Lei Maria da Penha: 17 anos no combate à violência contra a mulher

Da redação

07/08/2023 às 08h43 - segunda-feira | Atualizado em 07/08/2023 às 15h05

Sancionada no dia 7 de agosto de 2006, a Lei nº 11.340, completa 17 anos de implementação. Batizada como Lei Maria da Penha, em homenagem à farmacêutica bioquímica Maria da Penha Maia Fernandes, cuja história de vida inspirou a nova legislação, criou mecanismos mais rígidos para coibir e prevenir a violência contra a mulher, além de ter introduzido mudanças no Código Penal e na Lei de Execuções Penais.

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No Brasil, uma mulher é vítima de violência a cada quatro horas

Segundo dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, que abrangem atos de violência física, sexual, psicológica, moral e patrimonial, o Brasil teve, até julho de 2022, mais de 31 mil denúncias de violência doméstica ou familiar contra as mulheres.

O boletim Elas vivem: dados que não se calam, lançado pela Rede de Observatórios da Segurança, registrou 2.423 casos de violência contra a mulher em 2022, 495 deles feminicídios.

São Paulo e Rio de Janeiro têm os números mais preocupantes, concentrando quase 60% do total de casos. Essa foi a terceira edição da pesquisa feita em sete estados: Bahia, Ceará, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão e Piauí, os dois últimos monitorados pela primeira vez.

Os dados são produzidos a partir de monitoramento diário do que circula nos meios de comunicação e nas redes sociais sobre violência e segurança. As informações coletadas alimentam um banco de dados que posteriormente é revisado e consolidado pela rede.

O estado de São Paulo registrou 898 casos de violência, sendo um a cada 10 horas, enquanto o Rio de Janeiro teve uma alta de 45% de casos, com uma mulher vítima de violência a cada 17 horas. Além disso, os casos de violência sexual praticamente dobraram, passando de 39 para 75 no Rio de Janeiro.

A Bahia mostrou aumento de 58% de casos de violência, com ao menos um por dia, e lidera o feminicídio no Nordeste, com 91 ocorrências. O Maranhão é o segundo da região em casos de agressões e tentativas de feminicídio. Já Pernambuco lidera em violência contra a mulher e o Ceará deixou de liderar nos números de transfeminicídio, mas teve alta nos casos de violência sexual. O Piauí registrou 48 casos de feminicídio.

A maior parte dos registros nos estados que fazem parte do monitoramento tem como autor da violência companheiros e ex-companheiros das vítimas. São eles os responsáveis por 75% dos casos de feminicídio, tendo como principais motivações brigas e términos de relacionamento.

Cultura contra a violência 

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Maria da Penha.

Em entrevista à Super Rede Boa Vontade de Comunicação (rádio, TV, internet e publicações), reproduzida pela revista BOA VONTADE Mulher 2013, Maria da Penha contou sobre sua história de luta e falou a respeito da aplicação da Lei, que na época completava 6 anos de execução.

Ainda assim, a entrevista é bem interessante e vale a leitura:

BOA VONTADE — Depois da implementação da Lei Maria da Penha, o que podemos comemorar?Maria da Penha — A sociedade está se apoderando da lei, sabe que veio para prevenir e proteger a mulher da violência doméstica e punir o agressor. É necessário mais delegacias da mulher, centros de referência de atendimento em situação de violência doméstica, casas de abrigo, onde a mulher que não pode retornar para casa, porque corre risco de morte, pode ser abrigada. Além do juizado da mulher, que precisamos em maior quantidade, para agilizar os processos e a justiça a ser feita, não como no meu caso, que demorou 19 anos e seis meses para acontecer.

BV — Essa história ocorreu há quase 30 anos...
Maria da Penha — Eu conheci o meu agressor quando estudava na Universidade de São Paulo fazendo mestrado. Ele era um estudante colombiano que veio para a USP fazer uma especialização, uma pessoa bem vista no meu grupo de amigos (...). Ao voltar para Fortaleza, depois de terminar o curso de mestrado, ele me acompanhou. Aconteceu que nesse período eu tive uma filha dele; foi quando conseguiu ser naturalizado. Ao obter essa garantia, mostrou a sua verdadeira face.

BV — Como foi o seu pedido de socorro?
Maria da Penha —
Em maio de 1983, eu estava dormindo quando escutei um tiro... um barulho enorme dentro do quarto, tentei me mexer e não consegui mais. E a versão que meu ex-marido contou à polícia e aos vizinhos era a de que quatro assaltantes tinham entrado em nossa casa e ele havia lutado contra eles. Fiquei paraplégica, passei quatro meses no hospital. Voltei para casa, porque a princípio não sabia que ele havia sido o autor. Foi quando me manteve em cárcere privado por mais de quinze dias. (...) Eu não tinha mais condições de estar naquele relacionamento, mas precisava de documentação jurídica, que se chama separação de corpos, para poder sair de casa levando as minhas filhas, porque eu poderia perder a guarda delas. Com o documento pude sair com as minhas filhas e voltei para a casa dos meus pais.

BV — A partir daí foi possível apurar o caso?
Maria da Penha — De maio até dezembro [1983] foi toda essa história. Em janeiro de 1984, a Secretaria de Segurança retomou o processo e o chamou de surpresa para dar novo depoimento. Ele não se lembrava mais do que havia falado, começou a entrar em contradição. No final, a polícia o indiciou como o autor da tentativa de homicídio. Aí começou a minha grande luta por justiça, e o meu agressor só foi preso pelas pressões internacionais. O primeiro julgamento ocorreu oito anos depois do fato. Ele foi condenado, mas saiu do fórum em liberdade por conta de recurso. Voltou a júri e, novamente condenado, saiu por conta de recursos protelatórios. Quando ele foi preso, faltavam seis meses para o crime prescrever.

BV — Onde obteve apoio?

Maria da Penha — Resolvi escrever um livro: “Sobrevivi... posso contar”, com essa história e todas as contradições presentes no processo. A obra, graças aos desígnios de Deus, chegou a duas ONGs: Cladem (Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) e Cejil (Centro pela Justiça e o Direito Internacional), que me convidaram para denunciar o Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

BV — A LBV trata do tema da violência contra a mulher em campanhas e programas socioeducativos e no conteúdo de ensino de sua rede de escolas...
Maria da Penha — Parabenizo a LBV porque eu acho que a educação muda tudo. Se a gente educa a criança, nossa sociedade torna-se muito melhor, eu não tenho nenhuma dúvida disso. Estou feliz por fazer uma gravação*¹ que atingirá milhares e milhares de pessoas, não apenas mulheres, mas também homens, adolescentes e crianças. A gente só pode ter uma Cultura de Paz no mundo, na nossa cidade, começando a cultivá-la dentro de casa. Estou sempre à disposição de vocês para informar sobre a Lei Maria da Penha. (...) Quero parabenizar a escola da LBV! É muito interessante a disciplina de Convivência*².