Caridade, inclusão e transformação social

Mãe de crianças com autismo e hiperatividade relata como ser voluntária na LBV é fundamental para a experiência de educá-las

Da redação

12/07/2019 às 14h13 - sexta-feira | Atualizado em 15/07/2019 às 20h41

Sâmara Malaman

Juntos a outras voluntárias no programa Ronda da Caridade, da LBV dos EUA, os gêmeos Adrian (camiseta vermelha) e Bryan preparam lanches em prol dos atendidos.

Calcula-se que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) atinja uma em cada 160 crianças no mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Portanto, estima-se que haja cerca de 70 milhões de pessoas com essa condição no planeta. Considerando esse número, há muita coerência na mensagem de um outdoor visto pela socióloga Sandra Fernandez, enquanto transitava pelas ruas de New Jersey, nos Estados Unidos: “(...) Ele dizia, em outras palavras, que chegará um dia em que cada um terá alguém com autismo em sua família. Um primo, sobrinho, filho (...)”, conta.

Ela mesma é mãe de um menino com esse diagnóstico: o adolescente Adrian, com 12 anos de idade. Em entrevista à BOA VONTADE, Sandra relata como foi descobrir a condição do garoto e aprender a lidar com ela, apoiada pela LBV dos EUA, onde é voluntária. No programa Ronda da Caridade, desenvolvido pela Instituição daquele país, ele e o irmão gêmeo, Bryan — que tem Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) —, não só são acolhidos, como também colaboram ativamente nas atividades e desenvolvem valores inestimáveis, a exemplo da Caridade. Acompanhados de adultos, ambos contribuem, como voluntários, com esse trabalho da LBV, que oferece assistência alimentar e faz a distribuição semanal de roupas e cobertores a moradores de abrigos e a famílias em situação de pobreza de New Jersey e Nova York.

Levando-se em conta a época em que vivemos, na qual a humanidade ainda enfrenta desafios para aceitar as diferenças, o relato dessa mãe é mais do que inspirador.

BOA VONTADE — Como descobriu que o Adrian tem o TEA?
Sandra Fernandez — Durante a [primeira] festinha de aniversário dos gêmeos, ele só chorava, tapava os ouvidos e batia muito as mãozinhas na frente [do corpo]. (...) A partir desse momento, já comecei a observar mais as atitudes dele. Se o deixávamos interagindo com um brinquedinho, ficava com esse brinquedo até que o tirássemos, não se movia (...). Marquei [consulta com] uma pediatra neurologista. (...) Ele recebeu o diagnóstico no momento certo, aos 18 meses, fase em que o autismo se revela [acentuadamente]. (...) Tivemos, por Deus, excelentes profissionais, que não só o atenderam, mas também ensinaram a todos da família a lidar com o autismo.

BV — Quais lições vocês aprenderam?
Sandra Fernandez — Muitas pessoas pensam que TEA é uma doença. Não é, porque as crianças com autismo são saudáveis e muito inteligentes; são habilidosas para fazer várias coisas. (...) Elas têm uma característica diferente de outros indivíduos no que diz respeito à sociabilidade. Possuem emoções fortes — e as terapias ajudam-nas a lidar com os sentimentos. O mundo de alguém com autismo é totalmente [feito] de regras; fugir da rotina é uma agressão para elas (...). Foi muito importante para mim quando uma terapeuta me falou: “Olha, mãe, você deve avisá-lo previamente sobre as tarefas: ‘A mamãe precisa fazer compras, ok? Está ouvindo, Adrian? Nós vamos ao supermercado hoje’”. (...) Quando aprendi isso, tudo mudou!

BV — Que outras dificuldades você enfrentou? Como era sair com o Adrian?
Sandra Fernandez
— Quando ele era menor, chorava muito. [Em encontros com amigos,] eu levantava [da mesa] e falava: “Meu filho tem espectro autista, vocês desculpem por ele estar chorando”. As pessoas começavam a dizer: “Ah, meu sobrinho também tem” ou “O filho da minha amiga tem”, queriam ajudar. Então, [é fundamental] não esconder a criança com autismo, é preciso ir para a comunidade, sair com ela. Isso tudo contribuiu para criar essa personalidade muito doce que o Adrian tem.

BV — E no caso do Bryan?
Sandra Fernandez — A situação do Bryan é diferente. Ele tem hiperatividade. É muito ativo e, por isso, bastante ansioso. Daí o trabalho que faz na Ronda da Caridade ser tão importante. Vejo as mãozinhas dele cuidando dos detalhes, ele faz as coisas bem atento. Existem os monitores adultos, mas é tudo realizado voluntariamente por essa juventude entre 12 e 17 anos. Os gêmeos buscam as doações, separam e organizam as frutas, os lanches [em prol dos mais carentes]. (...) Participar dessa atividade está dando a eles a oportunidade de comparação, de perceber que muitos necessitam [de ajuda]. Podem notar como o outro está vivendo, e isso também os está ajudando a valorizar essa convivência diferente, o que tem cooperado para o crescimento dos dois [como seres humanos].

BV — O preconceito ainda é um grande empecilho para a inclusão de pessoas com transtornos?
Sandra Fernandez — A única coisa que não pode acontecer é o preconceito, principalmente dentro de casa. Muitos pais [de crianças com transtornos] não procuram o diagnóstico porque não querem [comprová-lo]. (...) Essa postura faz com que o filho sofra, porque ele deixa de receber as terapias no tempo certo. Aliás, na LBV, preconceito não existe, porque não há momento para isso. Há, sim, muita integração, doação, alegria e a felicidade dos meninos por estarem ali, colaborando. (...) Essa visão de mundo que o educador Paiva Netto, diretor-presidente da LBV, apresenta é ter Caridade para consigo mesmo. Esta é a grande questão: entender o outro e saber conviver com ele. A base para isso é o Novo Mandamento de Jesus“Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei. Somente assim podereis ser reconhecidos como meus discípulos” [Evangelho do Divino Mestre, segundo João, 13:34 e 35] —, é compreender o próximo sob a perspectiva do Amor [do Cristo], que fará com que as pessoas se respeitem, independentemente das diferenças. Então, as palavras “preconceito”, “violência” e “anomalia” não mais existirão, porque reaprenderemos [a viver de forma sadia], a cada tempo, por meio do sentimento de Caridade.