Estratégias de inovação

O papel das empresas para a construção de um mundo sustentável

Leila Marco

05/10/2018 às 14h33 - sexta-feira | Atualizado em 05/10/2018 às 18h22

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Incentivar o debate sobre modelos de negócio que apresentem estratégias de inovação para os problemas ambientais é uma das vertentes do programa Biosfera, da Boa Vontade TV. A atração (veja os horários no fim desta seção), em parceria com esta revista, tem como uma de suas metas contribuir para que haja a discussão acerca de proposições relacionadas ao assunto e, consequentemente, para que todos possam estar cada vez mais conscientes da necessidade de preservar os recursos naturais e busquem adquirir produtos de empresas preocupadas com a sustentabilidade e com o pós-consumo, ou seja, responsáveis por todo o ciclo de vida dessas mercadorias.

O que o programa Biosfera e esta publicação almejam, da mesma forma que muitas pessoas de bom senso, é que, em um futuro bem próximo, a cultura corporativa dê igual importância tanto à Natureza e ao social quanto ao lucro. Nesta edição, duas especialistas em desenvolvimento sustentável foram ouvidas a respeito desse novo olhar, que começa a estar presente em vários setores e que deve ser, gradativamente, adotado por grandes indústrias, por empresas dos mais diversos segmentos e por instituições de pequeno porte. A seguir, os principais trechos das entrevistas.

A volta ao humano

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Tereza Cristina Carvalho é coordenadora do Laboratório de Sustentabilidade da Escola Politécnica (Lassu) da Universidade de São Paulo (USP).

BOA VONTADE — As empresas estão dispostas a tornar os seus negócios mais sustentáveis?

Tereza Carvalho — Algumas empresas estão, outras não. Um dos problemas mais sérios é a questão dos resíduos, porque qualquer coisa que se fabrique ou que se produza gera resíduo, e não é só o sólido, mas também a água contaminada, os efluentes... O resíduo, até pouco tempo, era considerado lixo. Agora, ele pode ter valor agregado. Vamos pensar na indústria de sapato, por exemplo, quando está cortando solas, e sobram rebarbas. Essa sobra pode virar um enfeite para o calçado. As empresas estão começando a acordar para isso, a criar ciclos fechados. Discute-se muito a questão da economia circular, que é vantajosa, porque se pratica o reúso até antes da reciclagem, e é possível obter muito maior retorno financeiro. (...) O que começamos a ver é que o reaproveitamento de resíduos leva à economia e a uma eficiência energética maior. As empresas precisam começar a testar essa solução.

BV — É preciso também trazer de volta a mentalidade de ter produtos mais duráveis?

Tereza Carvalho — Existem empresas que estão pegando computadores usados que seriam descartados, reparando-os, colocando [neles] memória, discos e vendendo-os. O custo de um resíduo eletroeletrônico é de 3,00 a 6,00 reais o quilo. O empresário que resolveu fazer a chamada remanufatura está faturando de 40,00 a 80,00 reais o quilo. O reúso tem uma lucratividade bem maior do que simplesmente descartar — e a destinação no aterro sanitário ainda é mais cara. As pessoas estão vendo na sustentabilidade o mote para criar novos modelos de negócio. Essa moda de startups está propiciando inovações, a procura de soluções para problemas que antes eram ignorados, desperdícios e coisas do tipo.

BV — Com as novas tecnologias, o trabalho está sendo modificado?

Tereza Carvalho — A revolução 4.0* deve substituir essa mão de obra humana que faz coisas mais automatizadas. O ser humano executará funções mais criativas. Todo esse movimento de tecnologia e de transformação digital leva à necessidade de as pessoas se reeducarem. A gente precisa trabalhar isso com o jovem. Começa a surgir no mundo também o movimento +60, que é [direcionado] aos indivíduos mais velhos. [Em compensação] Precisamos tomar cuidado com a internet, com as mídias sociais, porque, se você fica o dia inteiro nesses meios, acaba alienado, e o ser humano não foi criado para só ficar absorvendo coisas na web. Ele precisa ter um processo de criação, de estar consigo mesmo e com a Natureza, e a internet o desconecta disso. O contato com a Natureza faz bem para a alma; é isso que incentiva a ter criatividade. A máquina realiza coisas repetitivas. É necessária a retomada do humano. Isto resume o ser sustentável: retomar o humano dentro de uma sociedade que está sendo digitalizada.

 

Inteligência colaborativa

BOA VONTADE — Como as empresas estão lidando com o cenário atual, em que as questões ambientais e sociais estão ganhando espaço em todos os setores?

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Linda Murasawa, executiva de sustentabilidade que promove a economia de baixo carbono.

Linda Murasawa — Algumas empresas têm um olhar bem preparado para as estratégias de longo prazo, mas ainda falta conhecimento de como fazer essa transformação. Veja a questão da água. Todos sabem que ela está cada vez mais escassa, principalmente nos grandes centros. Existe, no entanto, pouca consciência da inter-relação entre florestas e a Natureza, [entre] a conservação desse líquido e o regime de chuvas. As empresas simplesmente olham para dentro de casa e esperam que a água apareça na torneira. É preciso ir além das suas portas e fazer com que os modelos conversem; que haja um regime de florestas em pé, para a conservação e a geração da água. As pessoas têm a crença de que tudo vai ser resolvido por meio das tecnologias, mas não podemos esquecer: tecnologia é feita de recursos naturais. Estamos falando em minérios, que são necessários para construir um telefone celular, um computador, ou na geração de água, ou até mesmo em regimes de ventos e chuvas, para a gente ter energia. Nos mercados brasileiro e internacional, empresas estão pedindo aos seus fornecedores que comecem a pensar em questões sociais e ambientais. Se não fizermos essa transformação nos negócios, o futuro será bem complexo em termos de como mitigar, de como nos adaptar a essas novas circunstâncias.

BV — O que falta para essa transição?

Linda Murasawa — Há a necessidade de reconhecer essa interdependência dos recursos naturais. As pessoas acham que o planeta é tão grande, que nunca acabará; que a água é infinita; [que] as florestas são infinitas; [que] o solo é infinito... A nossa sociedade vem crescendo. Somos, hoje, mais de 7 bilhões de habitantes, com uma previsão de chegar, em 2050, a 9 bilhões. Para [se] alimentar toda essa gente, precisaremos expandir o agronegócio, e isso significa mais solo, mais água. [É vital] mudar a maneira de produzir no campo, fazendo com que haja uma produtividade maior em cada hectare e, ao mesmo tempo, evitando que as soluções dos grandes centros urbanos interfiram nos ciclos da Natureza. Por isso, fala-se muito da precificação no sentido de impacto, [de] qual é o resultado da sua empresa em relação a impactos sociais e ambientais. As políticas públicas têm de apoiar esses novos modelos, criar tributos para quem está impactando negativamente e, de outro lado, desonerar os que impactam positivamente.

Diego Ciusz

BV — Qual o papel da sociedade neste cenário?

Linda Murasawa — Tudo é muito importante: essa cadeia toda, o trabalho em conjunto... É o professor dando aula — e entendo que precisa educar o cidadão, para ele intervir, saber quais são os seus direitos e deveres. É aquele consumidor que, na hora de fazer a compra, toma a decisão por um produto A ou produto B com base no conhecimento e também, quando descarta algo em sua casa, sabe para onde o direciona. Tem de haver uma política de coleta de lixo em que se façam reciclagem, coleta do orgânico... Não [se pode] jogar simplesmente num aterro. (...) Se você tiver um produto que tenha menor impacto e [seja] mais barato, automaticamente as pessoas vão nesse produto, e a sociedade se beneficia como um todo. Então, essa inteligência — digamos, coletiva e colaborativa — deve existir, e nós, como consumidores, devemos, cada vez mais, pedir que isso aconteça. Hoje, a lógica está invertida, em função ainda dos modelos existentes.

BV — Como iniciar esse ciclo?

Linda Murasawa — O megaempresário tem que “puxar o fio”, para começar a desenrolar o novelo, porque, na hora em que ele “puxa o fio”, afeta toda uma cadeia de médias, pequenas e microempresas, que vão seguir [por esse caminho]. O pequeno empresário está na sobrevivência do dia a dia, mas, mesmo assim, eu vejo muitos microempresários, startups, principalmente de jovens, nascendo com essa consciência. A médio prazo, talvez daqui a uns quinze anos, já teremos várias startups com esses modelos, que vão trabalhar de forma diferente, mudando o perfil de consumo. Essas startups estão diminuindo a pegada em termos de recursos naturais de água, energia e resíduos, além de melhorar a gestão econômica. Elas também estão olhando para a sociedade e falando: “Meu produto ajudará em determinada causa”.

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* Revolução 4.0 — Também chamada de Indústria 4.0, é um conceito de indústria proposto recentemente e que engloba as principais inovações tecnológicas dos campos de automação, controle e tecnologia da informação, aplicadas aos processos de manufatura. A partir de sistemas ciberfísicos, da Internet das Coisas e da Internet dos Serviços, os processos de produção tendem a se tornar cada vez mais eficientes, autônomos e customizáveis.