Futebol em prosa: Mário Filho e a evolução da crônica esportiva

Nathan Rodrigues

24/10/2014 às 15h00 - sexta-feira | Atualizado em 22/09/2016 às 16h02

A paixão pelo jornalismo ele herdou do pai, Mário Leite Rodrigues. Já o gosto pelo futebol cresceu com o tempo e foi compartilhado com o resto da família, principalmente com o irmão Nelson Rodrigues. Mário Filho soube como poucos unir os dois amores, traduzindo em linhas bem escritas os sentimentos que brotam num campo e explodem nas arquibancadas.

A importância de seu trabalho para a crônica esportiva é tanta que transcende a escrita. Se hoje esse caderno tem posição de protagonismo nos periódicos, os créditos devem ser dados a ele. Numa era em que esse ramo do jornalismo era marginalizado, coube a Mário Filho jogar-lhe luz.

“Meu bisavô, Mário Leite Rodrigues, tinha horror a esporte. Então, num certo dia, meu avô (...) pegou uma notícia de um Vasco e Flamengo e colocou na primeira página do jornal [A Crítica]. Foi a primeira vez que isso aconteceu”, conta o jornalista Mário Neto ao programa Boa Vontade Esportes, da Boa Vontade TV.

 

 

A decisão tirou do sério o patriarca da família. Mas ele logo mudaria de ideia. “O mais engraçado é que meu bisavô chegou em casa e só recebia telefonema das pessoas, elogiando-o por dar espaço ao esporte. A partir daí, outros jornais passaram a dar essas notícias e o futebol cresceu. Nessa época [década de 1930], o repórter mais fraco fazia esporte, porque sabia-se que a notícia não seria publicada.”

FLA-FLU DOS RODRIGUES
Além de mudar a cara da crônica esportiva brasileira, coube ao clã dos Rodrigues dar nome a um dos capítulos mais gloriosos de nosso futebol: o Fla-Flu. Como surgiu o apelido? “Flamengo e Fluminense não dava na primeira página. Então ficou assim”, explica Neto.

Se o título para capa não suportava os nomes de Fluminense e Flamengo, as crônicas de Mário e de Nelson Rodrigues tinham linhas suficientes para expressar a grandeza dos clubes e o romantismo de um dos clássicos mais importantes do mundo. Os irmãos sabiam, como poucos, expressar os sentimentos que só uma partida de futebol pode transmitir aos torcedores.“Fla-Flu só não era Paz na família”, comentou o entrevistado.

Nascido num meio tricolor, Mário Filho sempre escondeu a sua predileção ao rubro-negro. “Ele demorou a assumir, mas eu já tinha uma desconfiança”, afirma o entrevistado. A certeza veio num Flamengo e Botafogo. Jogo difícil, caminhando para o empate. Então, dos pés do jogador Dida, veio o gol flamenguista. E da sua cadeira, o jornalista saltou para a glória. O neto viu e o vô pediu discrição. Virou segredo entre os dois. "No outro dia, ele me comprou uma bicicleta e colocou um bilhete escrito 'fiz a minha parte'", relembra.


NOME PARA UM GIGANTE
Intimamente ligado ao futebol e seus movimentos, Mário Filho também é personagem determinante na construção de um dos maiores templos esportivos do mundo: o Estádio do Maracanã. O então governador do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, defendia um campo para 60 mil pessoas, no bairro de Jacarepaguá. Mário Filho foi uma voz discordante.

Para ele, o lugar ideal para a construção do estádio era num terreno descampado, no Maracanã. E foi mais além: visualizou um espaço para mais de 100 mil pessoas. “Lacerda dizia para o meu avô: ‘você é louco, Mário? Não tem chance nenhuma de botar 150 mil pessoas, vai ser dinheiro jogado fora.’”
 

 

A Copa do Mundo de 1950 provou que Mário estava certo: em todos os jogos, o estádio recebeu mais de 100 mil espectadores.  “Pelo menos houve humildade de Lacerda em reconhecer que errou.”

A verdadeira gratidão, no entanto, veio anos depois. Com o falecimento do jornalista, em 1966, a própria imprensa esportiva organizou um movimento para nomear o Maracanã de Mário Filho.  “O grande mentor foi o radialista Waldir Amaral. Nós só ficamos sabendo da homenagem pelo Ary Barroso, não teve a menor participação da família”, ressalta Neto.

O Boa Vontade Esportes vai ao ar pela Boa Vontade TV (canal 20 da SKY) todas as terças-feiras, às 4h30, as quintas-feiras, às 15h30; e aos domingo, às 11h30 e 21h35. Para outras informações, ligue: 0300 10 07 940 (custo de uma ligação local + impostos).