Japiassu, Janistraquis e boas histórias

Confira a entrevista do jornalista e escritor Moacir Japiassu (in memoriam) à revista BOA VONTADE

Rodrigo de Oliveira

05/11/2015 às 10h17 - quinta-feira | Atualizado em 22/09/2016 às 16h05

Vivian R. Ferreira
Moacir Japiassu e Rodrigo de Oliveira durante o programa Boa Vontade Entrevista, da Boa Vontade TV (canal 20 da SKY e 212 da Oi TV).

Em homenagem ao Espírito Eterno do saudoso jornalista e escritor Moacir Japiassu (1942-2015), apresentamos entrevista que ele concedeu à revista BOA VONTADE, publicada na edição nº 220, de 2007. Boa leitura!

                                                                      

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Um descontraído bate-papo de 30 minutos com o veterano jornalista Moacir Japiassu significa ouvir boas histórias e a garantia de aprender e dar boas risadas com elas. E não foi nada diferente nesta entrevista exclusiva. 

Antes de levar sua colaboração intelectual ao 1º Salão Nacional do Jornalista Escritor do falou à nossa equipe sobre aquilo que tirou de melhor no auge dos 65 anos de uma vida dedicada ao jornalismo, profissão pela qual se apaixonou graças ao incentivo do irmão.

A entrevista nem mesmo havia começado a ser gravada e o jornalista logo disparou: "Esqueci meus óculos de entrevista!", exclamou, referindo-se ao tradicional objeto sem as lentes com o qual sempre se apresenta. E complementou: "Os óculos são de mentira, mas, de fato, não os esqueci. É que para dar entrevista à Legião da Boa Vontade é preciso usar óculos de verdade, não de mentira".

Narrou fatos de sua história pessoal, como a incursão no jornalismo, e falou dos projetos aos quais se dedica atualmente, a exemplo da famosa coluna “Jornal da ImprenÇa” (no portal www.comunique-se.com.br), em que, com o uso da sátira, critica os erros de gramática e estilo dos textos jornalísticos, fazendo desse canal um meio de aprendizado para os aspirantes à profissão. 

BOA VONTADE — Podemos começar falando de sua vida no Nordeste, ainda menino. Como foi a mudança do sertão para a Região Sudeste?

Moacir Japiassu — Para você ter uma idéia dessa aventura, ela foi tão traumatizante que até hoje não me recuperei (risos). Eu estou fora da Paraíba, onde nasci, desde dezembro de 1956. Quer dizer, agora em dezembro estará fazendo 51 anos. Meu pai (Severino Lins Falcão) era funcionário público do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) e, em 1956, o chefe dele, em João Pessoa/PB, foi convidado a comandar um escritório no norte de Minas — afinal, essa região também padece muito com as secas e está incluída no chamado polígono das secas — para desenvolver vários projetos, novos açudes. E ele, que se chamava dr. Manuel Martins de Athayde, amigo de meu pai e que gostava muito do velho, convidou-o a vir a Montes Claros/MG, que era sede do projeto. O velho ficou meio assustado, porque é sertanejo, tem medo dessas aventuras repentinas. Ele tentou dizer não, mas antes conversou com a minha mãe: “Neusa, o dr. Athayde me fez esse convite, olhe só que absurdo!” Aí a velha disse: “Não tem esse negócio de absurdo, não! Vamos, sim!” O velho tomou aquele susto. Como minha mãe mandava realmente em casa — casa de cabra macho é assim: quem manda é a mulher —, aí num instante eles se resolveram; vieram para cá e eu vim junto. Foi essa a aventura!

BV — Logo que chegou, como foi a adaptação? Algum fato engraçado?

Japiassu — Não, comigo nunca aconteceram fatos rigorosamente engraçados, mas sempre tragicômicos (risos). Na verdade, aconteceram esses fatos mais lá no Nordeste do que no Sudeste, porque aqui é mais aberto, mais evoluído, mais cosmopolita. Quando estava no Nordeste — é que hoje estou com cabelo todo branco e não dá para ver —, tinha um cabelo vermelho. Eu era ruivo mesmo. E você já pensou ser ruivo no Nordeste? É uma coisa espantosa. Por onde andava, chamava uma atenção danada. Um dia,  estou numa estação de trem para voltar para o interior e, na hora que saí de um bar onde tinha tomado um refrigerante, uma senhora agarrou a criancinha e disse: “Ai Nossa Senhora, é o diabo”. E eu era uma criança, fiquei revoltadíssimo.

BV — Você destaca a característica cosmopolita da Região Sudeste, mas hoje reside em um sítio. Por que fazer essa escolha?

Japiassu — O negócio é o seguinte: essa mudança não foi feita assim que cheguei. Eu me mudei para lá há cinco anos. Então, passei boa parte da vida aqui nesta Região; na verdade, cheguei em 1970 a São Paulo, para você ter uma idéia. Já era jornalista veterano, com uns 10 anos ou mais de jornalismo. Fiquei em São Paulo com a minha mulher, Marcia Lobo, que também é jornalista e escritora, desde 1970 até 2002. É tempo suficiente para a gente fazer uma série de coisas, criar vários projetos, produzir uma revista (Jornal dos Jornais). (...) Nós tínhamos aquele sitiozinho lá em Cunha, no interior de São Paulo — foi um pedacinho de terra que compramos em 1975. O que ficava velho aqui na casa de São Paulo a gente levava para lá, esse tipo de coisa que se faz. Um armador para colocar uma rede, cadeira de balanço. E nos últimos 30 anos ficamos com essa rotina de no fim de semana irmos para lá.

Daniel Trevisan

No 1º Salão Nacional do Jornalista Escritor, Japiassu e sua simpática esposa, Marcia Lobo, ladeados pelos representantes da LBV no evento, Marta Trigueiro e Rodrigo Oliveira.

BV — Quando apareceu na cabeça a idéia de trabalhar com o jornalismo?

Japiassu — Eu sempre surpreendo as pessoas que me fazem e disse: “Isso é muita malandra esta pergunta, porque nunca tinha pensado nisso. Desde jovem, queria ser escritor; lia pensando em ser escritor; estudava pensando em ser escritor. Agora, evidentemente, era um sonho juvenil porque não conseguiria — como a maioria absoluta dos escritores brasileiros — sobreviver escrevendo romance ou conto, fazendo literatura. Estava com 18 para 19 anos de idade e nunca tinha pensado no jornalismo. (...) Um dia meu pai estava já desconfiado da minha malandragem, porque não via nenhum movimento meu atrás de trabalho (risos). Mas eu não era preguiçoso, não. É que queria ler e quanto mais lesse, melhor seria. Um dia ele chegou cedo do trabalho, me viu lendo, na cadeira de balanço da varanda, e disse: "Isso é muita malandragem. Você já tem idade para ser pai de família”. E deu aquela bronca nordestina. Aí, meu irmão (que trabalhava no Última Hora, jornal de Belo Horizonte) estava dentro de casa, escutou a bronca, depois me chamou e disse: “Rapaz, é melhor você arranjar um emprego, senão vai criar um problema sério. Você não quer tentar jornalismo, não? Você gosta de escrever, quem sabe?” Então, havia um jornal chamado Correio de Minas, que estava para sair. Era dezembro de 1961, e o jornal ia sair em fevereiro ou março. Ele me disse: “Lá no Correio de Minas quem está organizando tudo é o Guy de Almeida, grande jornalista mineiro. Quem sabe ele vai com a tua cara e te emprega como foca*?” No dia seguinte, estava eu lá com o Guy e o Dídimo Paiva, este, grande chefe de reportagem. Aí me deram lá umas coisinhas para fazer como teste e acharam que eu levava algum jeito. Fui ficando e virei jornalista. Fiquei besta porque não tinha a menor amizade, a menor ligação com o jornalismo, a não ser meu irmão que era jornalista.

BV — E de cara um meio de comunicação impresso. Muitos consideram o jornal como a melhor escola para o jornalismo.

Japiassu — Sem dúvida. É na redação que se aprende a fazer jornalismo. Pelo menos era assim naquela época. Hoje em dia fica um pouco mais difícil. O que os meninos [estudantes] reclamam muito é que não têm professores à mão. Eles saem da faculdade, alguns tendo feito excelente curso, entram na redação, chegam dispostos a trabalhar, a vencer na vida, mas é preciso que haja pessoas para ensinar-lhes o caminho das pedras. E essas pessoas, atualmente, estão cada vez mais escassas. Eu era um sujeito paciente que gostava dos focas, gostava de ensinar. Hoje em dia nas redações não existe mais essa figura. O repórter tem pela frente um computador, na maioria dos casos, a maioria absoluta, não se acha mais a figura do copidesque, aquele que recebe o original e reescreve, muitas vezes, com o repórter ao lado. Agora, o repórter é um solitário que tem de resolver o problema ali. E, muitas vezes, a gente encontra no jornal impresso, principalmente, erros fantásticos. Por quê? Por causa desse esquema um pouco capenga.

BV — A partir desses erros dos jornalistas, você criou uma forma irreverente de criticá-los, por meio da coluna “Jornal da ImprenÇa”. De onde veio a idéia de fazer essa crítica construtiva?

Japiassu — Da época em que era diretor de Comunicação da Denison Propaganda. Não era publicitário, desempenhava função jornalística. Aliás, fui criar esse departamento, que não existia lá. E aí, alguns meses depois de eu ter assumido, apareceram dois amigos, Dante Mattiussi e Paulo Markun, que estavam para lançar um jornal chamado Imprensa(essa história completou, em setembro, 20 anos). Eles chegaram com o projeto e disseram: “Japi, você está aqui como diretor da Denison. Não dá para você ajudar a gente com anúncios?” Eu disse que não era minha área, pois sou um jornalista, mas que as pessoas da empresa eram minhas amigas, a partir do presidente, que é meu amigo pessoal; então disse a eles que poderia apresentar um projeto. Fizemos uma reunião e aproveitei para apresentar um projeto. Os caras adoraram; logo falaram com os departamentos de marketing dos seus clientes. Foi um sucesso tão grande que o que era jornal acabou virando revista. Eles então me fizeram o convite para fazer a coluna.

BV — De onde vem a ligação com Janistraquis?

Japiassu — É antiga. Janistraquis é do sertão pernambucano e eu o conheci num evento no Recife. Isso tem quase 50 anos, e lá ficamos amigos. Depois nos desencontramos quando vim para cá, e só fui reencontrá-lo já ános anos 1970, em São Paulo/SP, onde ele trabalhava de burro sem rabo (esse cara que sai pela rua com a carroça, ou seja, ele é o burro, porque não tem o animal que puxa a carroça). Ele era torcedor fanático do São Paulo Futebol Clube — que é clube de rico. Veja você: ele, naquela miséria, torcedor do São Paulo? Mas ele não era um torcedor comum, não! Adorava mesmo era o presidente do clube, o Laudo Natel, que tinha sido governador de São Paulo. E como Laudo Natel era bem pequenininho, o Janistraquis saía pela rua como o burro, com a carroça, e atrás o retrato do dr. Laudo Natel em tamanho natural, um retrataço. Nós nos encontramos na frente de uma loja no Centro, onde ele via os jogos de futebol. Reatamos a amizade e estamos aí até hoje juntos, novamente.

BV — Fale sobre os projetos que você tem em mente para o futuro.

Japiassu —  Meus projetos todos, hoje, se referem à Literatura. E mantive aquele projeto, o desejo de ser escritor, intacto. Quando fomos morar no sítio, em 2002, percebi que o esquema com a internet me facilitava muito a vida, inclusive, por causa de problemas de pesquisa. Uns camaradas que moravam lá nos cafundós, no meio do mato, como é que iam fazer para pesquisar a fim de escrever uma obra mais alentada, se precisassem? Não havia condição. A Literatura é imaginação, mas não é apenas e simplesmente imaginação. Você, muitas vezes, tem de dar a ela uns contornos que tocam a realidade, seja ela contemporânea, seja antiga. E precisa saber qual foi o ano daquilo, o que aconteceu, ou seja, a memória. E você não tem. Então, hoje em dia, com a internet você dispõe desse manancial impressionante. Com isso, escrevi três romances. Estou escrevendo o quarto agora e tenho, evidentemente, planos de escrever outros pela frente. 

 

Daniel Trevisan

Japiassu e sua esposa, Marcia Lobo, durante visita ao Conjunto Educacional Boa Vontade, na capital paulista, em 1995.

BV — Em janeiro, a LBV comemora 58 anos de constantes realizações pelo Brasil. Qual balanço você faz do trabalho da Instituição?

Japiassu — Eu conheci a LBV por intermédio da minha mãe. Ela era apaixonada pelos projetos de Alziro Zarur (1914-1979), fundador da Legião da Boa Vontade. Ela o ouvia pelo rádio, adorava ele e os projetos da LBV. Acompanhava e ajudava a Legião da Boa Vontade na medida do possível de uma mulher pobre, mas ajudou porque via a Instituição com muita seriedade, e isso é uma coisa inegável. Paiva Netto, o grande herdeiro de Zarur, é uma figura exponencial! Um homem honesto, decente, que realmente gosta da Humanidade. Ele é uma criatura que eu considero superior. Não sou uma pessoa religiosa na essência, talvez pelo fato de ser um romancista procurando a verdade no coração do Homem. Embora de fato eu seja pessimista com relação à Humanidade, não sou muito fã da Humanidade, vejo o Paiva Netto como essa pessoa infinitamente superior. Se nós tivéssemos dez pessoas como o Irmão Paiva à frente de projetos sociais no Brasil, este país seria diferente. Acredito nisso, porque é verdade. Sou um grande admirador dele, pois ele não é uma pessoa só de discurso. É uma pessoa que faz, é um realizador! Eu sou fã da LBV!

BV — O Janistraquis não veio por quê? Amarelou?

Japiassu — Não veio porque ele tem de estar lá tomando conta das galinhas e dos meus amigos, ora! (risos).
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*Foca: Jargão jornalístico que designa o iniciante na profissão.