É possível haver vida em outros planetas?

Em entrevista exclusiva, o jornalista Salvador Nogueira fala sobre os desenvolvimentos científico e tecnológico que possibilitaram ao ser humano desbravar o espaço sideral.

Rodrigo de Oliveira

06/02/2017 às 13h49 - segunda-feira | Atualizado em 07/02/2017 às 08h42

Para você, existe vida em outros planetas?

Compreender os mecanismos que regem o Universo e o que nele existe é uma das questões mais desafiadoras sobre as quais a Humanidade tem se debruçado há milênios. Se, no passado, a simples observação das estrelas serviu de referência a diversas atividades ~ entre estas a agricultura, a navegação e a concepção dos conceitos de espaço e de tempo ~, hoje, os desenvolvimentos científico e tecnológico possibilitaram ao ser humano desbravar o espaço sideral e a imensidão deste, o que o tem ajudado a conhecer a própria história, o contexto em que a Terra está inserida e todo o Cosmos.

Expressivos passos têm sido dados nessa direção. O mais recente deles ocorreu no início de julho de 2016, quando a sonda Juno chegou à órbita de Júpiter depois de viajar durante cinco anos pelo espaço. Para entender como esse acontecimento é extraordinário e o que se sabe sobre a busca pela vida em outros planetas, a equipe da revista BOA VONTADE conversou com o jornalista de Ciência Salvador Nogueira, autor de 11 livros acerca do tema e um dos sócios-fundadores da Associação Aeroespacial Brasileira (AAB). Na entrevista, ele falou desses e de outros assuntos, destacando pesquisas que estão sendo empreendidas nesse campo.

BOA VONTADE — Quando criança, você se interessava pelas questões espaciais?
Salvador Nogueira — Sim, desde menino. Eu cresci nos anos de 1980, e a gente era permeado por certa cultura popular a respeito da vida extraterrestre. Eu tinha 4 anos quando E.T. — O Extraterrestre (1982), [longa-metragem] de [Steven] Spielberg, estreou. Foi um grande sucesso, mas muitos outros filmes e livros abordaram essa temática antes disso, quer dizer, não era uma ideia nova. Lembro daqueles livros ilustrados que tinham, por exemplo, o sistema solar e os planetas, e eu fiava imaginando como seria estar em um deles. (...) Foi um exercício que fiz desde criança. Acho que isso me despertou o interesse de tentar descobrir se existe vida lá fora.

Gabriel Estevão
Jornalista Salvador Nogueira

BV — Quais são as condições necessárias para que haja vida em outros planetas, no formato que a gente conhece?
Salvador — A primeira condição é material orgânico disponível. A gente sabe que toda vida é feita de carbono e de outros átomos ligados a ele. O carbono é um átomo que se liga com muita facilidade e de muitas maneiras diferentes. Ele gera moléculas muito variadas, e a vida precisa desse leque de possibilidades enorme. De todos os elementos que a gente conhece e que estão na tabela periódica, ele é o único que tem esse potencial. Então, os cientistas apostam que, se existir vida lá fora, a chance é muito grande de que ela seja baseada em carbono. (...) [A segunda condição] É a água, um dos compostos mais comuns no Universo. O que é raro é ela [estar] em estado líquido. Se você for para Júpiter, para Marte, também vai encontrá-la, mas na forma de gelo. O charme da água é o estado líquido, porque, nesse estado, ela consegue misturar aquelas moléculas de carbono para produzir coisas ainda mais complexas. (...) Agora, onde se acha água em estado líquido? Onde se tem o nível certo de radiação. Se for muito perto do Sol, haverá muita radiação, e a água evaporará. Se for muito longe do Sol, a água esfriará e congelará. No sistema solar, só a Terra está nesse oásis — nem muito quente nem muito fria —, mas, em outros sistemas planetários, em torno de outras estrelas, há vários planetas parecidos com a Terra, ou seja, com o mesmo tamanho e em região propícia.

BV — O que representa o esforço de pesquisa das missões espaciais?
Salvador — As pessoas, às vezes, se revoltam e falam: “Nossa, estão gastando milhões de reais em uma espaçonave para ir ao espaço quando existem tantos problemas aqui na Terra!”. Esse tipo de discurso dá a impressão de que os caras pegam milhões de reais e colocam dentro da espaçonave e mandam para o espaço. Na verdade, todo esse dinheiro está sendo gasto aqui na Terra. Há centenas de pessoas que trabalham projetando a espaçonave, construindo o foguete que vai levá-la ao espaço, quer dizer, tudo isso é geração de emprego, é riqueza, é tecnologia que estamos gerando aqui na Terra. Explorar o Universo é o maior desafio tecnológico que pode existir. Não é uma coisa simples você mandar um robozinho para Marte, por exemplo (...). Você precisa construir um foguete enorme, colocar o robozinho no topo desse foguete, fazer com que ele saia da atmosfera da Terra, que é um desafio muito grande. (...) Existem centenas de pessoas monitorando toda a operação do foguete para que ele siga na trajetória certa, para que o equipamento funcione da maneira correta, porque você não tem segunda chance. Se o foguete falhar, perderá a missão. Então, é um trabalho muito intenso, de vários anos, às vezes até de décadas, para que se planeje uma missão.

Em vinte e seis anos de uso, o telescópio Humble tem sido um importantíssimo instrumento de observação em pontos que antes eram inacessíveis aos olhos humanos.

BV — As tecnologias criadas para as missões são, posteriormente, utilizadas na Terra?
Salvador
— Toda vez que se está enfrentando um grande desafio tecnológico, são criadas tecnologias que acabam sendo úteis também na Terra. Vou dar um exemplo: o [físico] brasileiro Paulo Antônio de Souza Júnior acabou envolvido numa das missões a Marte da Nasa [Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço], que mandou dois jipes, o Spirit e o Opportunity. Ele ajudou a agência espacial americana a desenvolver um instrumento para detectar a composição de minerais em Marte (...). O bacana é que, uma vez desenvolvido esse instrumento, ele foi capaz de adaptar o mesmo sistema para medir a poluição atmosférica em Vitória/ES. Então, uma tecnologia desenvolvida para explorar Marte impacta positivamente a vida em nosso planeta. (...) A história da exploração espacial tem mostrado isto: a cada dólar, a cada real que se investe na exploração espacial, voltam sete na economia de um país, para a produção de tecnologia. Tecnologias como a internet, a gente deve à física de partículas; o computador, às missões que levaram o homem à Lua. As transmissões de TV seriam inviáveis se hoje não tivéssemos satélites em órbita, que, por sua vez, seriam inviáveis se não tivéssemos desenvolvido a tecnologia para ir ao espaço. Essas são demonstrações muito eloquentes de como estamos dependentes da tecnologia espacial, e, às vezes, não enxergamos isso.

Divulgação
A sonda Juno

BV — O que se espera descobrir com a sonda Juno?
Salvador — Ela vai tentar entender a formação e a evolução de Júpiter e ajudar-nos a compreender a própria estrutura, arquitetura e organização do sistema solar. Júpiter é o maior [planeta desse sistema]. A gravidade dele é a mais poderosa e influência, de forma muito significativa, a evolução dos outros planetas. A Terra só está neste lugar ótimo para a vida, que não é nem muito quente nem muito frio, porque Júpiter também apareceu naquele lugar e teve determinado comportamento ao longo de sua história. (...) É fascinante, porque a Juno vai investigar esse astro muito diferente da Terra e que é, basicamente, uma imensa bola de gás. (...) Estudar um planeta tão diferente exige instrumentos muito sofisticados.
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* Matéria publicada na revista BOA VONTADE, número 242, edição de dezembro de 2016.