[ENTREVISTA] Maria da Penha analisa combate à violência contra mulher

Segundo relatório da OMS, o Brasil ocupa a 7ª posição entre as nações mais violentas para as mulheres.

Gabriele de Barros

07/08/2018 às 15h04 - terça-feira | Atualizado em 07/08/2018 às 17h54

Sancionada no dia 7 de agosto de 2006, a Lei nº 11.340, completou 12 anos de implementação. Batizada como Lei Maria da Penha, em homenagem à farmacêutica bioquímica Maria da Penha Maia Fernandes, cuja história de vida inspirou a nova legislação, criou mecanismos mais rígidos para coibir e prevenir a violência contra a mulher, além de ter introduzido mudanças no Código Penal e na Lei de Execuções Penais.

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No entanto, mesmo com as sanções aplicadas para a violação da Lei, o Brasil ocupa a 7ª posição entre as nações mais violentas para as mulheres, considerando um total de 83 países, segundo dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Há ainda um longo caminho a ser percorrido para reduzir as mortes por esse tipo de agressão.

Violência contra a mulher no Brasil

- O Brasil teve 4.473 homicídios dolosos de mulheres em 2017 (um aumento de 6,5% em relação a 2016).

- Do total, 946 são feminicídios (dado considerado subnotificado).

- Em 2015, 11 Estados não registraram dados de feminicídios; em 2017, três ainda não tinham casos contabilizados.

- O Rio Grande do Norte tem o maior índice de homicídios contra mulheres: 8,4 a cada 100 mil mulheres; já o Estado de São Paulo é o que tem a menor taxa: 2,2 a cada 100 mil mulheres.

- Mato Grosso é o Estado com a maior taxa de feminicídio: 4,6 a cada 100 mil.

Cultura contra a violência 

Divulgação
Maria da Penha Maia Fernandes é uma biofarmacêutica brasileira que tornou-se líder de movimentos de defesa dos direitos das mulheres.

Em entrevista à Super Rede Boa Vontade de Comunicação (rádio, TV, internet e publicações), reproduzida pela revista BOA VONTADE Mulher 2013, Maria da Penha contou sobre sua história de luta e falou a respeito da aplicação da Lei, que na época completava 6 anos de execução.

Ainda assim, a entrevista é bem interessante e vale a leitura:

BOA VONTADE — Depois da implementação da Lei Maria da Penha, o que podemos comemorar?

Maria da Penha — A sociedade está se apoderando da lei, sabe que veio para prevenir e proteger a mulher da violência doméstica e punir o agressor. É necessário mais delegacias da mulher, centros de referência de atendimento em situação de violência doméstica, casas de abrigo, onde a mulher que não pode retornar para casa, porque corre risco de morte, pode ser abrigada. Além do juizado da mulher, que precisamos em maior quantidade, para agilizar os processos e a justiça a ser feita, não como no meu caso, que demorou 19 anos e seis meses para acontecer.

BV — Essa história ocorreu há quase 30 anos...

Maria da Penha — Eu conheci o meu agressor quando estudava na Universidade de São Paulo fazendo mestrado. Ele era um estudante colombiano que veio para a USP fazer uma especialização, uma pessoa bem vista no meu grupo de amigos (...). Ao voltar para Fortaleza, depois de terminar o curso de mestrado, ele me acompanhou. Aconteceu que nesse período eu tive uma filha dele; foi quando conseguiu ser naturalizado. Ao obter essa garantia, mostrou a sua verdadeira face.

BV — Como foi o seu pedido de socorro?

Maria da Penha — Em maio de 1983, eu estava dormindo quando escutei um tiro... um barulho enorme dentro do quarto, tentei me mexer e não consegui mais. E a versão que meu ex-marido contou à polícia e aos vizinhos era a de que quatro assaltantes tinham entrado em nossa casa e ele havia lutado contra eles. Fiquei paraplégica, passei quatro meses no hospital. Voltei para casa, porque a princípio não sabia que ele havia sido o autor. Foi quando me manteve em cárcere privado por mais de quinze dias. (...) Eu não tinha mais condições de estar naquele relacionamento, mas precisava de documentação jurídica, que se chama separação de corpos, para poder sair de casa levando as minhas filhas, porque eu poderia perder a guarda delas. Com o documento pude sair com as minhas filhas e voltei para a casa dos meus pais.

BV — A partir daí foi possível apurar o caso?

Maria da Penha — De maio até dezembro [1983] foi toda essa história. Em janeiro de 1984, a Secretaria de Segurança retomou o processo e o chamou de surpresa para dar novo depoimento. Ele não se lembrava mais do que havia falado, começou a entrar em contradição. No final, a polícia o indiciou como o autor da tentativa de homicídio. Aí começou a minha grande luta por justiça, e o meu agressor só foi preso pelas pressões internacionais. O primeiro julgamento ocorreu oito anos depois do fato. Ele foi condenado, mas saiu do fórum em liberdade por conta de recurso. Voltou a júri e, novamente condenado, saiu por conta de recursos protelatórios. Quando ele foi preso, faltavam seis meses para o crime prescrever.

BV — Onde obteve apoio?

Maria da Penha — Resolvi escrever um livro: “Sobrevivi... posso contar”, com essa história e todas as contradições presentes no processo. A obra, graças aos desígnios de Deus, chegou a duas ONGs: Cladem (Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) e Cejil (Centro pela Justiça e o Direito Internacional), que me convidaram para denunciar o Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

BV — A LBV trata do tema da violência contra a mulher em campanhas e programas socioeducativos e no conteúdo de ensino de sua rede de escolas...

Maria da Penha — Parabenizo a LBV porque eu acho que a educação muda tudo. Se a gente educa a criança, nossa sociedade torna-se muito melhor, eu não tenho nenhuma dúvida disso. Estou feliz por fazer uma gravação*¹ que atingirá milhares e milhares de pessoas, não apenas mulheres, mas também homens, adolescentes e crianças. A gente só pode ter uma Cultura de Paz no mundo, na nossa cidade, começando a cultivá-la dentro de casa. Estou sempre à disposição de vocês para informar sobre a Lei Maria da Penha. (...) Quero parabenizar a escola da LBV! É muito interessante a disciplina de Convivência*².

Avanços no respeito à mulher

Em 2016, durante a comemoração dos dez anos de vigência no combate e prevenção à violência de gênero no Brasil, as crianças atendidas pela LBV, em Fortaleza/CE, parabenizaram a inspiradora da nova legislação pela significativa data. “[Estou] feliz, porque eu sei que vocês estão trabalhando na questão da violência contra a mulher, da divulgação dessa lei na infância. A maneira como a gente é educado, como aprende as coisas boas, a gente tende a reproduzir. E a LBV trabalha neste sentido; eu me sinto honrada de ter a minha causa incluída nesta ação de vocês”, disse Maria da Penha.

Leandro Nunes
Simpática, Maria da Penha recebeu as crianças atendidas pela Legião da Boa Vontade e foi homenageada pela passagem de seu aniversário.

Na ocasião, a farmacêutica também ressaltou que o diretor-presidente da Legião da Boa Vontade, José de Paiva Netto, é um grande articulador dessa causa: “Eu sou muito grata ao Paiva Netto pelo trabalho que ele tem desenvolvido junto às crianças na questão da educação, da cidadania. Gostaria de parabenizar e dizer o quanto isso é importante. Agradecer a ele a divulgação e o compromisso que tem em relação à implementação da Lei Maria da Penha”.

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*¹ Refere-se a entrevista concedida à Super Rede Boa Vontade de Comunicação.

 *² A disciplina de Convivência, criada pelo educador Paiva Netto, convida os alunos para atividades de pesquisa e discussão de assuntos importantes do cotidiano, a exemplo da questão da violência doméstica e o que determina a Lei Maria da Penha.

*3 Informações do Portal G1.