco de se contaminarem com as diversas substâncias tóxicas de águas poluídas, como informa o especialista: “Na gravidez, há uma relativa baixa da imunidade, que é um mecanismo de tolerância do novo ser que está sendo gerado no organismo. Então, esse período é outro momento crítico para a mulher”.

CRIANÇAS

E como boa parte delas não é somente de esposas e trabalhadoras, mas também mães, os filhos acabam sendo igualmente prejudicados pela falta de água adequada. “As crianças precisam acompanhar suas mães quando não têm com quem ficar, e vão brincar nesses rios, nesses riachos, e se contaminam então com a parasitose presente, como a esquistossomose, que causa a conhecida ‘barriga d’água’”, explica Graeff.

De acordo com o especialista, nos casos mais simples de agravo à saúde, “a ingestão de água contendo agentes infecciosos resulta em viroses do intestino, do trato digestivo, que se manifestam com diarreia — a segunda causa importante de doença e de morte no mundo ainda hoje, o que é extremamente grave”. Mas ressalta que “o que mais mata, na verdade, não são as infecções das quais os vírus são os principais agentes, mas [as complicações por] bactérias”.

PELA DIGNIDADE HUMANA...

Pelo mundo afora, o problema do acesso à água para consumo não vem de hoje. Há alguns anos, o Conselho de Direitos Humanos da ONU já havia afirmado que “o direito à água e saneamento está contido em tratados de direitos humanos em vigor, e que os Estados têm a responsabilidade primária de garantir a plena realização deste e de todos os outros direitos humanos básicos”.

Contudo, na opinião do dr. Carlos Graeff, é importante que apostemos em ações integradas. Portanto, que envolvam governos e populações. Para ele, “os cidadãos têm que estar unidos permanentemente, e igualmente mobilizados por meio de organizações da sociedade civil, da comunidade local, para exigirem toda a estrutura básica de vida que inclui a água e o saneamento”. E prossegue, esclarecendo: “Não só exigir, mas acompanhar, monitorar e controlar uma parte de tudo isso (...) Pelo menos para a habitação decente, a coleta de esgoto, água tratada nas suas torneiras, educação e saúde. Uma grande parte da solução dos problemas seria as pessoas se organizarem. Isso é fundamental”.

Nesse sentido de desenvolvimento social, o especialista aposta na colaboração feminina como decisiva para a concretização dos avanços. De acordo com ele, “as mulheres, as donas de casa especialmente, são uma força extraordinária de união e podem levar adiante as reivindicações por meio de organizações comunitárias. A mulher tem um papel importante”.

...E DO PLANETA

Ainda em sua entrevista, o parasitologista Carlos Graeff aproveitou para apresentar alguns comentários sobre a crise hídrica do Sistema Cantareira que os paulistanos têm enfrentado. Diante da criticidade a qual o evento chegou, o especialista cogita que “a crise hídrica certamente é uma ocasião para enfrentarmos situações muito perigosas, e até mesmo desconhecidas ainda”.

Entretanto, pondera que “crises são oportunidades de repensar e refazer toda a nossa visão de mundo, na qual o ser humano, muito presunçosamente, acha que pode fazer o que quiser com a Natureza. Não é assim. Quem continuar pensando desta maneira, aprenderá, mais cedo ou mais tarde, que não dá para ser desta forma. É necessário conservar os recursos hídricos, poupar, reusar a água”.