Como desacelerar o consumismo infantil com o Natal se aproximando?

Wellington Carvalho

05/12/2014 às 19h58 - sexta-feira | Atualizado em 22/09/2016 às 16h04

Pixabay/CC0
No Brasil, 64% dos anúncios veiculados pela TV às vésperas do Dia das Crianças de 2011 foram destinados ao público infantil, conforme aponta pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo em parceria com o Instituto Alana.

“Manhê...Quero aquele videogame de presente de Natal, tá?". Atualmente, é difícil não ouvir isso de um filho nessa época do ano. Na intenção de demonstrar amor e carinho pelos filhos, muitos pais até se motivam a realmente atender aos pedidos, ainda que com muita dificuldade financeira. Porém, é de se pensar se oferecer os objetos desejados é, de fato, a única forma de demonstrar afeto. 

Se aproveitarmos esse fim de ano para pensarmos mais sobre o assunto, compreenderemos que a questão relaciona-se a alguns fatores, e um deles é o consumismo infantil incentivado pela publicidade. Isso porque “sabemos por pesquisas nacionais e internacionais que a criança é muito vulnerável, é mais suscetível a propaganda”,  explica o jornalista e cientista social Renato Godoy, representante do Instituto Alana, ao programa Sociedade Solidária*, da Boa Vontade TV.

Segundo o especialista, parte da mídia acaba sendo abusiva em seus meios de comunicação, induzindo facilmente o público infantil às compras, já que ele ainda não é maduro o suficiente para interpretar efetivamente o conteúdo que absorve. Como consequência, uma pesquisa nacional do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) mostra que 52% dos pais já atenderam as ‘manhas’ de seus filhos pela compra de um produto mesmo sabendo que poderiam se endividar e comprometer o orçamento da família.

E não é só por publicidade de brinquedos, aparelhos eletrônicos ou roupas que a criançada acaba sendo atraída. As propagandas de alimentos não saudáveis são as mais contempladas por esse público. A “Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, recomenda que não haja publicidade de alimentos para crianças de até 12 anos, muito em função da epidemia mundial que vivemos de obesidade infantil no mundo”, destacou.

O artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor prevê o fim da veiculação de propagandas voltadas às crianças por considerá-las abusivas — o que foi reforçado em abril de 2014 pela resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Isso significa que o que se espera das empresas é que a comunicação do produto seja direcionada aos adultos e não aos filhos deles.

O PLANETA NÃO É BRINQUEDO

Se combater o consumismo infantil é viável tanto para a segurança financeira da família, assim como ao estilo de vida que a criança desenvolverá, bom também é para o Planeta Terra. Se pegarmos o exemplo o padrão de consumo dos Estados Unidos, precisaríamos de quase mais 5 planetas para atender a demanda de recursos naturais extraídos, de acordo com estudo da rede WWF.

publico.pt
No início de novembro de 2014, cerca de 2 milhões de veículos saíram de circulação em Pequim, na China, para assegurar a qualidade do ar na cidade.

Na China, a fabricação constante de objetos favorece que os níveis de poluição de suas metrópoles, a exemplo de Pequim, atinjam níveis tão críticos na atualidade que mal é possível enxergar o nascer ou pôr do sol. Aqui no Brasil, somente em São Paulo, por exemplo, segundo projeção do Instituto Saúde e Sustentabilidade, 256 mil paulistanos poderão morrer nos próximos 16 anos em decorrência dos altos níveis de poluentes.

Por isso, sempre atento às consequências que a humanidade pode sofrer por seus próprios atos, o  jornalista, radialista e escritor Paiva Netto, alerta em seu artigo O Sentido da Religião, quanto à necessidade de o ser humano "domar os excessos materializantes de uma globalização firmada sobre a mentalidade de que o consumismo desenfreado é a felicidade ideal para a criatura humana. Isso é uma fraude, a começar pelo fato de que multidões não possuem o suficiente para se manterem dignamente vivas".

A CONSCIÊNCIA DA SOLIDARIEDADE

É necessário ponderar que o simples ato de compra não é essencialmente condenável. “Precisamos diferenciar o consumo do consumismo. O consumismo é quase uma ideologia nos tempos atuais e que, ao nosso ver, é muito maléfica para a sociedade, sobretudo para a criança que ainda não tem condições, proteção suficiente para lidar com o apelo publicitário”, ressalta Renato Godoy, representante do Instituto Alana.

Em contrapartida ao consumismo infantil, o especialista aponta que “a primeira medida do lar deve ser o diálogo: observar, compartilhar com os filhos o que eles estão assistindo; procurar entender porque eles estão pedindo tanto aquele produto, notar de onde vem aquele desejo. A criança, aliás, deve passar o maior tempo brincando nem sempre tão ligada em televisão, tablet, celular, enfim, para que consiga exercer melhor sua infância de uma forma livre do consumismo”.

Ao programa Educação em Debate, o professor de economia Gutemberg Sousa explica que “o ato dos pais de querer deixar o filho feliz oferecendo alguma compra deve ser contido”. Para o educador, é interessante que as crianças compreendam os limites de gastos para perceberem o quanto o consumo desenfreado é prejudicial ao bolso, de modo que não sejam endividadas no futuro. “Nos momentos de ida ao supermercado, à feira, ao shopping, é fundamental que as crianças saibam o que podem e o que não podem [comprar].”

Agora, um ponto imprescindível para que os pequenos não sejam alvo fácil do consumismo é o desenvolvimento da Solidariedade, que também colabora para que beneficiem as numerosas esferas do conhecimento, além da vida individual e coletiva. Para isso, a supervisora da inovadora linha pedagógica da LBV, Suelí Periotto, doutoranda em Educação, exemplifica uma ação simples que cabe muito bem para o tempo natalino que se aproxima: “Quando você fala para o filho que ele tem um pouco mais que muitas outras crianças, ele começa a refletir. Se na época de Natal ele ganha quatro brinquedos, por exemplo, deve-se orientá-lo: ‘Bom, agora você escolhe outros quatro que já tenha para doarmos’. E é interessante que a própria criança entregue a doação para promover o desapego [ao bem material]”.

Portanto, não há problema algum em presentear as pessoas que se ama, mas que esse gesto de oferecer o melhor de si seja refletido àqueles que mais precisam, conhecidos ou não, no decorrer de todo o ano, quer seja por uma palavra de conforto, um conselho, ou um simples e sincero sorriso. 

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*Pela Boa Vontade TV (canal 20 da SKY e 212 da Oi TV), o programa Sociedade Solidária vai ao ar de segunda a sexta-feira às 18h30 e às 23h30, e aos domingos às 6h30 e às 20 horas. Já o programa Educação em Debate, vai ao ar às segundas-feiras, às 20 horas e 22h30; às sextas-feiras, às 15h30; aos sábados, às 11h30; e aos domingos, às 21h10. Para outras informações, ligue: 0300 10 07 940 (custo de uma ligação local + impostos).