Professora paraplégica acredita na inclusão de pessoas com deficiência a partir do olhar solidário

Wellington Carvalho

02/12/2014 às 20h58 - terça-feira | Atualizado em 22/09/2016 às 16h04

Arquivo Pessoal

Para dirigir, Léia utiliza o freio e o acelerador com as mãos, por meio de alavancas ligadas aos pedais do veículo.

Rosileia da Costa Borges. Esse é nome da professora “Léia”, que, com cerca de 20 anos de experiência, tem inspirado inúmeros alunos e profissionais da Escola Estadual Henriqueta Miranda, da cidade de Rifaina, SP, com sua história de superação. A vida da educadora é inspiração para nos atentarmos à acessibilidade e à inclusão daqueles que enfrentam as limitações do corpo dia a dia, principalmente nesta quarta-feira, 3, Dia Internacional da Pessoa com Deficiência.

Em 2007, ela perdeu o movimento dos membros inferiores num acidente de carro. Alguns órgãos também foram prejudicados. Ao Portal Boa Vontade, ela relembrou que voltava de uma fazenda quando saiu de uma estrada de terra para uma rodovia cheia de curvas. Um descuido foi fatal. “Sempre usei cinto de segurança e pedia para os passageiros do carro também usarem, mas nesse dia eu não estava usando. Enquanto dirigia, abaixei para pegar um CD. A rodovia não tinha acostamento e sim uma beirada alta. Como o carro estava ‘puxando’ um pouco para a direita, perdi o controle e ele capotou. Nenhum dos meus irmãos se machucou, mas fui arremessada para fora do veículo”, conta.

Léia ficou internada por 25 dias e passou por uma cirurgia na coluna. No entanto, os movimentos das pernas não eram mais os mesmos. "Fui percebendo que eles não estavam voltando. Fui para o centro de reabilitação de um hospital de Belo Horizonte, MG, e lá fui aprendendo a viver em cadeira de rodas."

Arquivo Pessoal

Léia e seu filho, Lucas.

Emocionada, ela relatou que o filho Lucas serviu como incentivo para que continuasse a lutar pela vida. “Por ele, eu sentei na cadeira; por ele, eu aprendi a jogar basquete sobre cadeira de rodas, aprendi a dançar, a voltar a trabalhar, a viajar no meu carro adaptado, a passear, a estar com ele na escola. Independentemente de estar de cadeira de rodas ou não, estar com ele é a minha maior razão de viver, minha maior motivação", ressalta.

A volta de Léia à sala de aula ocorreu cinco anos depois do acidente. O retorno foi na Escola José dos Reis Miranda Filho, em Franca, no interior paulista. Há seis meses pediu transferência para Rifaina, onde encontrou toda uma infraestrutra para continuar sua vocação. "A escola foi reformada com acessibilidade. Quando cheguei, o colégio já estava adaptado. Colocaram rampas, deixaram os banheiros acessíveis. Eu me senti acolhida, foi uma satisfação enorme e uma alegria de me sentir útil novamente. Quando somos incentivados, sentimos mais ânimo para fazer a diferença. Os pequenos me receberam muito bem”, reitera.

Para lecionar, a educadora usa uma cadeira de rodas motorizada, que a deixa em pé e facilita o trabalho. Entretanto, ela pondera que seus “familiares e amigos fizeram uma rifa para adquirir o equipamento. Deveria haver um acesso econômico, mais em conta, para uma melhor qualidade de vida para outras pessoas com deficiência".

NADA DE SE ISOLAR EM CASA

Pegar o carro adaptado e dirigir 30 quilômetros de Sacramento, MG, onde mora, até Rifaina é motivo de satisfação para Léia. Até porque locomover-se duas vezes por semana para dar suas aulas de apoio pedagógico a educandos dos quintos e sextos anos é problema superado.

Com o dinheiro reembolsado pela seguradora do carro capotado, a professora comprou outro veículo e adaptou-o às suas necessidades. “Uma lei permite que as pessoas com deficiência adquiram carro isentos do ICMS e IPVA. Então, consegui um desconto bom. É uma forma de garantir maior mobilidade e exercer os direitos de cidadão, como o de ir e vir", alertou.

Tendo consciência de que é um exemplo de superação e independência diante das limitações físicas que tem, Léia acredita que a sociedade tem progredido, ainda que a passos “muito lentos”, na inclusão das pessoas com deficiência. Ela lembra que, ao conhecer o basquete adaptado na Universidade de Franca, teve contato com “pessoas que já se encontravam 20 anos na cadeira de rodas e que relatavam não saírem de casa por sentirem vergonha da condição limitada.”

OLHAR SOLIDÁRIO

Léia serviu de inspiração para as pessoas que não notavam a importância da promoção da acessibilidade. Ela contou que tinha dificuldades para frequentar alguns estabelecimentos. Por conta das visitas constantes da educadora, os donos adaptaram seus espaços e, hoje, tais mudanças servem a outras tantas pessoas com limitações físicas. “Locais onde só havia escadas, agora há elevadores e rampas. Ainda lutamos [para conscientizar] os motoristas que colocam o carro na vaga para deficientes. Mas a sociedade está se humanizando e cumprindo melhor as leis de direito à pessoa com deficiência”.

A professora destaca que um sentimento pode trazer mudanças significativas a partir do momento em que for compartilhado por todos: “Se você não tiver sensibilidade para perceber a limitação do outro, não terá para perceber a sua própria. Cada um de nós tem limitações e temos que enfrentá-las todos os dias. A minha é de não andar, a do outro, talvez, seja de não conseguir pegar algum objeto com as mãos ou ainda não saber se concentrar. Cada um, integrando a humanidade, está aqui para evoluir. E devemos auxiliar um ao outro. Precisamos muito desse ‘despertar’ de saber olhar para o outro com sensibilidade, com amor".