Os perigos ocultos da internet

De acordo com a Organização das Nações Unidas as ‘novas tecnologias estão facilitando a prática de crimes de exploração sexual’.

Karine Salles

17/03/2015 às 02h16 - terça-feira | Atualizado em 09/08/2018 às 08h38

Foi-se o tempo em que para distrair o filho o pai oferecia um doce ou a levava para sair. Hoje em dia é muito comum dar logo o celular ou tablet para eles ficarem quietos durante uma reunião familiar ou um jantar fora, por exemplo. Essa medida é vista por muitos especialistas como prejudicial à criança, já que ficando muito conectada, ela pode perder a habilidade de se relacionar com os outros.

Ao Portal Boa Vontade, o psicólogo Cristiano Nabuco de Abreu, 51, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Programa Integrado dos Transtornos do Impulso (PRO-AMITI) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, pioneiro nos estudos do tema no Brasil, explicou que “quanto mais precocemente os pais entregam a tecnologia para os filhos, mais eles fazem com que os filhos se exponham menos ao contato com outras crianças”.

ISOLAMENTO SOCIAL

Antes, a reclamação era do tempo que as crianças passavam em frente à televisão. Hoje, ela apenas mudou de plataforma. Além de problemas intelectuais, especialistas relacionam o tempo passado diante de telas com complicações na saúde física, que incluem obesidade; colesterol e pressão altos; sedentarismo; e dificuldades para ler e fazer cálculos. Além disso, também decorrem desse comportamento distúrbios do sono e isolamento social.

Computadores, tablets e celulares são capazes de prender nossa a atenção por horas e horas. Com isso, a gente acaba se ‘desconectando’ do mundo à nossa volta. Agora, imagine como isso acontece com uma criança. Situação que deve ser levada em consideração, já que, de acordo com Nabuco, “cada vez mais elas preferem a vida virtual, ou seja, a vida na internet é muito mais satisfatória e aprazível do que a que teriam na realidade”. 

Jogos, músicas, filmes, blogs e redes sociais são as páginas mais visitadas por esse público. Elas são tão eficazes em ocupá-los que muitos pais já usam como uma espécie de babá. "Os pais preferem que eles estejam conectados a estar nas ruas", constatou o psicólogo. Grande equívoco, segundo o psicólogo os pais pensam que de “uma forma ou de outra ele estaria mais protegido. Mentira. Ao contrário, ele está muito mais exposto”.

Vivian R. Ferreira

SUPEREXPOSIÇÃO

E foi o que constatou uma recente pesquisa divulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU). De acordo com Maud de Boer-Buquicchio, relatora especial da ONU sobre a venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil, "as novas tecnologias estão facilitando a prática de crimes de exploração sexual e novas formas de comportamento explorador".

Ao Portal Boa Vontade, o psicólogo e diretor de prevenção da Safernet no Brasil, Rodrigo Nejm, afirmou que a exposição excessiva dos filhos na web é algo que os pais devem estar atentos, pois, muitos dos jovens acabam divulgando selfies ou fotos de si mesmos que têm conotação sexual: "Se o próprio adolescente divulga na rede esse tipo de imagem, certamente isso irá atrair a atenção de pessoas que não são amigas dele. Um criminoso sexual ou um agressor sexual que está em busca de vítimas e de alguém mais vulnerável vai se aproximar desse adolescente". A forma que os pais podem e devem usar para driblar essa insegurança é a "supervisão". O psicólogo Cristiano Nabuco chama à seguinte reflexão: "Da mesma maneira que o meu filho não vai dormir na casa de alguém sem que eu saiba quem é essa pessoa, quem são os pais; ele não deveria estar se conectando no mundo de uma maneira irrestrita". 

E por que essas crianças e adolescentes ficam tanto tempo 'trancafiadas' num quarto em frente ao computador? O que tanto conversam pela internet? Desde que as redes sociais entrou de vez na vida das pessoas, virou um hábito escrever sobre a rotina do dia a dia. E isso é feito por todas as plataformas. Porém, especialistas revelam que é preciso ficar atento a esta superexposição da vida particular.

Sabemos que tudo o que é postado, comentado ou compartilhado em uma rede social é visto por outras pessoas. E qual a necessidade de tornar público tudo o que se faz? Infelizmente, tudo o que é publicado pode ser usado contra você. Uma má reputação na internet é difícil de ser apagada. Toda essa exposição torna a pessoa vulnerável a qualquer tipo de golpe.

Vivian R. Ferreira



Boer-Buquicchio afirmou ainda que as novas tecnologias oferecem "o sigilo e o anonimato" que facilitam a prática de tais atividades ilegais. Segundo a especialista, os autores destes crimes se beneficiam dessas características. Ela sugere que sejam usadas as medidas necessárias para "pará-los e impedí-los de agir com impunidade total". Como resposta eficaz dos países à questão, a relatora sugeriu a criação de marcos legais, como o que já está em vigor no Brasil. Para ela, é essencial que essas regulamentações sejam "claras e abrangentes para evitar lacunas de proteção". Outras propostas incluem mecanismos para quantificar a prática, identificar as vítimas e rastrear os criminosos e a criação de unidades policiais especializadas para lidar com o assunto.

BLINDANDO A SUPEREXPOSIÇÃO

São inegáveis os benefícios e avanços proporcionados pela internet, mas não se pode fechar os olhos para os riscos provocados por pessoas que utilizam a ferramenta. Use os canais para compartilhar boas notícias e informações que sejam relevantes para ajudar a construir um mundo melhor.

Vale lembrar que qualquer forma de exibição não autorizada de alguma pessoa pode ser caracterizada como ilegal e pode ser combatida na justiça. No Brasil, desde que foi sancionado no início do ano, o Marco Civil da Internet define os direitos e deveres de usuários e provedores de serviços de conexão e aplicativos no campo digital. A nova lei abre caminho para que os internautas brasileiros possam ter garantido o direito à privacidade e à não discriminação do tráfego de conteúdos.

Caso você conheça alguém que esteja passando por situação semelhante, o psicólogo Rodrigo Nejm orienta que, juntamente com sua família, procure ajuda. A Safernet possui um canal de ajuda no qual crianças e adolescentes recebem orientações. "Pode entrar em contato com a equipe especializada, que vai orientar o passo a passo sobre como denunciar, pois depende de qual ferramenta foi usada e qual o procedimento a ser tomado, que basicamente envolve em denunciar o conteúdo e comunicar as autoridades". O endereço do site é: www.canaldeajuda.org.br.