Direitos e oportunidades para pessoas com síndrome de Down

Geneticista apresenta os bons resultados alcançados no país em prol dessa causa

15/06/2015 às 15h44 - segunda-feira | Atualizado em 21/03/2016 às 10h44

Por Mariane de Oliveira Luz e Daniel Guimarães

Até a década de 1970, uma pessoa com síndrome de Down (SD) vivia de 30 a 35 anos. Com a evolução da medicina e do comportamento dos pais e das famílias, houve melhora na qualidade de vida desses cidadãos e, como consequência, um ganho considerável do número de anos dessa população, que atualmente chega à Terceira idade (entre 60 e 70 anos). Não obstante o progresso, há um longo caminho a ser seguido, a fim de que o conhecimento e a informação sobre a SD propicie a eles o devido tratamento e as mesmas oportunidades dadas às demais pessoas.

Em entrevista ao programa Sociedade Solidária*, da Boa Vontade TV, um dos maiores especialistas em síndrome de Down do Brasil, o professor doutor Zan Mustacchi, médico geneticista e pediatra, compartilhou os bons resultados alcançados no país em prol dessa causa e os desafios a serem ainda transpostos.

BOA VONTADE — Qual é a posição do nosso país no cuidado com as pessoas com síndrome de Down?

Zan Mustacchi — Eu vou dar uma grata informação: o Brasil está entre o segundo e o terceiro país do mundo relativamente à atenção à população com síndrome de Down. Nós perdemos, infelizmente, para a Espanha e estamos empatados com a Austrália, que tem um padrão social [diferenciado], e o governo se empenha em colaborar. Hoje, em nosso país, temos por volta de 350 mil indivíduos com síndrome de Down, e nascem [,em média,] oito mil por ano.

BV — A que se deve esse resultado?

Zan Mustacchi — A saúde do país voltada à população com SD tem 37 anos. Os médicos daqui examinam o paciente, trabalham como clínicos; os de fora perguntam o que o indivíduo tem, apertam os botões e mandam fazer exames. Eu diria que o Brasil é pioneiro na área de acesso, de atenção clínica. Então, tem-se uma condição de saúde muito privilegiada. Se temos 37 anos de atenção à saúde, quanto à educação, nós temos dez anos. Talvez por isso não estejamos em primeiro lugar [no ranking de cuidado com as pessoas com SD]. Talvez a educação e a pesquisa sejam os dois grandes problemas do Brasil, onde há pequenas defasagens quando comparados com a Espanha.

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BV — Quais exames devem ser feitos em um recém-nascido com SD?

Zan Mustacchi — Nós participamos da elaboração daquilo que chamamos de direitos do indivíduo com síndrome de Down. Isso significa que o Ministério da Saúde se propôs a fazer uma cartilha de atenção à saúde dessa pessoa, um dos melhores programas de adesão pública, no qual um dos primeiros itens enfatizados é investigar a questão cardiovascular. A criança nasceu. Há suspeita de que ela tenha SD? Ora, o que deve ser feito? Colher o cariótipo [exame que analisa os cromossomos, para determinar as anormalidades relativas à estrutura ou quantidade]? Não! Ele vai me permitir fazer um diagnóstico preciso; entretanto, não dará oportunidade para que essa criança tenha a melhor qualidade de vida. O que é que dará isso? A realização de um exame ecocardio-gráfico no período neonatal. O país está propondo-se a fazer isso e o faz muito bem.

BV — A realização desse exame é um passo importante na definição do melhor tratamento...

Zan Mustacchi — Certamente! Visto que, dos cerca de 50% dos indivíduos que nascem com o diagnóstico provado de síndrome de Down, metade deles é cardiopata congênito, temos de dar atenção específica, porque [com esse exame] eu posso melhorar muito a qualidade de vida deles e intervir prematuramente. Aí está a grande chance da qualidade de sobrevivência e de vida saudável.

BV — Qual é a principal barreira enfrentada pelas pessoas com síndrome de Down?

Zan Mustacchi — Talvez o maior problema, se é que posso colocar assim, não se trata do comprometi-mento intelectual, muito menos do comprometimento correlacionado com a hipotonia [diminuição do tônus muscular]. É, curiosamente, o fenótipo, a imagem desse indivíduo. O que eu quero dizer com isso? A imagem que qualquer um de nós fotografa gera um preconceito. Antigamente, eu acreditava que ele era somente humano. Hoje, a gente sabe que é algo inerente à evolução animal. Por exemplo: a mariposa tem nas extremidades das asas duas manchas, que parecem dois olhos. Então, o seu atacante observa e pensa: “Bom, esse bicho é grande. Eu não vou enfrentá-lo”. Isso é uma forma de gerar um preconceito do outro para se defender. Com o ser humano, este teve a incidência da racionalização, e esse é o maior problema para o indivíduo com síndrome de Down. (...) Não há como acabar com o preconceito, mas eu posso elaborar novos conceitos.

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BV — Quais recomendações o senhor deixaria para quem cuida de uma pessoa com a síndrome?

Zan Mustacchi — As pessoas com síndrome de Down possuem tendência fisiológica, bioquímica, metabólica e social de fazer acúmulo de calorias. Esse indivíduo acaba ficando progressivamente mais gordo. Consequentemente, associando esse processo à hipotonia, que significa uma dificuldade de contração muscular, e à pouca atividade física, [ele] acaba tendo mais problemas de saúde. Então, qual é a primeira e mais importante dica? Cuidar da hidratação, da nutrição e da atividade física. Essa é a melhor receita.

BV — Qual o recado a toda sociedade?

Zan Mustacchi — O indivíduo com síndrome de Down precisa de oportunidades, que possibilitarão a ele ter um futuro melhor, crescer, capacitar-se. Basta dar-lhe condições claras de aprendizado, oferecer a ele tudo o que é dado aos outros filhos, ao próximo, à população como um todo, e ele atingirá todo o seu potencial. Nós não podemos impor limites [a essa pessoa].

HISTÓRIA

O médico inglês John Langdon Down (1828-1896) descreveu, em 1887, a síndrome que leva o seu nome, ao notar semelhanças fisionômicas entre certas crianças. Sete décadas depois, em 1958, o pediatra, professor de genética e cientista francês Jérôme Lejeune (1926-1994) descobriu que os portadores da síndrome de Down possuem uma trissomia do cromossomo 21. A informação sobre essa característica genética possibilitou a médicos e pais um conhecimento maior da SD e a busca pela melhor qualidade de vida para esses pacientes no que diz respeito ao tratamento médico e à inclusão social.