EXCLUSIVA: Novo relator da ONU sobre a Água aponta desafios sobre a escassez no sudeste brasileiro

Professor de engenharia ambiental e sanitária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Leo Heller defende planejamento para evitar crise da água no Brasil

Karine Salles

20/03/2015 às 02h19 - sexta-feira | Atualizado em 22/09/2016 às 16h04

Foca Lisboa/UFMG
Professor Leo Heller é o novo relator especial da ONU sobre água e saneamento. 

Eleito relator especial da Comissão de Água Potável e Saneamento Básico da Organização das Nações Unidas (ONU), desde dezembro de 2014, o professor de engenharia ambiental e sanitária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Leo Heller aceitou o desafio com a certeza de que vai cumprir o mandato "com competência e dedicação, pois é um trabalho de enorme responsabilidade”, afirmou ao Portal Boa Vontade.

Heller foi indicado ao cargo pelo presidente do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Baudelaire Ndong Ella, no fim de setembro. O especialista salientou ainda que ficou "muito honrado" com a indicação. E nos próximos seis anos terá que "cumprir um papel que vai lidar com problemas de grandes proporções e já tem exigido muita articulação internacional, com muito diálogo", mas afirma que está bem "otimista".

Em meio à crise hídrica que assola o Sudeste brasileiro, surgem diversos debates para tentar encontrar a causa do problema e alternativas para resolvê-lo. Na visão do professor Leo Heller, o problema não está na falta de chuva e sim de planejamento. Em entrevista exclusiva ao Portal Boa Vontade, ele destacou ainda quais medidas podem ser feitas para minimizar os efeitos da crise. Confira.  

Portal Boa Vontade A falta de água é uma realidade que muitos países já enfrentam há anos. O Brasil sempre foi visto como detentor de 12% de toda água doce de todo o Planeta. Porém, nos últimos anos, a maior capital econômica do País, São Paulo, enfrenta a pior escassez dos últimos 80 anos. Por que chegamos a esse ponto?

Dr. Leo Heller — O Brasil tem muita água doce, mas ela está heterogeneamente distribuída em todo o território nacional. Existe uma concentração muito grande na Região Norte, que é uma menos populosa. O que nós estamos passando no Nordeste, e principalmente no Sudeste – porque é um dado novo essa falta de água — é fruto de um planejamento inadequado. Porque cada estação é uma situação climática anormal, anos seguidos com baixa precipitação pluviométrica, mas essas variações climáticas podem ser previstas com métodos modernos de planejamento, que as colocariam como uma situação instável, assim os prestadores de serviço se antecipariam ao problema e tomariam providências antecipadas para enfrentar situações como essa.

PBV — Como o senhor acha que poderiam ser partilhadas as responsabilidades para resolver problemas como o de São Paulo?
Dr. Leo Heller — 
Eu concordo que devem ser partilhadas, pois existem vários atores nesse processo, desde as indústrias, que gastam mais água do que deveriam, e as atividades agrícolas que em geral são muito perdulárias no uso da água. Mas os prestadores devem fazer sua parte buscando alternativas de fontes de águas, e também combatendo as perdas, que são altas. Eles devem fazer o uso mais racional da água.

PBV — Quais os principais cuidados?
Dr. Leo Heller —
Temos que ter cuidado com as medidas que envolvem os moradores, principalmente, os de menor poder aquisitivo, que muitas vezes não tem espaço para reduzir muito o seu consumo. E essa redução pode, eventualmente, trazer um consumo abaixo das necessidades essenciais.

PBV — Qual a opinião do senhor a respeito do racionamento de água?
Dr. Leo Heller —
Para enfrentar a crise algumas medidas precisarão e precisam ser tomadas. Elas não são equivalentes, pois existem diferentes opções. E tem que encontrar as soluções que afetem menos as populações mais vulneráveis. Ao olharmos para a crise sob uma ótica dos diretos da água, nós vamos olhar muito cuidadosamente para as populações mais pobres que residem em favelas, nos presídios, creches, asilos, hospitais, escolas, moradores de rua. Essas medidas ocorrendo de forma indiscriminada e universal para todos.Precisa ter um extremo cuidado para que a crise não torne a população [que não tem condições] uma grande vítima do processo. Quem pagará esse preço da contenção são as populações que tem a maior capacidade de adotar alternativas como, por exemplo, comprar água de caminhão pipa, perfurar novos poços. 

PBV — A guerra pela água está próxima?
Dr. Leo Heller —
Não diria que está próxima. Existem situações de conflito internacionais e localizados, que obviamente são preocupantes, mas eu não daria um tom dramático e aterrorizante de que teríamos uma guerra.

PBV — Essa crise tem solução?
Dr. Leo Heller —
Não acredito em soluções que sejam únicas. Hoje, o Sudeste precisa resolver essa crise que está passando. Mas é importante que essa crise, que já tem deixado algumas sequelas, seja também uma oportunidade de aprender para que não ocorra novas situações tão dramáticas como a que está ocorrendo.

PBV — E quais seriam essas medidas?
Dr. Leo Heller —
 É um conjunto de medidas que pode ser feito. Tem alguns países usam a água de chuva para a descarga de vasos sanitários, que é o ponto de maior consumo nas residências; outros adotam equipamentos auxiliares que gastam menos água, ou seja, são várias possibilidades. Torço para que a crise chame a atenção das autoridades para a necessidade de medidas de contenção de consumo.